O Princípio da Continuidade e o Direito de Greve dos Servidores Públicos


08/12/2014 às 15h31
Por Victor Pires Advocacia

RESUMO

O presente artigo elucida os aspectos mais significativos acerca do Princípio da Continuidade e o Direito de Greve, tema atual que tem gerado muitas discussões não apenas no âmbito jurídico, principalmente por ainda não contar com legislação específica que regulamente tais situações. O princípio da continuidade indica que os serviços públicos não devem sofrer interrupção, devendo o Estado estimular seu aperfeiçoamento e extensão. No entanto, em virtude da continuidade dos serviços, muitos deles considerados essenciais para uma vida digna, há profunda divergência no que diz respeito ao direito de greve nesses setores. Sobre a greve, prerrogativa assegurada a todos os trabalhadores, o art. 37, VII da Constituição Federal consignava que seria exercida nos termos e limites definidos em lei complementar. Em 1998 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 19, que alterou o referido dispositivo, em que substituiu a lei complementar pela expressão “lei específica”. Ocorre que até a presente data a lei específica não foi editada fazendo com que vários litígios dessa natureza fiquem sob análise do Judiciário. O método de abordagem aplicado na pesquisa foi o método dedutivo,método que parte do geral para o particular. A técnica de pesquisa empregada foi a documentação indireta, com pesquisa bibliográfica, onde várias fontes foram utilizadas como livros de doutrina, textos de leis, códigos, julgados dos tribunais superiores e publicações disponíveis na Internet. O que se pretende com a realização deste estudo é esclarecer a efetividade do direito de greve no setor público e como o ordenamento jurídico pátrio tem lidado com a questão.

INTRODUÇÃO

Este artigo possui o objetivo de analisar o princípio da continuidade e o direito de greve, bem como ainda fazer breves considerações sobre as greves atuais e sua repercussão para o Direito e para a sociedade.

De acordo com Guimarães (2005, p. 336):

A greve se define como modalidade de conflito trabalhista, que se caracteriza pelo abandono, parcial ou total, após assembleia sindical da categoria que a decide, do emprego, para forçar a discussão e atendimento de suas reivindicações salariais, ou para opor-se a atos patronais ou políticos que considerem lesivos à categoria ou ao país.

Dessa forma, a greve se tornou um forte instrumento de manifestação das categorias profissionais, inclusive de servidores públicos, na busca de melhorias salariais ou em suas condições de trabalho.

A Constituição assegura o direito de greve e diz que compete aos trabalhadores decidirem sobre a oportunidade de exercê-lo e os interesses que devam defender. O Decreto-Lei nº 1.632/1978 dispunha sobre a proibição de greve nos serviços públicos e em atividades essenciais de interesse da Segurança Nacional. Esse decreto, assim como a Lei nº 4.330/1964 (que regulava do direito de greve), foi revogado pela Lei nº 7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, estendendo-se hoje esse direito também aos servidores públicos.

O princípio da continuidade, corolário do Direito Administrativo, preceitua que os serviços públicos não podem parar, porque não param os anseios da coletividade. Daí dizer que a atividade da Administração Pública é ininterrupta.

A concepção do direito de greve como direito fundamental inerente a todo cidadão, nos termos do art. 9º da Carta Magna e o princípio da continuidade do serviço público, previsto no art. 37, do dispositivo constitucional que norteia a Administração Pública, tem entrado em choque. Do ponto de vista trabalhista, deve-se enfatizar a importância dos sindicatos e da própria Justiça do Trabalho nas negociações. Sob a ótica da Administração a situação fática se torna mais complicada visto que ainda não existe instrumento legal que resolva o assunto definitivamente.

Nesse contexto, busca-se com a realização dessa pesquisa esclarecer de que maneira o princípio da continuidade do serviço público pode se conciliar ao direito de greve.

2. SERVIÇO PÚBLICO E PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE

O brilhante Meirelles (1993, p. 289) define serviço público como “aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado”.

De forma simples e objetiva Carvalho Filho (2006, p. 271) conceitua serviço público como “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade”.

Pode-se dizer então que o serviço público é aquele proveniente da atuação do Estado. A prestação desse serviço público visa a concretização do bem estar social.

A Constituição Federal exemplifica alguns serviços públicos em seu art. 21 como os serviços de telecomunicações (inciso XI), de radiodifusão sonora e de sons e imagens (inciso XII, alínea a) e de serviços e instalações de energia elétrica (inciso XII, alínea b), entre outros. Também aponta como serviços públicos ao longo de seu texto a saúde, educação, segurança pública, transportes, dentre outros.

Para que determinado serviço seja enquadrado como público é necessário que ele esteja de acordo com as características resultantes do próprio conceito.

Visando a um interesse público, os serviços públicos se incluem como um dos objetivos do Estado. É por isso que eles são criados e regulamentados pelo Poder Público, a quem também incumbe a fiscalização.

Como o serviço é instituído pelo Estado e almeja o interesse comum, nada mais justo que ele se submeta ao regime jurídico de direito público. Porém, como se sabe, alguns particulares prestam serviços em colaboração com o Poder Público. Nessa hipótese algumas regras de direito privado poderão incidir, mas para disciplinar o serviço as normas adotadas serão de direito público.

Sendo voltados para atender a coletividade os serviços públicos devem seguir aspectos genéricos que constituem os princípios regedores do serviço público. A doutrina nacional é bastante rica na enumeração e descrição dos princípios que norteiam do serviço público. Aqui, menciona-se o princípio da generalidade, que significa que os serviços públicos devem ser prestados com a maior amplitude possível, mas também que os mesmos devem ser prestados sem discriminação entre os beneficiários. O princípio da eficiência que assevera que deve o Estado prestar seus serviços com a maior eficiência possível. O princípio da modicidade afirma que os serviços devem ser remunerados a preços módicos, devendo o Poder Público avaliar o poder aquisitivo do usuário, a fim de que ele não seja excluído do alcance do serviço por razões financeiras.

Destaca-se o princípio da continuidade em que o serviço público, sendo forma pela qual o Estado desempenha funções essenciais ou necessárias à coletividade, não pode parar. MEDAUAR (2011, p. 138) afirma que “de acordo com esse princípio, as atividades realizadas pela Administração devem ser ininterruptas, para que o atendimento do interesse da coletividade não seja prejudicado”. Isso ocorre pela própria importância que o serviço público ocupa na vida da comunidade, isto é, serviços que atendem necessidades permanentes como fornecimento de água e energia elétrica.

Contudo Gasparini (2011, p. 72) explica que:

O princípio da continuidade nem sempre significa atividade ininterrupta, sem intermitência, mas tão só regular, ou seja, de acordo com a sua própria natureza ou forma de prestação. Assim, são contínuos os serviços de coleta de lixo, executados pela Administração Pública a intervalos certos, de três em três dias, por exemplo. Para a continuidade é irrelevante, nesses casos, o intervalo de tempo entre uma e outra das atuações públicas.

Na verdade o princípio da continuidade não denota que todos os serviços devam funcionar de forma ininterrupta, mas que eles devem funcionar regularmente, segundo sua natureza e seguindo o que as leis que os regem prescrevem.

A respeito da suspensão do serviço público, é notória a discussão que se instala. Primeiramente, existe a hipótese de o beneficiário não dispor dos recursos técnicos para a prestação, como é o caso do usuário que não possui o encanamento em sua residência para que possa receber água. Neste caso, o Poder Público pode suspender a prestação do serviço até que o particular disponha dos meios necessários para viabilizar o fornecimento. No momento em que os instrumentos estiverem de acordo com os requisitos exigidos, o usuário tem o direito de ter o serviço restabelecido.

Diferente é o que ocorre com o usuário que deixar de pagar pelo serviço. Sobre o assunto CARVALHO FILHO (2006, p. 278) faz uma distinção entre serviços compulsórios e serviços facultativos:

No caso do serviço facultativo, o Poder Público pode suspender-lhe a prestação no caso de não pagamento. É o que sucede com os serviços prestados por concessionários, cuja suspensão é expressamente autorizada pela Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre concessões de serviços públicos (art. 6º, § 3º, II). Tratando-se, no entanto, de serviço compulsório, não será permitida a suspensão, e isso não somente porque o Estado o impôs coercitivamente, como também porque, sendo remunerado por taxa, tem a Fazenda mecanismos privilegiados para cobrança da dívida.

De forma mais direta Mazza (2010, p. 89) ensina que:

Serviços compulsórios são aqueles executados sem a necessidade de concordância dos usuários. Se forem remunerados, o pagamento é feito por meio de taxa (que é uma espécie de tributo) e não podem ser interrompidos por falta de pagamento. É o caso da coleta de lixo e ensino fundamental. Serviços facultativos são aqueles que requerem a concordância do usuário para a sua execução. Se forem remunerados, o pagamento é feito por meio de tarifas (preços públicos). Um exemplo é o transporte coletivo.

De tudo o que foi retromencionado pode-se inferir que devido à sua importância, os serviços públicos devem ser disponibilizados à população de forma contínua. Porém, a Lei nº 8.987/95 (lei de concessões e permissões de serviço público) no art. 6º, § 3º permite a interrupção no fornecimento do serviço em situações de emergência, sem necessidade de aviso prévio; por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações e ainda por inadimplemento do usuário. Neste último caso, em nome do princípio da isonomia, da supremacia e continuidade do interesse público a empresa não pode ser obrigada a prestar serviço a quem não paga por ele.

3. DIREITO DE GREVE

Durante muito tempo, na maioria dos ordenamentos, foi proibida a greve de servidores públicos, em virtude, sobretudo, do princípio da continuidade, visando a impedir que fossem interrompidas atividades necessárias ao atendimento do interesse público.

A greve, segundo Eros Grau, revela-se como a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores como meio para a obtenção de melhoria em suas condições de vida. O mencionado ex ministro destacou em seu voto no MI 712/PA que a greve: “consubstancia um poder de fato; por isso mesmo que, tal como positivado o princípio no texto constitucional (art. 9º), recebe concreção, imediata – sua autoaplicabilidade é inquestionável como direito fundamental de natureza instrumental”[1].

O Texto Constitucional de 1988 consagrou amplamente o direito de greve para os trabalhadores em geral, como se pode perceber no seu art. 9º que dispõe que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. O referido dispositivo, no § 1º ainda preceitua que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. No § 2º prevê que “os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”.

A Constituição Federal dispõe também que o direito de greve será exercido nos termos e limites definidos em lei específica (art. 37, VII alterado pela Ec nº 19/98). Na versão original desse inciso era exigida lei complementar. A alteração constitucional teve por fim facilitar a aprovação da exigida lei de greve. Para GASPARINI (2011, p. 251) “a mudança é um avanço, embora distante de igual direito praticado em outros países”. O inciso como era concebido, ensejou duas interpretações na visão de SILVA (2007, p. 237):

Para alguns trata-se de norma de eficácia contida, cabendo, portanto, sua imediata e plena aplicação, não obstante possa ter seu alcance reduzido pela legislação infraconstitucional. Para outros, cuida-se de norma de eficácia limitada, pois sua efetividade só ocorrerá com o advento da lei reclamada.

Esta é a tese prevalente mesmo dentro do Judiciário, mas nem por isso a greve no serviço público deixou de acontecer, dado que gerada pelas condições econômicas reinantes e pelo anseio de melhoria salarial.

O STF pôs fim à divergência, abonando a última posição. De forma absolutamente clara, decidiu o Pretório Excelso, em acórdão da lavra no Min. Celso de Mello que:

O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em consequência, de autoaplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende de edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição[2].

Nessa perspectiva é possível afirmar que a greve, a partir de sua previsão no ordenamento brasileiro, passa a ser considerada um direito fundamental dos trabalhadores.

Há bastante divergência a respeito da greve e o funcionalismo público. Para entender melhor Medauar (2011, p. 301) ensina que:

A Constituição Federal remete a disciplina da greve dos servidores a uma lei específica, que estabelecerá os termos e limites desse direito. No entanto, passados vários anos desde a promulgação da Constituição Federal, não foi editada a referida lei. Daí terem surgido, pelo menos três entendimentos: a) a ausência de lei não elimina esse direito, que o servidor poderá exercer; b) a ausência de lei impede o servidor de exercer o direito de greve; c) a ausência de lei não tem o condão de abolir o direito reconhecido pela Constituição Federal, devendo-se, por analogia invocar preceitos da lei referente à greve dos trabalhadores do setor privado (Lei nº 7.783/1989), em especial quanto aos serviços essenciais.

No ordenamento brasileiro adotou-se a segunda orientação, decidindo que o inciso VII do art. 37 não é autoaplicável, não se podendo falar em greve do servidor público[3]. MEDAUAR (2011, p. 301) informa que:

No entanto, várias greves de servidores vêm ocorrendo desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, sem que as autoridades administrativas se valessem da orientação jurisprudencial para instaurar processos disciplinares contra seus participantes. Essa é a realidade, e mais adequado parece levá-la em conta para adotar o terceiro entendimento.

No entendimento de Carvalho Filho (2006, p. 621),

O direito de greve constitui, por sua própria natureza, uma exceção dentro do funcionalismo público, e isso porque, para os serviços públicos, administrativos ou não, incide o princípio da continuidade. Desse modo, esse direito não poderá ter a mesma amplitude do idêntico direito outorgado aos empregados da iniciativa privada. Parece-nos, pois, que é a lei ordinária específica que vai fixar o real conteúdo do direito, e, se ainda não tem conteúdo, o direito ainda não existe, não podendo ser exercido.

Como se pode observar o tema é bastante controvertido na própria doutrina.Porém o STF já se posicionou sobre a controvérsia, assunto que será abordado em tópico apropriado. Vê-se também que o exame da matéria é de suma importância para o operador do Direito, visto que as greves são uma constante na vida de todos e que precisa ser analisada do ponto de vista social e jurídico.

3.1. GREVES ATUAIS

A greve do funcionalismo público sempre foi alvo de críticas. Primeiro porque até os dias atuais o ordenamento brasileiro não conta com uma lei que regulamente esse assunto. Segundo devido às inúmeras garantias que os servidores já possuem.

A verdade é que há uma situação caótica a esse respeito. Várias greves de servidores, algumas com duração de semanas e até de meses, não acarretam qualquer efeito pecuniário ou funcional para os grevistas, deixando transparecer que, em algumas oportunidades, o Governo teve que se curvar à força e exigências do movimento.

Foram noticiadas greves de magistrados, policiais militares e civis de vários estados brasileiros, professores de vários graus de ensino, não só da rede estadual, municipal, mais recentemente também do ensino superior federal, fiscais, profissionais da saúde e de outras categorias. Suas frequentes manifestações nos mais variados setores dos serviços públicos, e às vezes até mesmo extrapolando um limite de tempo considerado razoável leva ao questionamento se não há um abuso por parte dos servidores.

Como exemplo hodierno, tem-se a greve nas instituições federais de ensino superior que já dura mais de um mês e atinge todo o país. A mobilização nacional de professores das instituições federais de ensino pela reestruturação da carreira docente chegou, na última quarta-feira (27/06/12), à adesão de 95% das instituições, segundo dados do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). Das 59 universidades, 56 têm professores parados. Além disso, a greve dos servidores técnicos administrativos atinge 34 dos 38 institutos federais de ciência e tecnologia em 22 estados, além dos dois centros federais de tecnologia e o Colégio Pedro II.

A categoria dos docentes pleiteia carreira única com incorporação das gratificações em 13 níveis remuneratórios, variação de 5% entre níveis a partir do piso para regime de 20 horas correspondente ao salário mínimo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) – atualmente calculado em R$ 2.329,35 –, e percentuais de acréscimo relativos à titulação e ao regime de trabalho.

O sindicato reclama da morosidade nas negociações e do fato de elas estarem concentradas principalmente nas mãos do Ministério do Planejamento. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) afirma que quem define a agenda de negociação é o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). O Ministério da Educação está com uma proposta de plano de carreira pronta, para apresentar na próxima reunião agendada pelo MPOG, basicamente priorizando a dedicação exclusiva e titulação docente.

A última proposta do governo, divulgada em 13 de junho, sugeria que a carreira dos docentes das federais seguisse o mesmo plano de carreira dos servidores do Ministério da Ciência e Tecnologia, que contempla o reajuste salarial e a incorporação das gratificações.

Com isso, a comunidade universitária foi lesada em vários aspectos, desde o atraso em sua formação, até problemas com estágios e futuro emprego.

O fato é que da forma como vem sendo praticado o exercício deste direito a sociedade vem sendo prejudicada como um todo, o que fere princípios e deixamuitas perdas que podem levar anos para serem recuperados em todos os setores. Isso sim caracteriza um abuso.

O ideal é que o Poder Público diligencie para que seja logo editada a lei regulamentadora da matéria, porque todo o conflito sobre o assunto tem surgido por causa da inércia legislativa.

Com a lei, abusos cometidos de ambas as partes seriam evitados, além de prejudicar o menos possível a população que é quem mais sofre com suas necessidades pendentes, visto que serviços essenciais foram interrompidos.

4. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE E DIREITO DE GREVE

Na Administração Pública, como já se sabe vigora o princípio da continuidade do serviço público que dispõe que os serviços públicos não podem ser interrompidos, paralisados, nem prejudicados, devendo, assim, ter normal continuidade. Referido princípio é, consequência do princípio da supremacia do interesse público, o qual concebe que a coletividade não seja prejudicada por conta de interesses particulares.

O art. 10 da Lei nº 7.783/89 (Lei de Greve) regulamentou o texto constitucional e definiu os serviços essenciais que, em tese, não podem sofrer interrupção na sua prestação. São eles o tratamento e abastecimento de água, distribuição de energia, gás e combustíveis, assistência médica e hospitalar, entre outros.

Segundo Mello (2005, p. 81),

Em função da obrigatoriedade de desempenho da atividade administrativa a Administração Pública submete-se ao dever de continuidade de seu agir. De fato, na exata medida em que a Administração Pública é curadora de determinados interesses que a lei define como públicos e considerando que a defesa, e prosseguimento deles, é, para eles, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impõe e prevalece em quaisquer circunstâncias.

Por outro lado, é necessário compreender que a continuidade dos serviços públicos não tem caráter absoluto. Existem situações específicas e previstas em lei como já visto anteriormente que excepcionam o princípio, como em contrato administrativo e paralisação temporária da obra para expansão, melhoria dos serviços, em caso de inadimplência do usuário ou ligações clandestinas.

No caso das paralisações de servidores públicos, percebe-se que há um conflito entre o direito fundamental de greve, inerente a todo cidadão (art. 9º CF), e especificamente ao servidor público (art. 37, VII CF), e o princípio da continuidade do serviço público (art. 37 CF), que norteia a Administração Pública.

Dessa forma, o que parece ser mais conveniente é buscar uma conciliação entre o princípio da continuidade e o direito de greve. Adotado esse posicionamento, buscar-se-ia por analogia com a lei de greve do setor privado e com base nos princípios do Direito Administrativo, conciliar o direito de greve do servidor e a continuidade das atividades administrativas, para que a população não sofra as consequências de interrupção de serviços públicos, como assistência médica, ensino, transporte de qualquer tipo, fornecimento de água e energia. Sobre isso MEDAUAR (2011, p. 301) preleciona que:

Na maioria dos ordenamentos estrangeiros, mediante lei ou na ausência de lei, duas medidas em especial vêm sendo adotadas, visando essa tal conciliação: obrigatoriedade de comunicação prévia, em prazo razoável (dez dias, uma semana, por exemplo), da realização da greve, para que a Administração tome providências a respeito; e manutenção de um percentual de atividades em funcionamento (trinta ou vinte por cento, por exemplo) para impedir colapso total.

As entidades representativas das diversas categorias de servidores buscaram em Juízo a efetividade do direito de greve, pleiteando para suas paralisações a aplicação supletiva da Lei nº 7.783/89, que trata da greve nas atividades privadas, o que sempre foi negado, dada a incompatibilidade dessas regras com o princípio da continuidade e da supremacia do interesse público.

O STF ao decidir os Mandados de Injunção reconhecia a omissão legislativa, contudo, legislar a respeito, quer determinando a aplicação supletiva da lei de greve, quer estabelecendo regras próprias às paralisações, embora notificasse o Congresso Nacional de sua mora.

No julgamento do Mandado de Injunção nº 20/DF o STF estabeleceu a necessidade de regulamentar o dispositivo constitucional sobre o direito de greve. No entanto, ao julgar os Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/PB e 712/PA, o STF firmou entendimento segundo o qual a Lei de Greve dos trabalhadores comuns poderá ser aplicada aos movimentos paredistas dos servidores públicos em tudo que não contrarie a natureza estatutária do liame existente entre esses servidores e o Poder Público. Dessa forma o Órgão Máximo manifestou-se a favor da possibilidade dos servidores públicos realizarem greve.

Com a omissão legislativa o STF acolheu a pretensão manifestada no MI nº 670/ES, para o fim de que fosse aplicada a Lei nº 7.783/89 enquanto persistisse a omissão na regulamentação do inciso VII do art. 37 da Constituição. O Pretório Excelso firmou o mesmo entendimento nos MI nº 708/PB e MI nº 712/DF pacificando a discordância.

Medauar (2011, p. 301) resume da seguinte forma:

Enquanto não se editar a lei de greve dos servidores públicos, adotar-se-á a Lei nº 7.783/89. Assim, parâmetros contidos nessa lei vigoram para o setor público, na ausência de lei específica, por exemplo: nos serviços essenciais deve haver comunicação de greve, com antecedência de setenta e duas horas, e deve ser mantido percentual de serviços em funcionamento; sanções previstas podem ser impostas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que brevemente foi exposto neste trabalho, pode-se perceber que o direito de greve é garantia de todos os trabalhadores, inclusive do servidor público civil, como se refere o art. 37, VII, da Constituição da República e alcança patamar de direito fundamental. Constitui-se um instrumento democrático a serviço da cidadania e da dignidade humana.

Por não existir na legislação brasileira a tal lei específica que regulamente o direito de greve do servidor público, caberá ao Judiciário, o dever de examinar a situação concreta e decidir se a medida eleita, ou seja, se as paralisações oriundas do direito fundamental de greve do servidor não afrontaram um princípio norteador da Administração Pública (continuidade do serviço público), que também é direito fundamental da coletividade, de terem acesso aos serviços públicos essenciais.

A Constituição de 1988 deu um passo significativo ao assegurar o direito de greve no rol dos direitos sociais e inovou, de forma ímpar, ao estender tais direito aos servidores públicos civis. Todavia, previu que o exercício desse direito dependeria de regulamentação por lei específica.

Devido essa lacuna legislativa, coube ao STF se posicionar sobre o tema em sede de Mandado de Injunção, instrumento que assegura a qualquer cidadão o exercício de direito fundamental, para garantir a aplicação da Lei nº 7.783/89 (lei de greve do setor particular) no setor público.

No entanto, o exercício do direito de greve não pode ser absoluto, devendo-se respeitar um mínimo necessário para as chamadas atividades essenciais em prol do interesse público.

ABSTRACT

This article elucidates the most significant aspects about the Principle of Continuity and the Right to Strike, the present theme has generated much discussion not only within the legal framework, mainly by not yet have a specific legislation governing such situations.The principle of continuity indicates that public services should not be interrupted, the state should encourage its improvement and extension.However, due to the continuity of services, many of them considered essential for a dignified life, there is deep divergence related the right to strike in these sectors. About the strike, right guaranteed to all workers, art. 37, VII of the Federal Constitution determined which would be exerted on such terms and limits defined in a supplementary law.In 1998 was enacted Constitutional Amendment 19, which amended the said device, in which the supplementary law replaced by the expression "specific law". Turns out that to date no specific law has been edited so that many such disputes are under judicial review.The method of approach applied to study was the deductive method, method that starts from general to particular. The research technique employed was the indirect documentation, bibliographic search, where multiple sources were used as teaching books, texts of laws, codes, judged by higher courts and publications available on the Internet. The aim of this study is to clarify the effectiveness of the right to strike in the public sector and how the native legal system has dealt with the issue.

Keywords: Principle of continuity, right to strike, public services.

  • Greve
  • Servidores Públicos
  • Direito
  • Princípios
  • Trabalho

Referências

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[1]STF/Pleno. MI 712/ Pará. Rel. Min. Eros Grau. Julgado em 12.04.07.

[2] MI nº 20, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello (in RDA 207/226, 1997).

[3] (Rec. MS 2.671, jun. 1993, RDA 194, p. 107-109).


Victor Pires Advocacia

Bacharel em Direito - Parnaíba, PI


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