Sabe-se que as tragédias gregas em muito contribuíram para a formação do arquétipo político em Atenas, e aí fica clara uma grande relação com a sofística, uma vez que traz ferramentas indispensáveis para o desenvolvimento da retórica, importante característica para o cenário político e democrático de Atenas.
Nas tragédias gregas, por exemplo, em meio ao constante declínio do personagem, do irremediável fim trágico, o mesmo se reveste de um espírito agonístico, pois sabendo de seu fim, o herói tenta colocar a mostra, ao máximo, os argumentos que os fizeram chegar onde está e o faz como um guerreiro grego que desfere sua espada contra o inimigo. Estes argumentos normalmente são organizados de modo estratégico, utilizando até de elementos contraditórios, que vão de um sentimento que domina o personagem (como faz Clitmnestra ao defender-se da culpa pelo assassinato de Agamêmnon), até a força divina do destino que os acomete (como faz Orestes ao admitir a força do miasma e de Apolo). Na verdade, o que importa é a construção de uma verdade que de certa forma se revela absoluta, pois o objetivo de tal é fundamentar sua atitude como a única possibilidade de agir, ou seja, não se teria outra opção se não a mesma a qual se realizou. Isso também se revela de modo eminente em nossa sociedade, mais especificamente no Direito.
Quando um advogado constrói sua estratégia de defesa, precisa ou negar veementemente ou “justificar” a atitude do cliente e para isso a argumentação, a capacidade de persuasão são fundamentais para convencer o juiz de que a sua verdade é a fidedigna representação da realidade.
O que se coloca em questão aqui, não é o caráter do advogado ou o senso de justiça social presente em cada um, mas sim a análise da verdade como um processo de formação, cujos mecanismos devem estar o mais alinhado possível com o discurso. É evidente que para isso ocorrer não é necessário deixar de lado ideais éticos ou morais, apenas é necessário entender a possibilidade da contestação como ferramenta discursiva. Assim, o princípio de não-contradição aristotélico que amarra a verdade como sendo imutável, impossibilitando qualquer contestação ou discussão sobre a mesma mostra-se insuficiente como instrumento único na pólis nascente, pois que a contradição é fundamental para que o discurso em questão possa ao menos existir, já que de fato só haverá possibilidade discursiva, se houver choque de ideias.
Então, mediante ao que já exposto, faz-se necessário citar alguns exemplos de construção da verdade. Um bom exemplo a ser destacado aqui é o Elogio de Helena de Górgias, o qual coloca em cheque certezas históricas e sociais de toda uma nação em relação à Helena de Tróia. Helena era considerada a causadora da guerra, foi sua atitude de seguir Páris que desperta o ódio do marido Menelau. No texto, Górgias realiza uma defesa de Helena, não porque acredite em sua inocência, ele mesmo admite que esse fato é secundário, o que pretende é apenas mostrar os elementos discursivos, o poder de convencimento que eles possuem, nas palavras de Górgias (1980 p. 2):
"O tempo de antes, por meio do discurso, agora transponho, avançarei para o início do discurso por vir e exporei as causas pelas quais era natural que acontecesse a viagem de Helena a Tróia. Pois, ou por determinação da Sorte e por deliberação dos deuses e por decreto da necessidade fez o que fez, ou foi raptada à força, ou persuadida pelos discursos, ou surpreendida pelo amor. Se foi, então, por causa do primeiro, o causador merece ser acusado, pois o ímpeto de um deus, por precaução humana, é impossível impedir. Pois não é natural o mais forte ser impedido pelo mais fraco, mas o mais fraco pelo mais forte ser governado e conduzido, e o mais forte conduzir, mas o mais fraco seguir. Um deus é mais forte do que o homem em força e em sabedoria e nas outras coisas. Se, então, deve-se atribuir a causa à Sorte e ao deus, deve-se absolver Helena da infâmia".
Fica claro nessa breve passagem toda gama argumentativa a qual Górgias faz uso, trazendo à discussão pontos antes, provavelmente, nunca levantados sobre esse assunto. No texto, Górgias produz, com perspicácia, quatro argumentos para defender Helena, apresenta-os um a um, tecendo uma rede discursiva que envolve o leitor. Ao final do texto o autor apenas demonstra como a verdade pode ser construída dependendo do discurso e da habilidade do autor, pois após toda a dúvida que coloca através de seus argumentos o mesmo reconhece a infâmia de Helena deixando claro que a verdade jurídico-social é apenas uma possibilidade.
Outro, excelentíssimo, exemplo, com maior relação com o Direito, são as Tetralogias de Antifonte. Este atuando como orador em três assassinatos, em tese, constrói discursos de acusação e de defesa. Em um dos casos há uma incriminação recíproca. Um jovem e um senhor discutem e começam a se agredir mutuamente. O jovem, mais forte, acaba matando o senhor. A acusação, em seu primeiro discurso, alega arrogância e desregramento, sob efeito do vinho, já a defesa alega legítima defesa:
“O morto se morreu por desgraça, foi por desgraça levada a cabo por ele próprio - pois aconteceu de começar os golpes - se por imprudência de alguém padeceu, foi por sua própria imprudência, pois não agiu com bom senso quando me espancou.” (ANTIFONTE, 2005, § 6, 13)
Mais uma vez nota-se o jogo do contraditório tendo como instrumento principal a retórica, fundamental na vida dos juristas. Faz-se necessário ressaltar que nas tetralogias em nenhum dos casos as decisões são apresentadas: “ao sofista cabe apenas apresentar os argumentos. Próximo do cético suspende seu juízo o sofista.” (SILVA 2005).
Vale ressaltar que a intenção aqui não é exaltar pura e simplesmente a possibilidade de manipular a verdade, o advogado enquanto profissional essencial para administração da justiça necessita refutar as verdades jurídico-sociais, que por vezes não condizem com a verdade de fato. É nesse contexto que o contraditório e ampla defesa ganham importância salutar, imaginemos pois que todas as situações fossem transpostas para o alvedrio da sociedade, sem sombra de dúvida as maiores atrocidades no que tange a injustiças ocorreriam, basta trazer à baila acontecimentos recentes em nosso país onde em verdadeiros “tribunais empíricos” cidadãos tiveram suas vidas ceifadas pelas simples ilações de poucos.
Sendo assim, a atuação do advogado necessita ser assegurada em todos os aspectos e suas prerrogativas valorizadas para que se aproxime a verdade jurídica da verdade de fato.