RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: das origens históricas à objetivação


06/09/2017 às 16h18
Por Ana Paula Souza Caetano

1 - INTRODUÇÃO

 

Como se sabe, a responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar economicamente os danos, patrimonial ou moral, causados à esfera juridicamente protegida de terceiros. Nesse contexto, o presente trabalho objetiva analisar a evolução normativa da responsabilidade do Estado no Brasil.

Deste modo, calha ressaltar as teorias da responsabilidade civil do Estado, bem como os elementos que a caracterizam, ou seja, importante mencionar quais espécies de responsabilidade civil existem no Brasil e como o Estado se comporta, por exemplo, diante dos atos lesivos comissivos, e aqueles praticados pelo poder legislativo, consubstanciados em atos ilícitos, decorrentes de leis infraconstitucionais, de leis de efeitos concretos e omissões inconstitucionais quanto ao dever de legislar, e aqueles praticados pelo poder judiciário, dolosos ou culposos, causados pelo magistrado, quando no exercício de suas funções.

Justamente por haverem tantas distinções, a responsabilidade civil estatal, de igual forma, difere do modelo de responsabilidade civil cabível a qualquer outro ente jurídico. Desta forma, a análise da responsabilidade civil do Estado e sua extensão é um objeto de estudo instigante, absolutamente necessário e ainda muito longe de pacificação.

Os serviços prestados pelo Estado, que visam à materialização dos direitos positivados na Constituição, têm como destinatário o cidadão, assim, exatamente, nesta prestação de serviços é que podemos notar a incidência da responsabilidade civil do Estado, uma vez que toda atividade, seja ela estatal ou privada, traz consigo uma carga de risco inerente, razão pela qual a responsabilidade civil do Estado se estende cada vez mais, nos mais diversos campos de atuação em que sua presença se faz necessária.

                        Neste contexto, será analisada a evolução da Responsabilidade Civil do Estado frente aos danos causados por seus agentes a terceiros, haja vista, que sua função primordial é manter a ordem social.

 

2 -  CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

 

Nesta direção, o instituto da responsabilidade civil teve sua origem no Direito Romano, com a Lei das XII Tábuas, mais conhecida como Pena de Talião, a qual estabelecia o seguinte ensinamento: “olho por olho, dente por dente”, ou seja, naquela época, a Responsabilidade Civil era calcada na vingança pessoal, por isso da frase da Lei das XII Tábuas. O que hodiernamente, no Direito não é mais permitido, pois é preciso que o Estado seja provocado, para que este aja em nome de terceiro, é o contrato social sendo cumprido.

Nos moldes atuais, levando em consideração os ensinamentos trazidos pelo Direito Civil, pode-se dizer que o instituto da Responsabilidade Civil consiste na obrigação de reparar os danos causados a terceiros, sejam eles de ordem patrimonial ou moral, podendo ser denominada, ainda, de responsabilidade extracontratual, a qual requer a existência de alguns elementos para ser caracterizada, quais sejam: uma atuação lesiva culposa ou dolosa do agente; a ocorrência de um dano patrimonial ou moral e o nexo de causalidade entre o dano havido e a conduta do agente, haja vista que o dano deve ser decorrente, de maneira efetiva, da ação do agente.

Com relação à responsabilidade civil do Estado pode-se dizer que, segundo os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro ( 2007, p. 386):

Quando se fala em responsabilidade do Estado, está-se cogitando dos três tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: a administrativa, a jurisdicional e a legislativa. Fala-se, no entanto, com mais frequência, de responsabilidade resultante de comportamentos da Administração Pública, já que, com relação aos Poderes Legislativo e Judiciário, essa responsabilidade incide em casos excepcionais

 

Desse modo, quando o Estado, com a sua conduta, descumpre o que foi determinado por lei, Ele pode infringir uma de suas esferas, seja ela administrativa, jurisdicional ou legislativa, sendo que essas duas últimas incidem em casos excepcionais.

Assim, tal responsabilidade será sempre civil, de ordem pecuniária e proveniente de atos praticados pelos agentes públicos, no exercício da função administrativa, que, ao gerarem danos aos administrados, originam a obrigação para o Estado de indenizar esses particulares lesionados. 

Importante ressaltar que, no direito brasileiro a responsabilidade civil é orientada pelo princípio da causalidade adequada, também denominado princípio do dano direto e imediato, segundo o qual, ninguém pode ser responsabilizado por aquilo a que não tiver dado causa, ou seja, só origina responsabilidade civil, o nexo causal direto e imediato, quando houver uma ligação lógica direta entre a conduta e o dano efetivado.

Ademais, com relação ao tema, preleciona Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (ALEXANDRINO, PAULO, 2010, p. 722):

No âmbito do Direito Público, temos que a responsabilidade civil da Administração Pública evidencia-se na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, atuando em seu nome, ou seja, na qualidade de agentes públicos, causem à esfera juridicamente tutelada dos particulares. Traduz-se, pois, na obrigação de reparar economicamente danos patrimoniais, e com tal reparação se exaure. Não se confunde a responsabilidade civil com as responsabilidades administrativa e penal, sendo essas três esferas de responsabilização, em regra, independentes entre si, podendo as sanções correspondentes ser aplicadas separada ou cumulativamente conforme as circunstâncias de cada caso. A responsabilidade penal resulta da prática de crimes ou contravenções tipificados em lei prévia ao ato ou conduta. Já a responsabilidade administrativa decorre de infração, pelos agentes da Administração Pública – ou por particulares que com ela possuam vinculação jurídica específica, sujeitos, portanto, ao poder disciplinar –, das leis e regulamentos administrativos que regem seus atos e condutas.

 

Sendo assim, de um modo geral, a responsabilidade civil do Estado pode ser conceituada como a responsabilização estatal pelos danos que seus agentes possam vir a causar a terceiros, conhecida como responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro.

 

3 – EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: TEORIAS

 

Nesta direção, da análise do ordenamento jurídico, verifica-se que algumas teorias foram elaboradas para explicar a responsabilidade inerente ao Estado, podendo, portanto, ser observada uma evolução entre elas.

                        Em um primeiro momento, tinha-se a teoria da irresponsabilidade, a qual era um reflexo dos Estados Absolutistas, tendo raízes na ideia de soberania do administrador máximo, isto é, esta teoria consiste no fato de que não era possível o Estado, personificado na figura do monarca, lesar seus súditos, tendo em vista a impossibilidade do rei cometer erros (“the king can do no wrong”, de acordo com os ingleses).

 Logo, os agentes públicos, que representavam o próprio rei, não poderiam ser responsabilizados por seus atos no exercício de funções inerentes ao rei, já que os mesmos não poderiam ser considerados lesivos aos súditos.

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 409), “qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania”.

A irresponsabilidade estatal que dominou os estados absolutistas perdurou e só veio a ser extinta no século passado, desaparecendo em 1946, nos Estados Unidos e em 1947 na Inglaterra, ainda que estes países sejam ambos Estados de Direito, aliás, pilares da democracia moderna.

Ademais, em meados do século XIX começou-se a admitir a possibilidade da responsabilidade subjetiva do Estado, ou seja, passou a depender da prova da culpa do agente, sem a qual, mesmo que houvesse um ato ilícito e o dano, não se falava em responsabilidade.

Entretanto, a responsabilização subjetiva do Estado mostrou-se inócua na tentativa de garantir direitos dos cidadãos, tendo em vista a grande dificuldade que um simples cidadão tem em produzir provas frente ao grande aparelhamento estatal que protegia a administração pública e seus agentes.

Por outro lado, com o surgimento da teoria da “falta do serviço”, começou-se a caminhar em direção à responsabilidade objetiva do Estado. Assim, há culpa do serviço ou “falta do serviço” quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado e continua a ausência do serviço devido ao seu defeituoso funcionamento, inclusive por demora, basta para configurar a responsabilidade do Estado.

Muito embora a teoria da “falta do serviço” representasse um avanço, ela ainda não configurava a responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que o Poder Público provando ter operado com diligência, prudência e perícia, ficaria isento de responsabilidade.

Em seguida, chegou-se à responsabilidade objetiva do Estado, ou seja, para a responsabilidade objetiva não é necessária a comprovação da culpa, bastando o ato ilícito, o dano e obviamente o nexo causal entre estes para a configuração da responsabilidade.

Sendo assim, pode-se dizer que tal teoria veio equilibrar a relação entre o Estado, com todos os seus privilégios e poderes, e seus cidadãos que evidentemente encontram-se em estado de hipossuficiência nesta relação jurídica.

 

3.1 – A Responsabilidade Civil do Estado nas Constituições Brasileiras

 

No Brasil, a responsabilidade objetiva da administração pública começou a ser aplicada com o advento da Constituição Federal de 1946 (art. 194), seguindo a Constituição de 1967 (art. 105) e sua emenda nº. 1. Em síntese, pode-se dizer que os dispositivos supracitados equivalem ao art. 37, § 6º, da Constituição de 1988.

Assim, vale mencionar o texto do referido artigo (BRASIL, 1988): “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Nesta baila, do dispositivo em tela pode-se extrair o princípio da responsabilidade objetiva dos Estados, uma vez que não se faz necessária, segundo a regra constitucional, a demonstração de culpa do agente, segundo o qual responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, e também o princípio da responsabilidade subjetiva do próprio agente estatal, a qual salienta que é assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa.

Desta forma, o trecho extraído do voto do Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal (RTJ 163/1.107), no Recurso Extraordinário nº. 109.615, ilustra com clareza os institutos do artigo em comento:

A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

 

Assim, tem-se bem claro que a carta constitucional vigente não se limita a imputar ao Estado a responsabilidade civil de forma objetiva, mas também imputa aos agentes estatais a responsabilidade civil na forma subjetiva, nos casos em que forem pertinentes.

 

3.1.1 – Teoria do Risco

 

A teoria do risco surgiu como solução encontrada pelo legislador brasileiro em resposta às falhas da teoria da culpabilidade. Esta teoria era ineficaz no que tange a produção de prova por parte da vítima frente às situações cotidianas de danos provenientes de atividades realizadas com regularidade.

Neste diapasão, a base da teoria do risco é o dever genérico de não prejudicar, do qual estão imbuídos todos os cidadãos. Em suma, a referida teoria tem fulcro na responsabilidade social que advêm da atividade exercida. Assim toda pessoa que, além de obter proveito, normalmente financeiro, de sua atividade, cria risco de dano a terceiros, tem o dever de reparação.

Nas palavras de Venosa (2012, p. 10):

A insuficiência da fundamentação da teoria da culpabilidade levou à criação da teoria do risco, com vários matizes, que sustenta ser o sujeito responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco criado e do risco benefício. O sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em razão dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona.

 

Sendo assim, cabe ressaltar que a teoria do risco, embora semelhante, não se confunde com a responsabilidade objetiva, uma vez que a teoria do risco baseia-se na ideia de que um indivíduo ou um grupo de indivíduos não devem suportar os danos advindos de uma atividade em que outrem tira proveito, enquanto a responsabilidade objetiva tem fulcro na hipossuficiência da parte lesada.

 

3.1.2. Teoria do risco administrativo

 

A teoria do risco administrativo segue a lógica da teoria do risco mencionada anteriormente. Assim, consoante supramencionado, a teoria do risco preceitua que um particular não deve suportar o dano inerente de uma atividade desenvolvida por outro particular, na qual este segundo normalmente obtém lucro ou algum tipo de vantagem.

 Na mesma forma, a teoria do risco administrativo preceitua que não deve um particular suportar o dano advindo de uma atividade que, em tese, se reverte em benefícios à toda coletividade. Nas palavras de Tathiana de Melo Lessa Amorim (Tathiana, 2004):

A teoria do risco social fornece suporte ao princípio da responsabilidade estatal, servindo como linha divisória entre os atos regulares e os que rompem o equilíbrio dos encargos e vantagens sociais, em prejuízo de alguns particulares que acabam se sujeitando a um ônus que deveria ser suportado pela coletividade, representada pelo Estado, tendo em vista que os benefícios que geraram estes riscos também são coletivos.

 

A partir da teoria do risco administrativo é que se chega à responsabilidade objetiva do Estado. Nesta teoria, afasta-se a necessidade de comprovação de culpa por parte do agente, no presente caso do agente estatal, considerando-se a hipossuficiência do administrado no que tange sua capacidade probatória bem como a regularidade dos serviços prestados pelo Estado e o proveito social inerente a esses serviços.

Desta forma a questão se desloca para a investigação da causalidade referente ao evento danoso, sem perder de vista a regularidade da atividade pública, a anormalidade da conduta do ofendido, e a eventual fortuidade do acontecimento.

 

 

3.1.3. Teoria do Risco Integral

 

A teoria do risco integral consiste em uma visão exagerada da responsabilidade civil do Estado, tendo em vista que, para essa teoria, é suficiente a existência do evento danoso e do nexo causal para que apareça a obrigação de reparar o dano por parte da Administração, ainda que o dano seja oriundo de culpa exclusiva do particular.

Assim, para Hely Lopes Meirelles (1999, p. 586) a “teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Para essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima.”

Deste modo, segundo parte da doutrina, a teoria do risco integral nunca foi adotada no ordenamento jurídico brasileiro.

 

3.2 - Responsabilidade objetiva do Estado

 

A responsabilidade civil do Estado é fruto da evolução histórica da responsabilidade estatal que, como visto anteriormente, começou pela total ausência de responsabilidade por parte do Estado. Assim, a responsabilidade objetiva apresenta-se como o que há de mais moderno em termos de responsabilidade civil.

Para que se possa compreender de forma clara o instituto da responsabilidade objetiva do Estado, é necessário analisar a relação jurídica entre Estado e administrado sob a ótica deste último.

Frente ao aparato que possui o Estado para organizar a vida em sociedade e administrar os serviços que deve prestar ao administrado, cidadão comum, este se encontra em flagrante hipossuficiência, ou seja, não tem condições, em um estado de igualdade formal, de concorrer juridicamente com o Estado.

Desta maneira, em face do princípio da isonomia, que em uma leitura atualizada reza que se trate de forma igual os iguais e desigual os desiguais na medida de sua desigualdade, o instituto em tela vêm para equilibrar a relação entre Estado e administrado, tendo em vista que afasta-se a necessidade de prova da culpa, esta a maior dificuldade encontrada pelo cidadão comum em uma relação jurídica.

Ainda embasado no princípio da isonomia, a responsabilidade objetiva do Estado busca a distribuição equânime do ônus das atividades estatais, tendo em vista que o bônus das referidas atividades, em tese, é aproveitado pela sociedade de forma geral.

Deste modo, verifica-se que na primeira parte do §6º, do artigo 37 da Constituição Federal há uma densificação da garantia de indenização frente a lesões causadas por agentes estatais (BRASIL, 1988): “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”. 

Assim, não restam dúvidas, pela leitura do dispositivo que o legislador originário fez opção pela responsabilidade objetiva do Estado – sem necessidade de demonstração de culpa – uma vez que o texto constitucional não faz qualquer menção a isso.

Já na segunda parte do dispositivo em comento, há uma dupla garantia: “assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. 

Se o direito de regresso é assegurado literalmente em favor do Estado, também fica implicitamente garantido ao agente estatal a possibilidade de ser processado apenas pelo Estado, uma vez que a responsabilidade de indenização do administrado cabe ao próprio Estado. Tal interpretação fica clara pelo julgado do STF (RE 327.904, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 08/09/06):

"O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular."

 

Assim, ficam consagradas duas espécies distintas de responsabilidade, a responsabilidade objetiva – sem necessidade de averiguação de culpa – do Estado perante o administrado e também a responsabilidade subjetiva – com necessidade de averiguação de culpa – do agente estatal perante o Estado.

 

3.2.1 -  Responsabilidade subjetiva do agente

 

Essa distinção da relação do Estado com seus agentes é fundamental para se entender a responsabilidade subjetiva do agente. Consoante supramencionado, a responsabilidade objetiva do Estado baseia-se no princípio da isonomia. Uma vez que toda a coletividade tira proveito dos serviços prestados pelo Estado, não seria justo que apenas parte dessa coletividade ou atém mesmo um único indivíduo suportem os danos – ônus – oriundos da prestação desses serviços.

Por outro lado, a responsabilidade subjetiva do agente baseia-se na culpabilidade, ou seja, no caráter subjetivo da conduta. Destarte, para que possa o agente ser responsabilizado por sua conduta, deve restar comprovado que este agiu com negligência, imprudência ou imperícia.

Tal distinção de responsabilidades nada mais é do que a conseqüência lógica do ordenamento constitucional. Conforme mencionado no início deste capítulo, o Estado, por toda sua singularidade como ente jurídico, deve suportar os danos advindos de suas atividades, de modo que sua relação com os administrados se torne isonômica. Já a relação do Estado com seu agente, possui um caráter interno, de forma que não se esgota no simples cunho patrimonial. Nesta relação também deve ser observado o cunho educacional, motivo pelo qual a responsabilidade do agente é subjetiva, devendo-se sempre averiguar a existência de culpa.

 

3.2.2 -  Ação de regresso

 

A ação de regresso do Estado contra seu agente reveste-se de garantia constitucional, conforme se extrai da segunda parte do §6º do artigo 37, da Constituição Federal (BRASIL, 1988): “assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. O dispositivo em comento não visa garantir tão somente o Estado, mas também o agente estatal.

Para o Estado, o direito à ação de regresso possui o cunho de proteção patrimonial, uma vez que nos casos cabíveis pode-se buscar no patrimônio do agente a reposição das perdas ocasionadas pela indenização paga ao administrado em virtude da responsabilidade do Estado.

Ainda em relação ao Estado, o direito à ação de regresso possui um cunho educativo. Uma vez que, só tem direito a tal ação nas situações em que seu agente atua com dolo ou culpa, ou seja, com negligência, imprudência ou imperícia, a ação de regresso é uma forma que o Estado possui, em tese, para educar seu agente de forma a não mais cometer tais erros.

Para o agente, o direito estatal à ação de regresso lhe garante a possibilidade de ser processado somente pelo próprio Estado. Muito embora não exista nenhuma norma constitucional vedando ao administrado a possibilidade de processar diretamente o agente estatal, as garantias patrimoniais do Estado no caso de sentença favorável superam largamente as garantias da esmagadora maioria dos agentes estatais.

Não obstante todos estes aspectos, raramente o Estado efetivamente exercita seu direito de regresso contra seus próprios agentes, desta forma, o importante e relevante instituto da ação de regresso, seja por desvios de conduta, seja por questões de lógica processual, acaba por cair em desuso, prejudicando não apenas o Estado como pessoa jurídica, mas a qualidade da prestação do serviço público de forma geral.

 

4 - ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E SUAS DIFERENÇAS COM A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL NO DIREITO PRIVADO

 

A necessidade da imposição do Estado sobre a sociedade é inerente à complexidade das relações sociais, consoante a esse fato, o Estado toma para si diversas obrigações, como o fornecimento de serviços públicos essenciais à manutenção do interesse público.

Essas obrigações e deveres geram para o ente estatal uma responsabilidade perante a população, que é a maior interessada e afetada pela a ação do mesmo. No entanto, não somente a ação gera responsabilidade, mas também a omissão, in casu, a omissão pode ser considerada uma falta mais grave, visto que o Estado tem dever de agir.

Como os indivíduos são obrigados a aceitar a presença estatal, caracterizada pelo seu amplo poder, a proteção diferenciada concedida ao público é providencial, pois este se encontra em uma relação de hipossuficiência perante o Estado.

Deste modo, conforme o escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello (2014, p. 983), a responsabilidade do Estado é considerada extracontratual, e por esse motivo “a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem, que lhe sejam imputáveis, em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”.

Diferentemente do que ocorre com a responsabilidade civil por culpa ou subjetiva, que aponta como elemento essencial a existência de culpa ou dolo do agente, bem como a ocorrência de um ato ilícito, a responsabilidade objetiva do Estado, segundo visto anteriormente, não leva em consideração o componente subjetivo, qual seja, o dolo ou a culpa, nem mesmo necessita que o ato seja ilícito, muitas vezes o fato gerador do dano é lícito.

Sendo assim, à vista do que já foi explanado, a responsabilidade civil do Estado está inserida na teoria da responsabilidade civil objetiva, e possui por elementos: a conduta estatal, o dano, e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, não há necessidade de comprovação de dolo ou culpa. O fundamento da responsabilidade civil do Estado está no princípio da legalidade, que faz parte do regime jurídico administrativo, prelecionando: o Estado deve agir de acordo com a lei, só age positivamente ou negativamente se a lei permitir.

Por outro lado, as relações permeadas pelo Direito Privado se baseiam na premissa de que “tudo que não for proibido por lei é permitido”. De acordo com os ensinamentos de Elpídio Donizetti e Felipe Quintella (2014, p.398), a responsabilidade civil no Direito privado é assim discriminada:

A configuração da responsabilidade civil subjetiva- e a consequente obrigação de indenizar-depende, pois, de que o sujeito pratique um ato contrário a direito, com dolo ou com culpa; que esse ato cause um dano a uma terceira pessoa, seja ele material ou moral. Deve, ainda, haver uma relação de causalidade, ou seja, o ato contrário ao direito deve necessariamente ser a causa do dano. A essa relação a doutrina denomina de nexo de causalidade. Eis, portanto, os três requisitos configuradores da responsabilidade civil por culpa (subjetiva); o ato contrário a direito- o dano- o nexo de causalidade.

 

Como já foi analisado, na responsabilidade objetiva do Estado, o ato lícito pode gerar dano ao cidadão, como o caso em que a construção de uma escola pública deteriore a propriedade de certo indivíduo. No caso em tela, em virtude do princípio da isonomia, apesar da obra ser essencial para atingir o interesse público, o bem de todos, o direito material ou moral de alguém foi sacrificado para isso, desse modo, é obrigação do Estado a indenização, para se manter o equilíbrio de direitos entre os indivíduos.

Os elementos definidores da responsabilidade civil estatal são tratados por Celso Antônio Bandeira de Mello como questões capitais, são eles: os sujeitos, os caracteres da conduta, o dano indenizável e as excludentes.

Os sujeitos são as pessoas jurídicas de direito público ou privado, desde que estas estejam a serviço do poder público, assim como seus agentes, que nessa qualidade causaram prejuízos a terceiros (art. 37, §6º).

Diante desse dispositivo, pode-se extrair que as empresas permissionárias e concessionárias estão incluídas, da mesma forma que as sociedades de economia mista e as empresas públicas, desde que não explorem atividade exclusivamente econômica, como estes são casos de descentralização do serviço público a responsabilidade do Estado é subsidiária, primeiramente o cumprimento da obrigação de indenizar é da pessoa jurídica que presta os serviços, posteriormente, se esta não puder arcar com a indenização o Estado é chamado à responsabilidade.

Com relação à Administração Direta, em que se encontram os entes políticos, Estados, Municípios e União, a responsabilidade é considerada primária, é o caso de autarquias e fundações de direito público.

Assim, o dano deve ser indenizável, por esse motivo, a vítima tem a obrigação de demonstrar de forma clarividente o dano sofrido, para que não se caracterize enriquecimento ilícito, nem pagamento sem causa pelo Estado. Ensina Fernanda Marinela (2014, p.1006): “para se reconhecer a responsabilidade civil do Estado, não basta demonstrar a existência de dano econômico; para ser indenizável, esse dano deve ser também jurídico, certo, essencial e anormal, portanto não basta a existência de prejuízos financeiros.”

Entretanto, assim como ocorre com a responsabilidade civil no Direito Privado, a responsabilidade civil do Estado possui as mesmas excludentes de responsabilidade: o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior.

Assim, depreende-se que a responsabilidade civil objetiva do Estado sofre de exceções, como no caso da Administração Indireta, com relação às sociedades de economia mista e às empresas públicas que exploram atividade exclusivamente econômica, bem como nos casos de condutas omissivas estatais, assemelhando-se à responsabilidade civil do Direito Privado.

 

4.1 - Responsabilidade Por Ação Do Estado

 

O estado com fim de satisfazer um interessa público, pode causar um dano, lesando um bem jurídico de terceiro. Essa conduta lesiva, por meio de um ato comissivo, enseja a responsabilidade objetiva do Estado, a qual consiste na reparação do dano que atingiu direito tutelado pelo ordenamento jurídico.

A responsabilidade objetiva, segundo supracitado, encontra sustentação no Princípio da Igualdade, ou seja, esse preceito indica que o cidadão lesado não deve suportar sozinho o dano causado pelo estado em prol da coletividade. Nesse caso, não é necessário demonstrar o elemento subjetivo, isto é, aferir culpa ou dolo, pois tais hipóteses fogem da noção de responsabilidade objetiva, refletindo na responsabilidade subjetiva que exige sempre um comportamento ilícito.

Nesse sentido dispõe Celso Antônio Bandeira de Melo (2014, p. 1030):

É verdade que em muitos casos a conduta estatal geradora do dano não haverá sido legítima, mas, pelo contrário, ilegítima. Sem embargo, não haverá razão, ainda aqui, para variar as condições de engajamento da responsabilidade estatal. Deveras, se a conduta legítima produtora de dano enseja responsabilidade objetiva, a fortiori deverá ensejá-la a conduta ilegítima causadora de lesão jurídica. É que tanto numa como noutra hipótese o administrado não tem como evadir à ação estatal. Fica à sua mercê, sujeito a um poder que investe sobre uma situação juridicamente protegida e a agrava. Saber-se, pois, se o Estado agiu ou não culposamente (ou dolosamente) é questão irrelevante. Relevante é a perda da situação jurídica protegida. Este só fato já é bastante para postular a reparação patrimonial.

 

Assim, observa-se que, tratando-se de conduta comissiva, é necessário analisar a questão pelo polo passivo da relação, neste caso, em face do sujeito lesado em sua esfera juridicamente protegida.

Quando o Estado realiza obras de nivelamento de rua, naturalmente, algumas residências podem ficar em níveis mais elevados ou rebaixados em relação à via, o que gera uma desvalorização de imóveis. Essa desvalorização consiste em um dano gerado através de uma ação positiva do Estado. Do mesmo modo, quando procedimentos de apreensão de mercadorias são realizados fora das hipóteses legais, há lesão a terceiros ensejadora de reparação.

Ainda consistem em exemplos de condutas lesivas por ação do Estado que reclamam a responsabilidade objetiva a bala perdida de um policial, a transmissão do vírus HIV através de transfusão de sangue em hospital público e um acidente envolvendo carro oficial dirigido de modo imprudente.

Também se aplica o princípio da responsabilidade objetiva aos danos causados por situações propiciadas pelo Estado. Nesse caso, o Estado não é o agente causador do dano, no entanto, este só ocorreu devido a uma situação criada por ele. Assim, assemelham-se àqueles produzidos pelo próprio Estado.

Bandeiro de Mello (2014, p. 1036) explica que:

O caso mais comum, embora não único [...], é o que deriva da guarda, pelo Estado, de pessoas ou coisas perigosas, em face do quê o Poder Público expõe terceiros a risco. Servem de exemplos o assassinato de um presidiário por outro presidiário; os danos nas vizinhanças oriundos de explosão em depósito militar em decorrência de um raio; lesões radioativas oriundas de vazamento em central nuclear cujo equipamento protetor derrocou por avalancha ou qualquer outro fenômeno da natureza etc.

 

Nesses casos, é irrelevante se a ação estatal é comissiva ou omissiva, isto é, se reclama conduta culposa ou dolosa para que o Estado responda civilmente. Consistem em atividade de risco, logo há obrigação de indenizar de acordo com o disposto no Código Civil:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de repara o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por natureza, risco para os direitos de outrem.”, ou seja, se a conduta dos agentes públicos causarem danos aos administrados, estes deverão ser amparados pelo instituto do dano material ou moral, a depender do caso concreto.

 

 

4.2 – Responsabilidade Por Omissão Do Estado

 

Ao contrário da responsabilidade objetiva, quando o Estado não é o autor do dano, mas este acontece em virtude de sua omissão, isto é, quando obrigado a evitá-lo, manteve-se inerte, é necessária a demonstração de culpa ou dolo para motivar a responsabilidade.

Assim, tal demonstração ocorre nas hipóteses em que o Estado, embora tenha o dever legal de agir, atua com negligência, imprudência ou imperícia, ou viola uma norma intencionalmente. Trata-se, portanto, de responsabilidade subjetiva.

Nesse caso, a omissão ou deficiência da atuação é causa do dano. Na primeira hipótese, admiti-se uma presunção de culpa do Poder Público, ocorrendo a inversão do ônus da prova, em que compete a ele provar que não houve omissão culposa ou dolosa.

Neste ínterim, a doutrina de Bandeira de Melo (2014, p. 1034) ensina que:

Com efeito, nos casos de “falta de serviço” é de admitir-se uma presunção de culpa do Poder Público, sem o quê o administrado ficaria em posição extremante frágil ou até mesmo desprotegida ante a dificuldade ou até mesmo impossibilidade de demonstrar que o serviço não se desempenhou como deveria. O administrado não pode conhecer toda a intimidade do aparelho estatal, seus recursos, suas ordens internas de serviço, os meios financeiros e técnicos de que dispõe ou necessita dispor para estar ajustado às possibilidades econômico-administrativas do Estado. Ora, quem quer os fins não pode negar os necessários meios. Se a ordem jurídica quer a responsabilização do Estado – o que, na verdade, só ocorrerá eficientemente com o reconhecimento de uma presunção juris tantum de culpa do Poder Público, pois, como regra, seria notavelmente difícil para o lesado dispor dos meios que permitiriam colocá-lo em jogo. Razoável, portanto, que nestas hipóteses ocorra inversão do ônus da prova.

 

Há responsabilidade subjetiva quando chuvas provocam enchentes, alagando e destruindo casas em razão da ausência de limpeza de bueiros e galerias; quando uma vítima de assalto, apesar de avisar aos policiais a tempo de evitá-lo, estes não adotam nenhuma medida cautelar. Em tais situações, o dano não é obra do Estado, todavia, este não agiu para impedi-lo, apesar de juridicamente obrigado a fazê-lo, ou, se tendo agido, atuou de forma insuficiente.

Nesta baila, outras hipóteses de responsabilidade civil do Estado por omissão ocorrem quando um detento mata outro detento; em acidentes causados pelo não recapeamento de ruas, por animais soltos na estrada ou por falhas no semáforo.

Nesse contexto, observa-se que a responsabilidade subjetiva baseia-se na culpa administrativa, ocorrendo em três modalidades: quando o serviço público não funciona; quando funcionou atrasado; e, quando funciona de modo insuficiente.

Assim, observa-se que, tratando-se de conduta omissiva, é necessário analisar a questão pelo polo ativo da relação, neste caso, em face dos “caracteres da omissão estatal que indicarão se há ou não responsabilidade" (MELLO, 2014, p. 1034).

 

4.3 - Responsabilidade Civil Do Estado Por Ato Do Poder Legislativo

 

A Constituição Federal de 1988, no art. 1º, § único, estabelece que todo o poder emana do povo, podendo exercer através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. Sabe-se, porém, que o modo mais comum é tal poder seja exercido por meio dos representantes eleitos, ou seja, os legisladores.

Diante disso, em via de regra o Estado não responde por danos decorrentes da atividade legislativa, visto que a vontade emanada do parlamento representa a vontade do povo, ademais, a lei é geral não causando, geralmente, um dano específico a terceiro.

Contudo, a doutrina tem admitido três hipóteses de como causa de responsabilidade civil por ato legislativo, são eles: aprovação de lei inconstitucional; dano causado por lei de efeito concreto; omissão legislativa.

Neste contexto, a edição de uma lei inconstitucional representa a edição de ato ilícito. Nesse sentido, o STF admite a responsabilização civil do Estado, contudo é necessário que primeiramente a lei seja declarada inconstitucional, uma vez que a mesma quando publicada possue presunção de constitucionalidade.

Cabe ressaltar ainda, que não basta a mera declaração de inconstitucionalidade para obrigar a responsabilização estatal, mas é indispensável a ocorrência de dano a terceiro como resultado da criação de tal ato legislativo.

Por outro lado, na modalidade de responsabilidade civil do estado por lei de efeito concreto, verifica-se que tal ato se apresenta apenas formalmente como lei, pois na realidade prática trata-se de um ato administrativo que estabelece algum tipo de encargo para determinada pessoa, caso esse encargo cause dano específico, o estado responderá objetivamente por ele. Nesse sentido, o STF entendeu que as leis que introduziram planos econômicos, apesar de serem gerais, afetaram mais intensamente a Varig, por isso, responsabilizou a União. 

Outro exemplo comum ocorre com a criação de uma fundação por lei, prevendo a transferência de bens de uma pessoa jurídica (União) para outra (fundação) ou no caso de uma lei que cria reserva florestal, interferindo em propriedade privada.

De outro norte, a responsabilidade civil do Estado por omissão acontece na hipótese em que o Estado devendo legislar omite-se de seu dever, gerando dano ao particular.

Tal situação ocorre com certa frequência, um exemplo claro está na ação que tramita no STF em que os servidores públicos pedem que seja suprida a omissão sobre revisão de salários prevista no artigo 37, X, da Constituição Federal.

 

4.4 – Responsabilidade Civil Do Estado Por Ato Do Poder Judiciário

 

Conforme o art. 133 do Código de Processo Civil, o juiz responderá pelas perdas e danos causados, na hipótese em que estando no exercício de suas funções, age dolosamente, inclusive com fraude, assim como quando recusa, omite ou retarda, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Desse modo, a responsabilidade é individual do juiz.

Contudo, se o dano for resultado de um ato culposo, o juiz será responsabilizado caso o dano uma decisão judicial proferida em processo penal (art. 5°, LXXV, da CF "o Estado indenizará o condenado por erros judiciários, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença"), já sendo no caso de decisão judicial no âmbito do processo civil, a regra é a irresponsabilidade.

Cabe ressaltar ainda, alguns casos específicos de entendimento dos tribunais superiores, como no caso em que o STF entendeu que a Decretação de prisão cautelar, que se reconheceu indevida, contra pessoa que não participou de forma alguma nem teve envolvimento com o fato criminoso, e que devido a tal prisão perdeu seu emprego, apresenta-se nitidamente como comportamento inadmissível do Estado. Portanto, neste caso, estariam presentes todos os elementos identificadores do dever estatal de reparar o dano.

O STJ, por sua vez, modificou o seu antigo entendimento, passando a adotar o posicionamento do STF no sentido de que não deve haver indenização por danos materiais ao candidato aprovado em concurso público cuja nomeação tardia tenha decorrido de decisão judicial.

 

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Observa-se que, no Brasil, predomina a tese da responsabilidade do Estado por atos lesivos. Tal responsabilidade, como regra, é objetiva, fundada no risco administrativo. A doutrina e jurisprudência, no entanto, admitem, em alguns casos, a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa administrativa.

O presente trabalho possibilitou entender como a responsabilidade civil evoluiu ao longo do tempo, especialmente, a partir das teorias adotadas pelo país. Embora, inicialmente, o Código Civil de 1916 tenha adotado a tese da culpa civil, em que o Estado respondia caso o dano fosse causado por dolo ou culpa de um funcionário público, o Estado passou a responder pelos danos cuja origem estivessem ligados a um serviço defeituoso, isto é, responsabilidade subjetiva, e por aqueles praticados por conduta comissiva ou por atividade de risco, ensejando a responsabilidade objetiva.

Convém, pois que, consoante se percebe, que a responsabilidade por atos judiciais e jurisdicionais, no Brasil, se trata de uma exceção. Em regra, o Estado não responde pela edição de leis e pela expedição de decisões que prejudiquem alguém. Isto não significa, entretanto, ausência total de responsabilidade patrimonial. O estudo em referência propiciou a análise dessas hipóteses excepcionais, bem como em que situações a responsabilidade civil é excluída.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Código de Direito Civil disponível em: Vade Mecum Compacto / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Livia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha. – 17. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017;

 

Constituição Federal disponível em: Vade Mecum Compacto / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Livia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha. – 17. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017;

 

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed., São Paulo, Malheiros, 1999.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 31ª ed. ver., atual. Até a Emenda Constitucional 76, de 28.11.2013., São Paulo: Malheiros, 2014.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 109.615. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo391.htm#Responsabilidade Civil do Estado e Ato Omissivo. Acesso: 05 de junho de 2017.

STF - RE: 327904 SP, Relator: CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 15/08/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 08-09-2006 PP-00043 EMENT VOL-02246-03 PP-00454 RNDJ v. 8, n. 86, 2007, p. 75-78). Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/759916/recurso-extraordinario-re-327904-sp. Acesso: 06 de junho de 2017.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil / Sílvio de Salvo Venosa. – 12. ed. – São Paulo: Atlas, 2012. – (Coleção Direito Civil, v. 4).

 

  • Estado. Responsabilidade civil. Evolução. Teorias.

Ana Paula Souza Caetano

Advogado - Paranaíba, MS


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