INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo o estudo do acúmulo e do desvio de função, tão presente nas relações de empregos existentes.
Os referidos institutos passarão a ser destrinchados e estudados dentro do ordenamento jurídico pátrio, levando em considerações os doutrinadores e julgados dos nossos Tribunais, já que esta matéria não possui legislação específica.
Estudaremos estes dois institutos, também, com relação aos princípios Constitucionais e do Direito do trabalho envolvidos, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana, a primazia da realidade, o princípio da isonomia salarial e o enriquecimento sem causa do empregador.
Finalizando o presente trabalho falaremos um pouco da Lei do Radialista, bem como eventual Convenção Coletiva que trate a respeito desse assunto.
1. ACÚMULO E DESVIO DE FUNÇÃO
No contrato de trabalho as funções a serem exercidas pelo empregado, bem como a respectiva contraprestação devem estar presentes, sendo requisitos essenciais à celebração deste contrato.
Há aqui, no entanto, necessidade de se diferenciar o acúmulo do desvio de função, uma vez que isso causa muita dúvida. Bem, no desvio de função o empregado é contratado para exercer um cargo “x” e na realidade realiza atividades inerentes a outro cargo, muitas vezes um cargo com maior responsabilidade e que deveria ter remuneração maior, nestes contexto abre pra o empregado o direito, se assim o desejar, de exigir o esculpido no artigo 483, “a” da Consolidação das Leis Trabalhistas, pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, “in verbis”:
“Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;”
Bem como o empregado tem direitos decorrentes dessa irregularidade, o que se pode extrair da OJ 125 – SDI:
“DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA. (alterado em 13.03.02)
O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988.”
Neste diapasão, também se expressa a 1ª Turma do TST, em sede de Recurso de Revista:
“RECURSO DE REVISTA. DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA OU PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. DESNECESSIDADE. 1. A Corte de origem adotou o entendimento de que "o instituto do desvio de função pressupõe a existência de plano de cargos e salários ou a existência de quadro de carreira válido". Consignou que, "in casu, todavia, não há notícia de que a empresa ré possuísse plano de cargos e salário, o que, pela literalidade do art. 461, § 2º, da CLT, obsta a pretensão do reclamante". Assim, manteve o indeferimento do pedido de diferenças salariais. 2. A jurisprudência dessa Corte se orienta no sentido de que a ausência de quadro de carreira ou plano de cargos e salários não impede a concessão de diferenças salariais por desvio de função. Precedentes de todas as Turmas. Recurso de revista conhecido e provido .
(TST - RR: 468006420135170121, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 17/06/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/06/2015)”
Já no caso de o empregado vir a exercer além de suas funções, para o qual foi contratado, exerce funções inerentes a outro cargo, que exija maior responsabilidade e/ou conhecimentos técnicos, este empregado fará jus a um adicional em seu salário pelo acúmulo dessas funções.
É fundamental a análise, contudo, da real situação do empregado, ou seja, nas palavras do Ministro Maurício Godinho Delgado[1], o qual fala que a simples realização de pequenas tarefas componentes de uma outra função não traduz em efetiva alteração funcional, sendo necessário uma concentração significativa do conjunto de tarefas pra a configuração da mudança funcional.
Corroborando com todo o arcabouço acima, com referência ao acúmulo de função, assim se expressa a 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:
“ACÚMULO DE FUNÇÕES. ACRÉSCIMO SALARIAL. O caráter sinalagmático e comutativo do contrato de trabalho, que impõe a observância de reciprocidade e equivalência das obrigações assumidas pelas partes, foi descaracterizado, não recebendo o empregado salário compatível com o trabalho executado, de forma a remunerar todas as atividades desenvolvidas.
(TRT-1 - RO: 00109769820135010053 RJ, Relator: CELIO JUACABA CAVALCANTE, Data de Julgamento: 24/06/2015, Décima Turma, Data de Publicação: 16/07/2015)[2]”
Portanto havendo a caracterização do acumulo de função, deve o empregador aumentar o salário de seu empregado na medida em que suas responsabilidades aumentam com as funções diversas ao contrato celebrado.
Outro ponto importante a ser citado é com relação às provas a serem produzidas na audiência de instrução e julgamento. Afinal, de quem é o ônus de provar o acumulo de função?
Para se obter essa resposta faz-se necessário a análise dos artigos 818 da CLT e 333 do CPC/15, podendo se extrair daí que o ônus de provar este acúmulo de função será do empregado que deverá provar os fatos alegados na exordial por meio de documentos e testemunhas.
Podemos citar como exemplo de acúmulo de função a Lei do Radialista (LEI Nº 6.615, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1978), que prevê percentuais a maior no salário em casa haja o acúmulo de funções, no que diz respeito à profissão de radialista, esta lei será melhor detalhada no decorrer deste trabalho.
Importante lembrar que o desvio de função e o acúmulo de função não estão previstos no ordenamento jurídico pátrio, porém com a aplicação do direito comparado, conforme previsão legal disposta no artigo 8º da CLT, há se admitido o adicional de acúmulo de função, bem como os adicionais no salário referente ao desvio de função. Para melhor entendermos essa dinâmica, vamos agora estudar o Código de Trabalho Português.
1.1. DIREITO COMPARADO
No ordenamento jurídico brasileiro é defeso ao juiz eximir-se de analisar um caso alegando pura e simplesmente lacuna e obscuridade do ordenamento jurídico, conforme previsto no artigo 140 do Novo Código de Processo Civil (LEI 10.105/2015).
Para resolver esta problemática, de lacuna ou obscuridade, usa-se o juiz do trabalho de dispositivos legais como os artigos 15 e 140 do CPC/2015 e artigo 8ª da CLT. Uma opção para solução dessa lacuna seria a utilização do direito comparado, mas precisamente o Direito do Trabalho Português que tem compatibilidade com nosso processo.
No Código do Trabalho Português[3], Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho, essa matéria encontra-se disciplinada nos artigos 118 a 120, os quais falam sobre funções desempenhadas pelos obreiros, bem como a previsão legal para o rebaixamento de função e a mobilidade funcional. Porém tais dispositivos não impedem que o empregador atribua outras atividades para seus empregados, desde que compreendam funções que lhes sejam afins ou funcionalmente ligadas.
Não obstante a isso o artigo 267 em seu item 1, do mesmo diploma legal, prevê o seguinte:
“Artigo 267.º
Retribuição por exercício de funções afins
ou funcionalmente ligadas
1 - O trabalhador que exerça funções a que se refere o n.º 2 do artigo 118.º, ainda que a título acessório, tem direito à retribuição mais elevada que lhes corresponda, enquanto tal exercício se mantiver. “
Depreende-se daí, portanto, que poderá haver esse adicional de tarefas ao trabalhador, porém em contrapartida o obreiro fará jus ao direito de um adicional em seu salário.
Já no ordenamento jurídico pátrio o parágrafo único do artigo 456 da CLT que preconiza que inexistindo cláusula expressa entende-se que o empregado se sujeitou a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal, ferindo, portanto, vários princípios.
1.2. DO INSTITUTO DA LESÃO
No nosso ordenamento jurídico, na maioria dos casos de acúmulo e desvio de função, há a improcedência do pedido baseando a decisão no fundamento jurídico do já mencionado parágrafo único do artigo 456 da CLT com base no Código Civil de 1996. E também sob a alegação de que se não existe quadro de carreira na empresa, indevido é o adicional no salário.
O Instituto da Lesão é previsto em nosso ordenamento jurídico no artigo 157 do Código Civil de 2002, e tal regra insculpida no artigo 456 da CLT deveria ser interpretada com base neste dispositivo legal:
“Artigo 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”
De certo, tal dispositivo encontra-se no Código Civil, contudo, o direito não deve ser interpretado de maneira isolada e sim de maneira integrada. O artigo acima mencionado trata dos contratos da área do Direito Civil, mas não obstante a isso na relação de emprego os indivíduos também realizam um contrato havendo, portanto, lesão conforme previsão legal. Bem como qualquer alteração sofrida no contrato de trabalho que venha a causar prejuízos ao obreiro é ilícita, nos termos do artigo 468 da CLT.
1.3. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO
Um dos principais princípios violados no acúmulo e desvio de função é o da Dignidade da Pessoa Humana, expressamente previsto na Constituição Pátria de 1988 em seu artigo 1º, III[4]:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana;
(...).”
Ora, o trabalho está diretamente ligado à uma vida digna, pois é por meio dele que cada pessoa adquire o seu sustento e de sua família, motivo pelo qual em muitas das vezes o obreiro se submete a condições precárias de emprego, bem como se submetem à cláusulas contratuais muitas vezes abusivas, o que gera a lesão já mencionado no presente trabalho. José Cairo Junior, Juiz do Trabalho da 5º Região, fala o que se segue em seu livro Curso de direito do trabalho, a respeito da dignidade da pessoa humana[5]:
“O princípio da dignidade da pessoa humana é de vital importância para a manutenção da Justiça Social e para equilibrar os desajustes existentes na relação entre capital e trabalho. Representa a conquista dos povos no sentido de conferir um conteúdo permanente ao Direito e descartar a possibilidade de considerá-lo, apenas, em seu aspecto formal.”
Outro princípio envolvido nos casos de acúmulo e desvio de função é o Princípio da primazia da realidade, que consiste na prevalência da realidade dos fatos em detrimento do que foi ajustado entre as partes.
Entre outros princípios encontram-se o Princípio da isonomia salarial, que consiste em salários idênticos para categoria de função idênticas, ressalvados as empresas que possuem plano de carreira em decorrência da antiguidade e merecimento. E o Princípio do enriquecimento sem causa, insculpido no artigo 884 do Código Civil, que é o principal fundamento para o deferimento do acúmulo e do desvio de função.
1.4. A LEI DO RADIALISTA E CONVENÇÕES COLETIVAS
São poucos os diplomas legais que preveem o adicional no salário pelo devido em decorrência do acúmulo de função. Um deles é a Lei do Radialista (LEI nº 6.615/1978)[6], a qual passará a ser estudada adiante.
A referida lei em seu artigo 4º prevê as funções que poderão ser exercidas pelo profissional radialista, quais sejam: Administração, produção e técnica, bem como o desdobramento de cada função.
A lei em questão institui mais a frente adicionais identificados por percentuais em caso de haver o acúmulo das três funções acima mencionadas, como se segue:
“Art 13 - Na hipótese de exercício de funções acumuladas dentro de um mesmo setor em que se desdobram as atividades mencionadas no art. 4º, será assegurado ao Radialista um adicional mínimo de:
I - 40% (quarenta por cento), pela função acumulada, tomando-se por base a função melhor remunerada, nas emissoras de potência igual ou superior a 10 (dez) quilowatts e, nas empresas equiparadas segundo o parágrafo único do art. 3º;
II - 20% (vinte por cento), pela função acumulada, tomando-se por base a função melhor remunerada, nas emissoras de potência inferior a 10 (dez) quilowatts e, superior a 1 (um) quilowatt;
III - 10% (dez por cento), pela função acumulada, tomando-se por base a função melhor remunerada, nas emissoras de potência igual ou inferior a 1 (um) quilowatt.”
Outros diplomas legais também prevê este tipo de situação como no casos dos Aeroviários (Decreto 1.232/1962) e Aeronautas (Lei 7.183/1984). Bem como em convenções coletivas, o que se pode ver no caso do Sindicato dos Empregados em Edifícios e Condomínios Residenciais, Comerciais e Misto de São Paulo (SINDEDIF).
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil ainda não previsão legal para o acúmulo e o desvio de função, como vimos no Direito Português, sendo que os atuais entendimentos a esse respeito é trabalho dos doutrinadores e da jurisprudência.
Podemos depreender do presente trabalho, que em havendo o acúmulo e o desvio funcional deverá haver o “plus” salarial, Interpretando o artigo 456 da CLT conforme o instituto da lesão, previsto no artigo 157 do Código Civil de 2002.
Como visto, existe farta jurisprudência a favor e contra o acúmulo e o desvio, cada qual com seus fundamentos jurídicos apontados. Fazendo uma singela análise, e ficando caracterizado o acúmulo ou o desvio de função este caso deveria ser analisado, sem sombras de dúvidas, levando em conta o instituto da lesão já que o trabalhador é parte hipossuficiente da relação contratual existente entre empregado e empregador.
[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: Ltr, 2016. 1138 p.
[2] http://trt-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/209972641/recurso-ordinario-ro-109769820135010053-rj#!
[3] < http://www.cite.gov.pt/pt/legis/CodTrab_LR1_006.html > Acesso em : 03-10-2016
[4] < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm > Acesso em : 03-10-2016
[5] CAIRO Jr., José. Curso de direito do trabalho. ed. 11º. Salvador: Editora JusPodivm, 2016. P 108.
[6] < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6615.htm > Acesso em 01-10-2016.