O direito de violar a lei e a força normativa dos princípios da Administração Pública


14/01/2017 às 15h57
Por Bernardes Pereira - Consultoria, Assessoria e Educação Jurídica

Tanto na atualidade quanto nos tempos passados não são raros os incidentes relativos à corrupção no âmbito da Administração Pública, fato que remete ao entendimento que a improbidade administrativa é um fenômeno que acompanha o homem em sua trajetória no tempo.

Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público têm como disciplina a Lei n. 8.429, de 02 de junho de 1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa. Esse Diploma da correção à Constituição da República (artigo 37, parágrafos 4º e 15, V).

No Brasil, o surgimento da corrupção remonta à época da colonização. Os quadros públicos eram ocupados sem quaisquer critérios por pessoas despreparadas e seus atos não ficavam sujeitos a nenhum tipo de controle, favorecendo a pratica de condutas ímprobas.

O problema da corrupção pode ser constatado na insensatez da atuação, na desonestidade ou deslealdade para com a Administração, afastando do dever indeclinável de agir segundo os preceitos do Direito e da moral administrativa. Tais preceitos expressam a vontade do titular dos interesses administrativos - o povo – e condicionam a serem praticados ao alcance do bem comum da coletividade e da defesa dos interesses públicos.

Em um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, o poder emana do povo, seu único e legitimo titular, constituindo dever deste controlá-lo de forma a evitar que a corrupção se generalize.

A Lei n. 8429/92 tornou-se instrumento legal, promissor no sentido de reprimir atos de improbidade por meio de sanções penais disciplinares e civis, abarcando condutas que implicam em enriquecimento ilícito, dano ao erário e afronta aos princípios da República.

Os delitos de improbidade administrativa, plasmados no instituto jurídico abordado dirigem-se a todos que exerçam potestade pública, desde o Presidente da Republica, até o mais singelo agente público, abrangendo também aqueles que exercem funções eletivas, ocupam cargos de confiança e militares, em todos os Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, nas várias esferas de governo: União, Estados, Municípios e Distrito Federal; atingindo, ainda, as entidades descentralizadas: autarquias, sociedade de economia mista e empresas públicas.

Apesar da legislação vigente não ser isoladamente capaz de instaurar as salutares práticas de moralidade pública, não há dúvida que a mesma pode constituir, no mínimo, em um mecanismo que aliado a outros fatores, exerça grande papel no processo moralizador, no que concerne à responsabilização do agente público.

Sendo a violação a princípios da Administração Pública ato de improbidade, faz-se necessária análise sucinta daqueles expressos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, não obstante o extenso rol de princípios, expressos e implícitos, que norteiam a atividade do agente público.

O direito hodierno, ao lado do princípio da legalidade, impõe ao administrador que paute a sua conduta pela estrita obediência a outros princípios, tais como o da publicidade e eficiência, da impessoalidade e da moralidade.

É de se ver que tais princípios não estão normatizados sob qualquer forma hierárquica, estando em igualdade de condições dispostos no sistema, formando uma unidade indissolúvel, cuja inobservância integral, torna o ato resultante eivado de nulidade.

Considerando o tema proposto, merece maior realce os princípios da legalidade, moralidade e eficiência. Entretanto, em caráter meramente enunciativo, serão feitas breves considerações a respeito dos demais princípios elencados no artigo 37 da Constituição Federal.

O objetivo deste trabalho é discorrer acerca do direito de violar a lei e a força normativa dos princípios da Administração Pública.

A metodologia usada baseou-se em pesquisa bibliográfica, teórica, com levantamento documental, tendo sido iniciada, por intermédio de análise de doutrinas e jurisprudências.

DOS PRINCÍPIOS BASILARES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O texto contido no artigo 37, caput, da Constituição da República de 1988 (CF), assim dispõe: “A administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”

Evidente, a força normativa dos princípios, reconhecida na melhor doutrina e expressamente no texto da Carta da Republica de 1988, cuja obediência trata-se de imposição legal e imposição de Lei por excelência, a Carta Maga, não poderá ser relegada no momento de praticar um ato administrativo ou de produção de uma lei, como se verificará mais adiante.

Antes de abordar especificamente o tema deste trabalho, importante se faz analisar os pensamentos dos grandes juristas para a compreensão de cada princípio que sustentam a Administração Pública.

DA RESISTÊNCIA

O texto contido no artigo 37, caput, da Constituição da República de 1988 (CF), assim dispõe: “A administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”

Evidente, a força normativa dos princípios, reconhecida na melhor doutrina e expressamente no texto da Carta da Republica de 1988, cuja obediência trata-se de imposição legal e imposição de Lei por excelência, a Carta Maga, não poderá ser relegada no momento de praticar um ato administrativo ou de produção de uma lei.

FINALIDADES DOS PRINCÍPIOS

Diante do que foi apresentado, assegura-se que há alguns princípios que são considerados essenciais para sustentação do direito de violar a lei ou um ato administrativo, as normas primárias ou superiores, hegemônicas em relação às demais normas jurídicas constitucionais e infraconstitucionais.

Em nome dos princípios é que cabe a violação da lei ou de um ato administrativo, pois são superiores às regras escritas e obrigam com mais intensidade do que as normas explícitas.

Outra vez, acompanhando Pazzaglini Filho[1], os princípios expressam valores transcendentais da sociedade e o conteúdo essencial da Carta Magna:

Os princípios constitucionais são normas primárias ou superiores, hegemônicas em relação às demais normas jurídicas constitucionais e infraconstitucionais que, de um lado, expressam os valores transcendentais da sociedade e o conteúdo essencial da Carta Magna e, de outro, direcionam a formação, o significado, a aplicação e a exegese das demais regras do ordenamento jurídico.

Para Justen Filho[2], não se questiona mais a natureza normativa dos princípios, os quais deixaram de ser considerados como propostas irrelevantes e destituído de cunho vinculante:

Tornou-se inquestionável sua natureza normativa e os princípios deixaram de ser considerados como propostas irrelevantes, destituídos de cunho vinculante. Os princípios obrigam, talvez em termos mais intensos do que a regra. Já se disse que infringir um princípio é mais grave do que descumprir uma regra. Isso deriva de que o princípio é uma síntese axiológica: os valores fundamentais são consagrados por meio de princípios, que refletem as decisões fundamentais da Nação. A regra traduz uma solução concreta e definitiva, refletindo escolhas instrumentais. Já os princípios, uma escolha axiológica, que pode concretizar-se em diversas alternativas concretas.

Para José dos Santos Carvalho Filho[3] os princípios administrativos são postulados fundamentais no modo de agir da Administração Pública:

Princípios administrativos são os postulados fundamentais que inspiram o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividade administrativa. Bem observa Cretella Júnior que não se pode encontrar qualquer instituto do Direito Administrativo que não seja informado pelos respectivos princípios (Grifo do autor).

Exercer o direito de violar a lei ou um ato administrativo é não olvidar da força superior normativa dos princípios, premissas imediatamente evidentes que se admitem universalmente verdadeiras, sem exigência de demonstração.

Carmen Lúcia Antunes Rocha é definitiva e vê nos princípios a fecundidade da Constituição e que, através deles, ela se atualiza permanentemente, adequando-se ao sentido do justo que o povo escolhe em cada momento histórico:

A ordem constitucional forma-se, informa-se e conforma-se pelos princípios adotados. São eles que a mantém em sua dimensão sistêmica, dando-lhe fecundidade e permitindo sua atualização permanente. É na recriação de seu texto que se permite à Constituição renascer, adequando-se ao sentido do justo que o povo escolhe em cada momento histórico, legitimando-se pelo movimento incessante, mas sem conduzir à perda da natureza harmoniosa que prescinde o sistema e que fica assegurada a legitimidade que a observância do princípio possibilita.

Pela natureza axiológica do princípio, pela sua condição transcendental de expressão de valores da sociedade, no direito, ele não precisa estar expresso, bastando sua identificação e seu conteúdo de essencialidade na formação e no significado da norma.

Encontra-se nos princípios basilares da Administração pública, no destino e fundamentos do Estado Democrático de Direito, bem como nos objetivos fundamentais da República, o direito de violar a lei portadora de injustiça e o ato administrativo divorciado da moral e da legalidade.

Esse direito de violação da lei ou do ato administrativo é exercido no uso da resistência pacífica, sem significar essa palavra “pacífica” nenhum ato de covardia ou de irresponsabilidade. Assim, impossível deixar de tratar sobre o exercício dessa resistência responsável e seu significado, sem abordar as consequências, sem imiscuir com o incentivo à desordem jurídica.

CONCLUSÃO

O direito de violar a lei ou um ato administrativo, ou mesmo a omissão do Poder Público, deve ser exercido através do direito de resistência, com base nos princípios basilares da Administração Pública, nos objetivos e fundamentos do Estado Democrático de Direitos, trazendo uma responsabilidade velada e consciente dos direitos e garantias fundamentais. Quanto maior for a opressão e a tentativa de derrocada dos objetivos do Estado Democrático, tendo, evidente, como fonte do poder o povo, maior será a resistência a ser exercida.

O direito de resistir para violar a lei e um ato administrativo injustos deve ser exercido em nome do exercício dos direitos sociais e individuais, em nome da liberdade, da segurança, do bem estar, do desenvolvimento, da igualdade e da justiça como valores supremos da sociedade justa, livre e solidária preconizada pela Constituição da República, em seu preâmbulo, como destino do Estado Democrático de Direito.

O direito de resistir será responsável, pacífico até onde houver possibilidade, mas também exercido em nome da soberania popular, da cidadania, da dignidade da pessoa humana que repousa sobre os direitos fundamentais, dos valores sociais do trabalho e do pluralismo político, como fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme estabelece a Constituição da República, artigo 1º.

O direito de resistir implica na busca da sociedade livre, justa e solidária, na busca da erradicação da pobreza e da marginalização, com redução das desigualdades sociais, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Se a lei ou o ato administrativo é ilegítimo, ao ponto, de transformar o ser humano, a quem é dirigido, em agente de injustiça, é a lei ou o ato que deve afastar para avançar o direito à dignidade da pessoa humana, com aplicação dos princípios norteadores da Administração Pública, supremacia da Constituição, os objetivos e fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Mas, quando é a própria Lei Maior inadequada aos padrões e princípios que o povo, fonte de poder no Estado Democrático, estabeleceu como axiomas, então é a Lei das Leis que deve ser objeto de resistência, para quebrar a ordem vigente e estabelecer uma nova ordem, direito que decorre do Poder Constituinte Originário.

Defende-se a violação da lei ou do ato administrativo com responsabilidade e consciência, mas não há consciência sem direito à informação, sem liberdade de manifestação do pensamento, sem cultura e sem uma imprensa livre.

Evidente, que o direito de violação da lei ou de um ato administrativo nascerá de acordo com longos períodos de movimento dos níveis culturais das populações e está estritamente ligado à educação, informação e nível cultural da sociedade.

Há diferentes tipos de resistência como meio de violar a lei e o ato administrativo injustos, mas todas num mesmo sentido: da justiça, da defesa dos direitos fundamentais, da dignidade, de uma vida melhor para todos.

O Direito de violar a lei ou o ato administrativo não poderá ser exercido com desejo e medo alimentados pela ignorância, pois o que aumenta o medo e o deseja é a ignorância. A desobediência é “uma forma particular de resistência ativa ou passiva do cidadão, à lei ou ato de autoridade, objetivando a proteção das prerrogativas da cidadania”, que também vê nessa forma de resistência um direito público subjetivo que consiste em medidas ou técnicas de proteção das prerrogativas da cidadania.

Se um Estado for governado pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria serão objeto de vergonha, assim, o próprio Estado Democrático de Direito quando desviado dos princípios inspiradores de seus objetivos e de sua própria existência deve ser resistido.

Com todos os argumentos expostos, seguramente, pode-se concluir que consagra, assim, a Constituição em favor do homem, um direito de resistência.

  • Desobediência Civil
  • Violação de lei
  • Estado Democrático
  • Direitos Humanos

Referências

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Ângela Soares de. Evolução do direito de resistência na ordem constitucional. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 31 mar. 2006. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1012. Acesso em 18 jun. 2006.

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______. Lei 8.429. 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Planalto. Disponível em: www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8429.htm - 33k. Acesso em 23 nov. 2006.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 3. Ed. Rev. Amp. E atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

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CSETTKEY, Marcelo. Em nome de quem. Rio de Janeiro: Oficina Cadernos de Poesia, 1998.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

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FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. O controle da moralidade administrativa. São Paulo, 1974.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4. Ed. Rev. E ampl. São Paulo: Saraiva, 1995.

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VIEIRA, Evaldo. O que é desobediência civil. São Paulo: Abril cultura/ Brasiliense. 1994.


Bernardes Pereira - Consultoria, Assessoria e Educação Jurídica

Bacharel em Direito - Poços de Caldas, MG


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