Em novembro de 2016, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, comemorou a marca de 1,8 bilhão de usuários em atividade na rede social mais famosa do planeta, ou seja, aproximadamente ¼ da população mundial utiliza regularmente o Facebook. No Brasil, os números são igualmente impressionantes, sendo que em abril de 2016 a rede social já registrava 102 milhões de brasileiros mensalmente ativos, o que representa mais de 50% da população do país.
O Facebook disponibiliza diversas ferramentas em seu ambiente, sendo possível a criação de páginas pessoais e profissionais, divulgação de marketing, vídeos ao vivo, criação de grupos temáticos e também a comunicação entre os usuários em tempo real, através do Facebook Messenger.
Diretamente proporcional ao aumento de usuários do Facebook é o crescimento de infrações penais ocorridas neste ambiente. É cada vez mais corriqueira a prática de crimes contra a honra, ameaças, pornografia infantil, estelionato, falsidades em geral, entre outros. Até mesmo o tráfico de drogas tem se aproveitado do alcance desta rede social, conforme podemos verificar nos autos do Habeas Corpus 273884-SP, onde o Superior Tribunal de Justiça negou a liberdade provisória a um acusado de tráfico. É de se notar da ementa do acórdão que o Paciente utilizava o Facebook para o comércio de drogas. Vejamos:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRESENTE WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. MERCANCIA DE ENTORPECENTES REALIZADA POR MEIO DA REDE SOCIAL DENOMINADA FACEBOOK. ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. NÃO CONHECIMENTO.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário.
2. Hipótese em que não há flagrante ilegalidade a ser reconhecida. Na espécie, a custódia cautelar foi mantida para o resguardo da ordem pública, em razão da periculosidade concreta do paciente, acusado de integrar organização criminosa voltada para o tráfico de diversas espécies de entorpecentes realizado em festas e por meio da rede social designada "Facebook".
3. Habeas corpus não conhecido.
(STJ - HC: 273884 SP 2013/0231179-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 26/11/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/12/2013)
Examinando mais detidamente os autos, verifica-se que houve a prisão em flagrante do Paciente em razão da posse de drogas. No momento de sua prisão, o Paciente portava um notebook, que foi apreendido pela Autoridade Policial. Após obter autorização judicial para acesso ao conteúdo do dispositivo, os investigadores identificaram que o Paciente fazia parte de uma quadrilha, a qual se valia frequentemente do Facebook para entrar em contato com usuários de droga e vender-lhes a substância ilícita.
O comércio de drogas e armas acontece na Internet e é de conhecimento das autoridades, porém, se restringiam a Dark Web (“Internet Obscura”), a qual somente pode ser acessada com configurações e softwares especiais. Este setor da Internet, por ser anônimo e com uma criptografia que dificulta o rastreio dos usuários, é bastante utilizada por criminosos para o comércio de drogas, armas, compartilhamento de pornografia infantil e pirataria de softwares e mídias; há sites, na Dark Web, que disponibilizam a contratação de assassinos de aluguel, para se ter uma ideia do conteúdo disponível neste porão da rede mundial de computadores. Contudo, no caso mencionado acima, os Pacientes estavam usando a Internet tradicional para a venda de drogas, valendo-se da rede social com o maior número de adeptos do mundo.
Outro delito comum na Internet – e não menos grave –, que também passou a ocorrer no Facebook, é a pornografia infantil, tipificado no art. 241-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Trazemos à baila um caso ocorrido no Estado de Minas Gerais, onde o infrator publicou em seu perfil pessoal no Facebook fotos nuas de uma adolescente, após tê-las recebido em um grupo de Whatsapp. Outro resultado não seria possível, senão o da condenação criminal deste infrator, por clara ofensa aos direitos da adolescente. Vejamos a ementa:
PENAL ESPECIAL - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - DIVULGAÇÃO DE PORNOGRAFIA NA INTERNET - PUBLICAÇÃO DE FOTOS NO FACEBOOK - MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - SUFICIÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA - SENTENÇA MANTIDA.
Comete o crime previsto no art. 241-A do ECA aquele que pública, ou no mínimo, divulga, via compartilhamento, na sua página pessoal do Fabebook, fotos de uma adolescente de quatorze anos nua.
(TJ-MG - APR: 10447140004139001 MG, Relator: Júlio Cezar Guttierrez, Data de Julgamento: 26/08/2015, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 01/09/2015)
Neste caso, aparentemente, foi a própria menor que tirou as fotos e postou em um grupo privado do Whatsapp. Contudo, a conduta do réu – dar publicidade as fotos no Facebook –, feriu a proteção legal que o Estatuto procura dar aos menores de 18 anos, proibindo a sua exposição vexatória, principalmente quando envolve nudez ou cenas sexuais. A redação do dispositivo não deixa dúvidas:
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Obviamente, toda a agressão a crianças e adolescentes deve ser combatida na forma da lei. Se um adulto toma conhecimento de imagens envolvendo menores, é seu dever comunicar as autoridades competentes, e não dar ainda mais publicidade a elas, através de novos compartilhamentos. A rede social, igualmente, deve fazer uma fiscalização constante dos conteúdos postados, notadamente quando há denúncias contra os mesmos e, assim que identificá-los, deve removê-los, sob pena de transformar-se em responsável solidária pelo ilícito, ante sua negligência.
Os delitos praticados no âmbito do Facebook também alcançaram a seara eleitoral, principalmente após a polarização das últimas eleições e o consequente acirramento de ânimos, o que ocasionou diversas denúncias de crimes contra a honra. Em Umuarama, Paraná, um candidato imputou falsamente ao seu oponente práticas ímprobas. O ofendido levou o caso ao conhecimento da Justiça Eleitoral e o ofensor foi condenado a 4 meses e 20 dias de detenção, além de 7 dias-multa, sendo a pena privativa de liberdade substituída por uma restritiva de direitos, consistente no pagamento de 10 salários mínimos à vítima, pela Difamação Eleitoral (art. 325, do Código Eleitoral), e a 40 dias-multa, por Injúria Eleitoral (art. 326, do Código Eleitoral). A sentença foi mantida em grau de apelação, sob a seguinte ementa:
EMENTA - ELEIÇÕES 2012. RECURSO CRIMINAL. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. VIA DE DIVULGAÇÃO: FACEBOOK. CARACTERIZAÇÃO. TIPO PENAL CONSUMADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Ofensas proferidas em pleno período de campanha e por intermédio de redes sociais assumem conotação de delitos eleitorais, vez que praticadas em sede de propaganda eleitoral, o que atrai a competência da Justiça Especializada.
2. A restrição do Facebook é relativa, pois existem maneiras de se configurar um perfil nele inserido como público, vale dizer, de modo que qualquer usuário da rede social possa ter acesso às informações. Logo, configura-se um meio de comunicação de massa.
(TRE-PR - PROC: 9077 PR, Relator: JOSAFÁ ANTONIO LEMES, Data de Julgamento: 06/02/2014, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 11/02/2014)
Além de ofensas oriundas da exaltação eleitoral, infelizmente, são bastante frequentes nas redes sociais os crimes de ódio. Os criminosos atacam seus alvos em razão da cor da pele, da etnia, da religião ou mesmo da opção sexual. Até pessoas famosas são alvos de insultos injuriosos, conforme aconteceu recentemente com a apresentadora Maria Júlia Coutinho (Maju), do Jornal Nacional, e com as atrizes Taís Araújo e Sheron Menezes. No caso da apresentadora Maju, as investigações identificaram um grupo com aproximadamente 20 mil membros, os quais se autodenominavam “soldados” e que, além de proferir insultos, derrubavam páginas da Internet que consideravam inimigas, utilizando ardis ilícitos[1].
Os crimes de falsidade e contra o patrimônio também acompanharam a evolução digital e chegaram as redes sociais. Algumas condutas no Facebook podem configurar falsidade ideológica, estelionato e extorsão. No Brasil não há legislação específica para o tema, como ocorre na Califórnia, EUA, por exemplo, onde a criação de perfis falsos é multada em até mil dólares. O legislador pátrio, recentemente, atualizou o capítulo do Código Penal referente aos crimes de falsidade, contudo, o fez apenas para equiparar os cartões de débito e crédito a documento particular[2], permitindo a punição a quem realiza clonagem de cartões magnéticos.
Não obstante a ausência de lei específica, a criação de perfis falsos na Internet, dependendo do animus do agente e dos desdobramentos de sua ação, resultarão em punição por falsidade ideológica, pois aquele que constrói um perfil inverídico, está inserindo informações falsas (nome, idade, localização, etc.) e, se em razão desta conduta houver prejuízo de direitos, criação de obrigações ou alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante, o agente será punido com até três anos de prisão e multa, nos termos do art. 299, do Código Penal.
Outros criminosos utilizam o Facebook para a aplicação de golpes, configurando estelionato. Em uma cidade sul-mato-grossense, um homem foi preso após denúncias da criação de perfis falsos, onde adicionava pessoas, geralmente mulheres, e oferecia produtos eletrônicos a preços bem abaixo do mercado. As vítimas, após serem convencidas a fechar negócio, depositavam o dinheiro na conta do infrator. Entretanto, o mesmo não entregava mercadoria nenhuma e desaparecia com o dinheiro recebido. Estas condutas criminosas configuram, em tese, dois delitos: falsidade ideológica e estelionato. Contudo, o primeiro crime, a depender da interpretação do caso, poderá ser absorvido pelo estelionato, em razão da aplicação do princípio da consunção.
Outra conduta criminosa que se alastra de forma a assustar as autoridades é o sextortion, neologismo empregado para designar a extorsão sexual, também chamada aqui de “sextorsão”. Costumeiramente, o crime acontece da seguinte forma: uma mulher (ou um homem se passando por mulher) adiciona outro homem em uma rede social e procura ganhar a amizade e intimidade com a vítima. Pouco tempo depois, as partes passam a trocar fotos nuas ou mesmo se exibir eroticamente na webcam. O criminoso, com o uso de softwares, grava a vítima nestes momentos íntimos. Após obter estas imagens, o agressor revela seu plano e chantageia a vítima, exigindo vultuosa quantia em dinheiro para não disseminar as imagens pelo Facebook e outras redes sociais.
Casos assim, são muito comuns na Europa[3]. Contudo, já há muitos registros de sextortion no Brasil. Em Campo Grande, um caso idêntico a situação narrada acima foi objeto de um boletim de ocorrência, registado por um jovem de 22 anos, após sofrer uma tentativa de extorsão no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), em razão de ter sido gravado nu em uma videoconferência com uma desconhecida no Facebook[4].
Em Triunfo, Paraíba, um homem de 21 anos foi preso suspeito de hackear pelo menos 300 perfis de mulheres no Facebook e posteriormente extorquir as vítimas, solicitando dinheiro em troca do sigilo das conversas e fotos íntimas hackeadas por ele. Conforme informações prestadas pelo Delegado responsável pela investigação, o investigado será indiciado por extorsão e exibição de imagens sexuais de crianças e adolescentes[5].
Em que pese não ser um caso oriundo do Facebook, já houve condenação criminal, inclusive em segunda instância, por extorsão praticada em outras redes sociais. A Justiça do Distrito Federal condenou uma mulher por ter extorquido um homem através de salas de bate papo virtual. A condenada simulou ser outra pessoa na Internet e, inicialmente, o homem dava dinheiro para ela espontaneamente. Contudo, como a infratora negava-se a encontrar-se pessoalmente com a vítima, esta parou de fazer os depósitos. A partir de então, a condenada passou a chantageá-lo, dizendo que tinha apenas 16 anos e que se a vítima não voltasse a lhe dar dinheiro, ela iria acusa-lo de ser pedófilo perante os jornais e seus amigos e familiares. Vejamos o teor da ementa:
PENAL E PROCESSO PENAL. CRIMES DE ESTELIONATO (ART. 171 CP) E EXTORSÃO (ART. 158, CP) COMETIDOS PELA INTERNET. UTILIZAÇÃO DE ARDIS E ARTIFÍCIOS INIDÔNEOS PARA ENGANAR O HOMEM MÉDIO. ABSOLVIÇÃO. EXIGÊNCIA DE VANTAGEM INDEVIDA ACOMPANHADA DE AMEAÇA DE DIVULGAÇÃO DE CONVERSAS MANTIDAS EM SALA DE BATE PAPO DE REDE SOCIAL. CONFIGURAÇÃO DO DELITO. PENA. CONSEQUÊNCIAS. DECOTE. VÍTIMA QUE NÃO QUER SER RESSARCIDA DO PREJUÍZO SOFRIDO. PRESUNÇÃO DE IRRELEVÂNCIA. REGIME. ABRANDAMENTO. PROVIMENTO PARCIAL.
1. O crime de estelionato pressupõe uma vontade viciada da vítima, que entrega a coisa espontaneamente. O ofendido se equivoca quanto à realidade fática.
2. Qualquer pessoa que frequente sala de bate papo ou sítios de relacionamentos na internet sabe que, nem sempre as informações passadas em tais redes sociais são condizentes com a verdade.
3. A conduta da ré não se mostra materialmente típica, porque, embora a lei tenha obrigado o Estado a tutelar o patrimônio do cidadão, das investidas dos estelionatários, não se preocupou com a utilização de ardis ou artifícios pueris, incapazes de enganar o homem médio. Absolvição decretada.
4. Na extorsão, diversamente, a vítima sabe o que está acontecendo e faz a entrega da coisa contra a sua vontade, em razão de violência ou grave ameaça (art. 158, CP).
5. Se a ré a passa a exigir, mediante emprego de grave ameaça, novos depósitos em dinheiro em sua conta bancária, sob pena de noticiar os fatos aos jornais, à televisão, à esposa da vítima, aos seus colegas de trabalho, acusando-o de haver praticado o crime de pedofilia, eis que supostamente contava apenas 16 (dezesseis) anos de idade, incide na figura típica do crime de extorsão (art. 158, CP).
6. Em relação às consequências do delito, é de se entender que não devem militar em desfavor da ré, haja vista dispensa, pela própria vítima de ressarcimento, indicando que o desfalque, na sua óptica, não foi considerável.
7. Em razão do quantum de pena fixado, razoável o estabelecimento de regime prisional menos gravoso.
8. Recurso parcialmente provido para absolver a ré da imputação do crime de estelionato e reduzir as penas impostas, fixando-lhe regime menos gravoso.
(Acórdão n.509551, 20100111359775APR, Relator: SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, Revisor: LEILA ARLANCH, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 26/05/2011, Publicado no DJE: 07/06/2011. Pág.: 208)
Como se infere do julgado, a ré havia sido condenada em primeira instância por estelionato e extorsão. Ao apelar, o Tribunal deu parcial provimento aos seus pedidos, excluindo o crime de estelionato. Contudo, manteve a condenação por extorsão, definindo a pena em 6 anos de reclusão, e 18 dias-multa, no regime semiaberto.
Podemos observar no decorrer deste artigo que diversas infrações penais ocorrem no Facebook, inclusive crimes equiparados aos hediondos, vide o comércio de drogas. Portanto, os usuários desta rede social devem sempre agir com cautela, pois até mesmo o simples compartilhamento de algo ilícito sujeitará o usuário a sanções criminais. A própria rede social, em suas políticas de segurança, estabelece regras simples para se manter seguro: “nunca compartilhe sua senha; pense antes de publicar; ajuste suas configurações de privacidade e revise-as regularmente; aceite solicitações de amizade somente de pessoas que você conhece pessoalmente; denuncie o que parecer suspeito”.
E caso o usuário seja vítima de algum crime, ou mesmo presencie a ocorrência de ilícitos no Facebook, este deve comunicar imediatamente a rede social e as autoridades competentes, como a Polícia Civil e Federal. Também há websites especializados em receber denúncias de crimes virtuais, como o Safernet Brasil (http://new.safernet.org.br/), que podem ser feitas anonimamente pelo navegante que presenciou alguma página que promova intolerância religiosa, racismo, neonazismo, tráfico de pessoas, pornografia infantil, maus tratos contra animais, xenofobia, apologia e incitação a crimes contra a vida e homofobia.