A PROBLEMÁTICA DO LABOR INDÍGENA NA ATUALIDADE


09/12/2015 às 15h34
Por Alfieri Bonetti Sociedade Individual de Advocacia

1.- Da colonização à dizimação indígena.

Uma das questões mais difíceis de ser enfrentada na atualidade é a questão que envolve o índio no cenário trabalhista, não só por causa de suas tradições e culturas que devem ser respeitadas, mas também sua inserção no labor de forma digna e que do fruto do seu trabalho possa se desenvolver como ser humano.

A história nos mostra, desde a colonização do Brasil por Portugal, a atuação portuguesa para desbravar as novas terras, para tanto, necessitavam de mão de obra para tal desenvolvimento.

Os índios, por serem maioria populacional naquela época do descobrimento e por conhecerem melhor as terras da nova colônia, jamais se curvaram aos desmandos do homem branco, bem como pela sua natureza livre, não vislumbravam estarem amarrados aos grilhões dos colonizadores, tanto em seu seio social, quanto no tocante ao trabalho.

Desta forma, os portugueses não viram outra alternativa senão importar mão de obra escrava, sendo os nossos irmãos africanos os eleitos para o mister.

Porém, mesmo os índios por serem maioria naquela época, por terem vida de plena liberdade e por não deixarem serem subjulgados às determinações da Coroa portuguesa, foram dizimados aos poucos, não somente no enfrentamento, mas por serem acometidos de doenças desconhecidas trazidos pelo homem branco, ou, também, vítimas de estupros e todos os sortilégios que poderiam sofrer.

Por fim, prevaleceu a vontade do homem branco, reduzindo significativamente o contingente indígena.

Infelizmente, já se passaram 05 séculos, e o que ainda presenciamos é o homem branco tendo a mesma conduta de seus ancestrais, ou pior, conseguindo aquilo que seus ancestrais não conseguiram efetivamente, ou seja, explorando consideravelmente o índio em trabalhos exaustivos e escravizando-os, com total desrespeito à dignidade da pessoa humana, tão consagrada na Constituição Federal e as legislações trabalhistas em vigor.

Após este breve intróito de nossa história, de desmandos e descalabros, adentremos as questões atuais do trabalho do índio, como deve operar sua contratação, o respeito a sua dignidade, sua cultura e tradição, para sim evitar o que vem acontecendo com os poucos índios que restam em nossa pátria.

2.- A atualidade do labor indígena.

Atualmente, o índio vem sendo recrutado para trabalhar nos canaviais das grandes usinas de cana de açúcar, não só pelo simples fato de suportarem longas jornadas de trabalho, mas por serem atualmente menos organizados do que qualquer outro grupo que fossem recrutados para laborar nos canaviais.

Um outro ponto a ser considerado, é que os índios, em síntese, desconhecem as regras trabalhistas capituladas na Consolidação das Leis do Trabalho, ou em legislações especiais, com as que tratam de segurança e higiene no ambiente de trabalho.

Devido a isso, torna-se lucrativo para as usinas recrutarem os índios, retirando-os de suas aldeias, afastando-os de suas tradições e culturas, além de desconcentrarem, pois, assim, restam enfraquecidos para lutarem por demarcações de terras.

Os índios, após serem recrutados e levados para os canaviais, atuam numa jornada estafante, ou seja, iniciam suas atividades às 06h e terminam ao anoitecer, por volta das 20h, perfazendo 14 horas trabalhadas, contrariando totalmente a previsão constitucional de 08 horas diárias e 44 semanais.

Além disso, as condições oferecidas vão “contrario legis” as disposições reguladoras no que pertine a segurança do trabalho, o descanso do trabalhador e a saúde do obreiro.

Tanto é fato que no decorrer do labor muitos se suicidam, ou são acometidos por profunda embriaguês que rotineiramente culmina com discussões e homicídios.

Além de todos os desmandos e descalabros existentes, reduzem definitivamente o índio a condição análoga a escravo, pois os usineiros atribuem um valor ínfimo pelo trabalho realizado e ainda cobram um valor exorbitante pelo alojamento, diga-se de passagem precário, bem como a alimentação que o indígena consome, que,por fim, ao término mensal, recebe meros trocados, isso quando não resta devedor dos usineiros.

Em recente reportagem sobre a questão no jornal O Estado de São Paulo(1) , datado de 21 de julho de 2008, o Procurador do Trabalho do Mato Grosso do Sul, descreveu o trabalho indígena como sendo um verdadeiro trabalho escravo:

"verdadeiro trabalho escravo" a situação desses indígenas na década de 1980. Ficavam, diz ele, em barracões de lona, onde bebiam água dos rios junto com os animais. Além disso, era rotina também a presença de crianças no corte da cana. "Em diversas ocasiões, a usina pagava e o cabeçante desviava o dinheiro. E muitas vezes a usina não pagava, enrolava mesmo".

Nesta questão emblemática, como bem apontou o Douto Procurador, os índios vivem reduzidos à condição análoga de escravo, além do que o pouco dinheiro a que fazem jus é desviado pelo cabeçante ou se quer é pago pela usina.

Só para entendermos melhor, o cabeçante é a figura que, também indígena, por possuir um conhecimento cultural maior que os demais índios, faz toda a intermediação e fiscalização do trabalho, além de realizar o pagamento a cada indígena que labora na lavoura e que no geral acaba desviando para si o dinheiro que deveria ser pago para cada um.

Só a título ilustrativo, enquanto um indígena percebe R$ 600,00 e em cima deste valor será descontado o pagamento do alojamento, da alimentação e outros descontos irregulares a fim de perpetuar a escravidão, um cabeçante em época de safra, chega a perceber mensalmente R$ 2900,00, conforme informou em entrevista de um cabeçante à uma reportagem publicada em um “site” denominada miséria indígena.

”Juvenal Lederme, guarani-nhandeva de 24 anos, é um desses cabeçantes. conta que nos períodos de pico do corte da cana, à frente de uma equipe de 11 cortadores, já chegou a ganhar R$ 2.900 por mês. "A pior parte do trabalho é ficar longe da família. Mas fazer o quê?",

Desde o início do século 20, eles estão sendo confinados à força em pequenas reservas. Isso inviabilizou sua estrutura social, organizada por laços de parentesco, e deu origem aos conflitos internos, alcoolismo, violência, uso de drogas, suicídios, devido a isso e de forma sorrateira, oferecem aos índios a possibilidade de trabalho nos canaviais, sabedouros da fraqueza em se encontra.

A questão trabalhista do indígena sempre sofreu grandes gravames, pois nunca tiveram registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social, e conseqüentemente cerceando-os dos direitos inerente a qualquer trabalhador, mesmo urbano.

A determinação pelo registro veio em 1999, após grande questionamento por parte dos usineiros e sindicatos patronais da atividade, que sempre viram com maus olhos a concessão de registro ao indígena, pelo pacto do trabalho indígena no Estado de Mato Grosso.

Mesmo com fortes pressões, restaram vencidos e tendo que se submeter a registrar o índio para laborar nos canaviais, porém, até os dias atuais, os acordos que vieram sendo firmados encontram-se deficientes, por falta de fiscalização efetiva e punições severas por descumprimento da legislação.

Mesmo em sede penal, não vemos um empresário usineiro ser responsabilidade por burlar a legislação trabalhista, sendo que temos capitulo próprio na Legislação Substantiva Penal que trata não só do tema quanto aos crimes praticados nas relações de trabalho, mas ao artigo que prevê sanção penal no crime de redução análoga a de escravo.

Mesmo com todas as questões problemáticas que envolvem a matéria, as novas usinas que estão se instalando, de certa forma, procuram adequar-se as regras dispostas, sendo que além de registraram os indígenas, concedendo valor mensal, horas extras e descanso semanal remunerado, procuram instalar-se próximo as aldeias e isso vem atraindo muitos índios a procurar as novas usinas, como o caso relatado no mesmo“site” que trata do tema:

“Maciel Spindola, guarani-caiuá de 18 anos, conta que foi registrado pela usina. "Com horas extras, ganho entre R$ 600 e R$ 700 por mês", diz o rapaz. Ele sai de casa às 6 horas da manhã e volta no início da noite. "Eles dão café da manhã, almoço e janta", enfatiza”.

Por fim, neste contexto, precisamos de políticas mais sérias para inserção do indígena no mercado de trabalho e fiscalização rigorosa, para evitar, assim, o quem vem acontecendo com todos os milhares de indígenas que atuam nos canaviais e usinas deste país.

3. – O contrato de trabalho do indígena.

No tocante ao trabalho do indígena e de seu contrato, precisamos observar os aspectos inerentes para formação correta que visa resguardar os direitos do povo indígena, suas crenças, culturas e tradições.

Como já foi exposto alhures, a Carteira de Trabalho e Previdência Social só se tornaram obrigatórios de fato em 1999, com o pacto de trabalho do indígena no Mato Grosso do Sul, porém se observarmos pela amplitude, será que este pacto somente tem força normativa no Estado do Mato Grosso, ou podemos estendê-la a outros entes federados?

Tal pacto, por possuir força normativa equivalente à CLT, pode ser estendido a todos os entes federados a fim de regular a questão com relação ao registro em carteira.

Um outro ponto a ser ponderado é no tocante a todos os direitos previstos na legislação obreira, que sendo o indígena registrado passa a gozar desses benefícios, como 13o salário, férias, descanso intrajornada, horas extras acima da 8a. diária e 44a. semanal. Enfim, todos os benefícios de que possui qualquer outro trabalhador. Porque, mesmo indígena, é um trabalhador rural e a legislação obreira o protege.

Evidentemente, que não podemos nos escusar de observar que as partes envolvidas devem ser aquelas previstas no artigo 104 da legislação substantiva civil, ou seja, que as partes sejam capazes, que o objeto seja lícito e que haja forma prescrita e não defesa em lei.

Neste diapasão, acreditamos que tal contrato de trabalho não pode ser extensivo a menores, pois mesmo que os usineiros cumpram a legislação, o trabalho desenvolvido na colheita de cana de açúcar não deixa de ser desgastantes e exaustivo e prejudicial à saúde do individuo.

Até mesmo na condição de aprendiz não se pode cogitar a formulação do contrato de trabalho.

Também deve ser ponderado é a instalação de um sindicato dos trabalhadores indígenas nos canaviais e que esta entidade atue realmente em prol dos índios que ali trabalham e que fiscalize a atuação do labor e qualquer abuso seja prontamente encaminhada para o Ministério Publico do Trabalho.

Neste diapasão, a Lei 6001 de 19 de Dezembro de 1973, dispõe já em seu artigo 01º, parágrafo único que a proteção de leis do país se estende aos índios e a suas comunidades, nos mesmos termos que se aplicam aos demais brasileiros.

Neste passo, observa-se o todo exposto acima, pois quando o índio é ativado a laborar, seja em um canavial, seja numa indústria, a proteção Celetista, bem como a lei do trabalhador rural abarca sua condição de trabalhador, não pondendo, “in totum”, a escusa de qualquer empresa ou latifundiário de tratá-lo com igualdade em relação a qualquer trabalhador.

Na mesma Lei em comento, no artigo 2º prevê que é de incumbência da União, aos Estados e aos Municípios, dentro dos limites de sua competência, a proteção do indígena e a preservação de seus direitos, que neste aspecto, quando se fala sobre seus direitos, não somente se limita na tradição e usos e costumes indígenas, mas em tudo o que versar sobre os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana, a proteção ao trabalho capitulado na Constituição Federal, na CLT e em legislações especiais, já que, como é cediço, não haver uma lei trabalhista especifica para regular a atividade laboral do indígena, podemos, por analogia, caso seja um trabalhador em canavial, aplicar a Lei do trabalhador rural, caso seja urbano, a Consolidação das Leis do Trabalho, conforme disposto no inciso I da Lei 6001 de 19 de Dezembro de 1973.

No artigo 14, do capitulo IV, desta lei, prevê que não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e aos demais trabalhadores, e que será aplicado todos os direitos inerentes às leis trabalhistas e previdenciárias.

O que vem acontecendo com os indígenas, no tocante ao labor nos canaviais, é nulo, consoante permissivo do artigo 15 “Será nulo o contrato de trabalho ou de locação de serviços realizados com os índios de que trata o artigo 4º, inciso I”.

Por fim, a única regulação de trabalho do índio que possuímos é o previsto nesta lei, sendo que nos dias atuais, deve ser estudada, elaborada e aprovada uma lei específica para regular a condição do índio no âmbito trabalhista e eliminar de vez os descalabros que vem acometendo os poucos índios que restam em nossa pátria.

4. - Conclusão.

Diante do exposto, necessitamos de leis especificas que regulem de vez o trabalho do índio, para que os mesmos possam experimentar uma vida mais digna e saberem que de seu trabalho, com dignidade, respeito e desenvolvimento, poderão sentir em seu interior que são cidadãos, que estão produzindo para seu sustento e para o desenvolvimento da nação, bem como laborarem tranqüilos sabendo que, á lei que regula suas atividades e que imponha fiscalização rigorosa por parte das autoridades as atividades desenvolvidas, e que qualquer abuso seja punida com o máximo rigor, e assim, possamos, nós, “homens brancos”, da atualidade não mais presenciarmos os descalabros, os desmandos, o sub-trabalho, a redução análoga a de escravo, de qualquer índio que seja, bem como de qualquer pessoa deste país.

  • Trabalho Indigena
  • Problemática
  • Direito doTrabalho do Indío

Referências

5. – Bibliografia.

Constituição da Republica Federativa do Brasil – artigos 231e 232.

Lei Federal 6001 de 19 de dezembro de 1973- “Estatuto do índio”.

Decreto Lei nº. 5452 de 01º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho.

Lei Federal 10.406/2002 – Novo Código Civil – artigo 104. 

“site” – www.miseriaindigena.com.br

“site” – www.funai.gov.br

Artigo publicado na Revista prática jurídica em agosto de 2009. 

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