O DIREITO DE DEFESA A TODO ACUSADO E PRÍNCIPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.


09/12/2015 às 15h24
Por Alfieri Bonetti Sociedade Individual de Advocacia

Desde os tempos primitivos, a humanidade sempre buscou regular sua conduta em sociedade com o intuito de pacificar os conflitos e restaurar a ordem social. Porém, para que essa restauração fosse atingida, o Estado, diante de fatos sociais que infringissem normas impostas criou sanções para coibi-las.

O Estado, sendo ele o criador de tais sanções, passou a praticá-las de forma arbitrária, sendo o devido cuidado e prejulgando condutas sem ao menos dar o direito do suposto agente infrator as normas justificar sua conduta ou provar sua inocência. Com isso, o direito a defesa e a presunção de inocência inexistiam, existindo somente o poder de império do Estado que utilizava de mecanismos para condenar sumariamente o suposto infrator.

Com o passar dos tempos, tivemos arraigado no seio social diversas formas de apuração de fatos delituosos, por exemplo, a prova divina, que o indivíduo era obrigado a pisar em brasas e se seus pés não apresentasse sinais de queimadura, era sinal que “deus” apontava sua inocência e por fim era absolvido, caso contrário, era condenado a morte. O que obviamente ocorria.

Tivemos também em determinado momento histórico a influência da igreja católica como acusador e julgador, que investia sobre o acusado todo seu poderio sem menos dar-lhe a oportunidade de contestar qualquer acusação, condenando-o a morte na fogueira. Período esse denominado de inquisição.

Muitos começaram a refletir a respeito da dignidade humana, da oportunidade de defesa, da valoração da liberdade como bem maior, o hábeas corpus fora instituído como meio para afastar o injusto constrangimento a liberdade, a compra da pena pelo acusado, pagando avítima determinado valor; enfim, meios de defesa diante da arbitrariedade imposta pelo Estado.

Com a prisão injusta do Marques de Beccaria, o direito de defesa e a presunção de inocência passa por outros rumos, pois no cárcere, ao escrever o livro intitulado “dos crimes e das penas”, Beccaria discorre sobre o fato do direito de defesa, da presunção de inocência, da pena ser equivalente ao delito cometido e principalmente do princípio da reserva legal, que atualmente está consagrado no artigo 5o da Constituição Federal e artigo 1o. do Código Penal.

Após sua morte, descobriu-se sua inocência; sendo que, tal descoberta proporcionou uma nova perspectiva para estas questões tão salutares nos rincões sociais.

O ápice do direito de defesa ao acusado, do principio da inocência, ocorreu com o advento da Revolução Francesa, 1789, que proporcionou a promulgação dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão e que consagrou tais institutos, bem como ampliando-os, como por exemplo o devido processo legal, o direito ao contraditório, a ampla defesa, enfim, institutos esses que permitem uma atuação mais imparcial e com total respeito a pessoa humana.

Após este breve contexto histórico, a Constituição Cidadã de 1988, que faz 20 anos de existência neste ano, inseriu os elementos de direito de defesa do acusado e presunção de inocência no rol dos direitos fundamentais, inclusive conferindo proteção de cláusula pétrea, conforme prevê o artigo 60, parágrafo 4o. da Constituição Federal.

Os mecanismos de defesa ao acusado, além da ampla defesa, temos o devido processo legal, o contraditório, a impetração do remédio heróico “ hábeas corpus”, tanto preventivo, quanto repressivo, além de segregar a liberdade e considerar o acusado culpado somente com o trânsito em julgado a sentença penal condenatória, ou seja, enquanto nós estivermos nos deparando com o curso do processo, não podemos falar em culpa e paira sobre o acusado a presunção de sua inocência.

Para corroborar com argumentos acima despendidos, o Professor Geraldo Brindeiro, também Procurador Geral da Republica, em artigo publicado na Revista Consulex no ano de 2004, sob o título, “ o devido processo legal” , entende o direito de defesa da seguinte forma:

Penso ainda que a igualdade perante a lei e o devido processo legal são princípios constitucionais complementares entre si, pois os princípios da legalidade e da isonomia – essenciais ao Estado Democrático de Direito – não fariam qualquer sentido sem um poder capaz de fazer cumprir e pôr em prática, para todos, com a necessária presteza, a Constituição e as leis do País.

O devido processo legal, um dos componentes do direito de defesa, teve sua origem histórica, na Magna Carta de 1215 que se referia inicialmente ao processo by the lawful judgement of his equals or by the law of the land, ou na expressão original em latim per legale judicium parium suorum, vel per legem terrae, o que significa que ninguém pode ser processado senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou em harmonia com a lei do País.

Tais institutos devem ser tão harmônicos com as leis existentes para evitar que abusos sejam cometidos.

Todavia, o que nos parece atualmente, é que tais institutos não estão sendo observados com o respeito e a obediência constitucional exigida, pois os acontecimentos últimos mostram claramente o descaso com a Constituição, com os princípios em comento, até com a segurança jurídica.

Infelizmente, no caso de tanta repercussão como de Izabela Nardoni, presenciamos a influência avassaladora da mídia e o pré-julgamento social em face dos acusados, bem como o desrespeito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.

Presenciamos também a segregação do casal sem a observância dos preceitos constitucionais do direito de defesa e da presunção de inocência.

Em artigo publicado também na Revista Consulex pelo estudante de direito Fabiano dos Santos Sommerlatte da Faculdade de Direito do Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB), publicada em 2004, cujo tema refere-se basicamente ao que estamos comentando que é “até quando a imprensa irá interferir no processo”.

A sociedade seduzida e estimulada pelos fatos transcorridos a todos os instantes, vê-se a favor da mídia, que tem por escopo "decidir", em nome do Judiciário, se o réu é culpado ou inocente, sem o devido processo legal, violando o art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal, que reza: "Ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (Princípio da Presunção da Inocência).

Desta forma, o que tudo indica é o desvirtuamento dos papéis dos institutos existentes no país, sendo que a imprensa que tem o dever de somente nos prestar informação, passa a atuar como se julgadores fossem, criando entendimentos na mente social prematuro e colocando em risco não só a veracidade dos fatos, mas também prejudicando imensuravelmente a busca da verdade real, como também fragilizando tais mecanismos existentes em nossa Lei Maior.

Em artigo publicado pelo eminente ex Ministro do Superior tribunal de Justiça, o Dr. Vicente Leal de Araújo, publicada na Biblioteca Digital do Superior Tribunal de Justiça em abril de 2005, que conceitua de forma sintética, mas magnânime o direito de defesa, in verbis: “Sem o direito de defesa, qualquer julgamento é temerário. Sem este sacrossanto e irrecusável direito não há ordem jurídica, não há vida civilizada, não há segurança, não há paz”.

Resta evidente que toda sociedade civilizada deve resguardar estes institutos sagrados e jamais tolerar o desvirtuamento preconizado pela mídia infame, que se locupleta do sofrimento, tanto da vítima, quanto do suposto acusado, que vê sua vida totalmente arruinada, sem ao menos dar-lhe o direito de ser ouvido.

Tanto que a Constituição do Paraná preceitua de forma contundente, exaltando a presunção de inocência e o direito de defesa da seguinte forma:

"Ninguém pode ser submetido a uma prévia condenação pública, sem que tenha se sujeitado ao devido processo legal, respeitando-se o direito de ampla defesa (inciso LV, art. 5º, CF); sendo que a divulgação pelos órgãos de comunicação, da imagem de pessoas tidas como suspeitas pode redundar em prévia condenação pública".

Agora, como queremos ter um país forte e soberano, se não conseguimos preservar e cumprir o que está disposto em nossa Constituição, sendo ela a referencia de vida social e humanística.

Em outra matéria publicada na Revista Consulex nº 171 – caderno de doutrina, publicada pelo ilustríssimo jurista Cândido Furtado Maia Neto, em 02 de fevereiro de 2005, sob título “ Presunção de Inocência e os Direitos Humanos – justiça penal e devido processo legal no Estado Democrático”.

Não se pode expor ao escárnio e humilhação a intimidade dos seres humanos envolvidos em inquérito policial ou em processo penal, posto que ficam sujeitos ao sensacionalismo da imprensa ou até dos agentes oficiais do Estado encarregados de promover justiça e a segurança pública.

Mas, infelizmente estamos presenciando justamente o contrário do exposto pelo ilustre jurista, pois, como no caso de Izabella Nardoni, bem como no caso de Suzana Histoffen, além de outros, em que tiveram a execração e condenação publica antecipada, demonstrando total ingerência da mídia no Poder Judiciário, tudo com o aval do “ Parquet Estadual”.

Devemos nos recordar o fato ocorrido na escola de base em que os acusados foram execrados publicamente, condenados sumariamente pela opinião pública, com sua vidas completamente arruinada e ao final constatou-se a inocência dos mesmos.

Neste mesmo caso fica uma pergunta: Já que a mídia, de forma sensacionalista, execra e humilha publicamente, condenando o réu antecipadamente, cadê a mesma imprensa que não pede desculpas e repara o dano causado a honra e imagem da pessoa quando resta comprovado a inocência do suposto acusado?

Infelizmente, nos parece que jamais isso irá acontecer, pois a nossa imprensa cada vez mais afronta a dignidade da pessoa humana, incitando e inflamando as pessoas e casos como esse expostos que afrontam objetivamente o direito defesa e a presunção de inocência.

Agora, nesses caso em que tais delitos são cometidos contra a vida e são submetidas ao rito do júri, com a influência da mídia e da sociedade, os jurados, sem sombra de dúvidas chegaram ao Tribunal com opinião antecipadamente formada pela culpabilidade e propugnarão pela condenação sem antes ocorrer as oitivas e debates necessários e previstos para a busca da verdade real.

Em outra matéria, também em tal consagrada Revista Jurídica Consulex nº. 38 de 29 de janeiro de 2000, publicada pelo jurista Marcus Vinícius Amorim de Oliveira, “Há o princípio da presunção de inocência, que nem sempre prevalece no júri. E mais prejudicada ainda resta a descoberta da verdade real, princípio basilar do processo penal”.

Em outra matéria, Voz Universitária, Revista Consulex nº. 154, 15 de junho de 2003, publicada por Ivonaldo de Albuquerque Porto, sob o título “Presunção de Culpa: Precedente para nulidade de sentença criminal condenatória”. Relata o fato de um agricultor acusado pelo suposto cometimento de crime tipificado pelo artigo 121, §, inc. II e IV do CP, que negava constantemente a autoria do delito, mesmo assim, teve sua liberdade segregada, sob pretexto do “in dúbio pro societatis” em total afronta ao in dúbio pró réu, e discorre desta forma:

Em algumas semanas José Maria, agora réu, ex vi legis foi pronunciado pelo Ministério Público, e será levado a júri popular na próxima pauta. Acusação: delito tipificado no artigo 121, 2o, incisos II, IV do CPC7. Como se ainda fosse pouco, o princípio do in dubio, pro réu lhe foi negado “in totum”, o que viola plenamente o seu direito, já que, por não ter antecedentes, ademais, de possuir residência fixa e ter trabalho honesto, jamais deveria ter o representante do Poder Judiciário decretado a prisão preventiva, baseando-se no “in dubio, pro societate”, neste tipo de caso, pois, esses precedentes supracitados já bastariam para a impetração de um habeas corpus preventivo, afinal, que mal poderia José Maria fazer que a sociedade já não lhe tenha feito.

O caso narrado demonstra claramente o arbítrio, a afronta à Constituição e ao Estado Democrático de Direito que tanto lutamos em meio a ditadura para conquistar.

Em matéria sobre o sistema prisional da Espanha – Revista Consulex nº. 153, maio de 2003, por José Luis de La Cuesta Arzamendi, que dispõe sobre principio da legalidade dos internos no sistema penitenciário, tal citação menciona a constituição que prevê que tal presunção de inocência deve reger todo o sistema.

c) Princípio de legalidade e direito dos internos – A atividade penitenciária há de se desenvolver sem discriminações e "com as garantias e dentro dos limites estabelecidos pela Constituição e a lei". Esta proclama que o princípio de presunção de inocência há de reger o regime penitenciário dos preventivos e se proíbem absolutamente os maus tratos de palavra ou ação.

Enquanto a humanidade não corresponder aos anseios dos direitos humanos e resguardar os institutos basilares da sociedade, estaremos fadados ao retrocesso e ao descalabro Estatal e da imprensa fascista em face das pessoas que ficam a mercê de escárnio e humilhações, vendo sua imagem arruinada sumariamente, sem ao menos terem o direito de desagravo público.

Destarte, precisamos lutar bravamente para ver esses institutos sendo aplicados e respeitados, não tolerando a influência perversa e nefasta da imprensa sobre as pessoas, sobre os poderes institutos em nosso Estado Democrático de Direito e, por outro lado, cobrando de tais Poderes, eficiência e mitigação a impunidade, mas com o respeito ao contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência e do devido processo legal.

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