O abuso de poder no direito eleitoral


19/10/2016 às 11h46
Por Andre Foppa

Todo e qualquer abuso no procedimento eletivo é daninho a democracia que se faz presente no país, portanto a necessidade de coibição do abuso é indispensável.

Se faz necessário em virtude desta realidade abominável que as normas de Direito Eleitoral almejem coibir qualquer tipo de abuso no procedimento eletivo.

Em vista das mazelas causadas pelos abusos de poderes cometidos em desfavor do pleito eleitoral, alega José Jairo Gomes que é necessário coibi-los independente de suas origens:

Saliente-se que o abuso de poder nas eleições deve ser reprimido em suas múltiplas facetas e formas de manifestação, independentemente de sua origem ser econômica, política, social, cultural ou dos meios de comunicação de massa.[1]

Do ponto de vista do doutrinador Caramuru Afonso Francisco, ao explanar sobre as formas de coibição do abuso de poder, “desde o início, tem o direito eleitoral brasileiro procurado criar limites ao exercício da função e do cargo na administração direta e indireta em período eleitoral, precisamente para impedir o ‘abuso de poder político’”[2].

Partindo desta premissa, assevera o mesmo autor que “diante desta realidade, portanto, não há como deixar de reconhecer que a legislação eleitoral deva ter, efetivamente, uma postura contrária à utilização do abuso do poder [...].”[3]

Continuando, Caramuru Afonso Francisco protesta que principalmente durante o período eletivo é necessário restringir o exercício de cargos e funções na administração pública. Assim não haverá abuso de poder por parte dos governantes que almejam a permanência no poder:

Em época eleitoral, porém, mister se faz que o exercício deste cargo ou função seja limitado com o fim de impedir que haja influência do governante sobre o processo eleitoral, uma tendência sempre presente em se tratando de política, cujo fim, já dizia Maquiavel, é a conquista e a conservação do poder.[4]

Ainda em se tratando de meios capazes de atenuar os abusos, o Juiz Alcides dos Santos Aguiar no acórdão nº 15.544 do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, afirma que se faz necessário diminuir a influência do instituto da reeleição ao cargo do poder executivo, pois, por meio desse, os agentes públicos se perpetuam na administração pública:

A legislação privilegiou em demasia os chefes dos poderes executivos em permitindo suas candidaturas a reeleição sem se desincompatibilizarem. Conquanto difícil ao administrador separar sua ação enquanto governo daquela concernente ao candidato, cumpre-lhe em permanecendo no cargo, e mesmo não parecendo justo, observar a lei literalmente quanto aos atos vedados aos agentes públicos no período de três meses que antecede o pleito. Ou se ameniza ao menos a influencia que reeleição nessas circunstancias enseja, ou se joga por terra a pars conditio, e, pois, a normalidade e legitimidade dos pleitos.

Desde que se possa vislumbrar a potencialidade da pratica abusiva, não se faz exigível a relação de causa e efeito entre o ato e o resultado das eleições.

"o tribunal formara sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para as circunstancias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral" (art. 23, lc n. 64/90).[5]

Dessa feita, é importante ressaltar do acórdão citado a necessidade de diminuir o poder que o instituto da reeleição exerce nos casos de abuso de poder político, como forma de não desconfigurar o bom andamento do processo eleitoral.

É interessante notar que no próprio Código Eleitoral, datado de 1965, já existia a previsão de sanção para os abusos econômicos e políticos. Conforme se desprende a letra do art. 237 “a interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.”[6]

Na opinião de Pedro Roberto Decomain, ao comentar o referido artigo, alude sobre a obrigação de punir os abusos cometidos por quem objetiva entravar o livre-arbítrio dos eleitores. Em frente, o autor fazendo menção a esses fatos, esclarecer ser causa de inelegibilidade ao candidato beneficiário dessa atitude, bem como o terceiro que tenha cometido o abuso:

O artigo volta a referir-se, acertadamente, à necessidade de punição do abuso do poder econômico ou do desvio ou abuso do poder de autoridade, quando tiver por motivação tolher a liberdade do voto. O abuso do poder econômico ou do poder de autoridade e o abuso ou uso indevido de veículos ou meios de comunicação constituem hoje causa de inelegibilidade do candidato beneficiário e também de terceiros que hajam praticado os atos abusivos ou prestado sua colaboração na respectiva prática [...].[7]

E ainda no art. 222 do mesmo mandamento legal, encontra-se a seguinte letra: “É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.”[8]

Na opinião de Caramuru Afonso Francisco, a lei busca maneiras de evitar que os Agentes Públicos exerçam influência no pleito eleitoral em favor de candidato:

[...]. A legislação hoje vigente procura, de todas as formas, impedir que o exercício de cargo ou função pública seja um fator de manipulação da vontade popular, que a Administração Pública seja utilizada em prol deste ou daquele candidato, o tradicionalmente chamado “uso da máquina administrativa”, que é completamente vedado em nosso ordenamento.[9]

Por outro lado, de acordo com Emerson Garcia, é passível de punição quem comete conduta típica de abuso de poder político, resultando assim na “cassação do registro e do diploma, independentemente da potencialidade do ato”[10]. Não há necessidade de este ato ser potencialmente lesivo para a configuração do abuso, apenas que ocorra a sua simples efetivação.

Dessa forma, o autor supracitado acredita que o oferecimento de representação contra o abuso de poder, mesmo quando haja dúvidas no que concerne a potencialidade do ato, ocasionará melhores resultados em favor de um processo eleitoral lícito:

Em que pesa o exposto, entendemos que sempre que o ato tiver potencialidade para afetar a normalidade do pleito, ou mesmo haja fundada dúvida quanto à configuração desta, melhores resultados serão alcançados com o oferecimento de representação para instauração de investigação judicial eleitoral, pois somente decisão proferida nesta seara acarretará, alem da cassação do registro, a inelegibilidade do candidato beneficiado e daqueles que concorreram para a prática do ato.[11]

Do mesmo modo, cabe ressaltar que após verificado o abuso de poder econômico é imperiosa sua coibição, pois, conforme relata Eduardo Fortunato Bim, as conseqüências geradas são as “mais nefastas”. Tem-se ainda como agravante o aporte de valores “neste tipo de influência no processo eleitoral, provém de grupos ilícitos: guerrilhas, cartéis de drogas etc.”[12]

Como alerta o autor, neste caso o abuso de poder econômico está além da esfera política e eleitoral, relacionando-se com outros assuntos como o tráfico de drogas.

Destarte, José Jairo Gomes ao comentar sobre as finalidades do legislador em coibir o abuso de poder econômico, assevera que somente com a exaltação de valores como “liberdade, virtude igualdade e legitimidade” o pleito eleitoral será tomado por uma representação popular legítima:

[...] o intuito do legislador é prestigiar valores como liberdade, virtude, igualdade e legitimidade no jogo democrático. Pretende-se que a representação popular seja genuína, autêntica e, sobretudo, originada de procedimento legítimo.

Não basta, pois, que haja mero cumprimento de fórmulas procedimentais, pois a legitimidade exsurge sobretudo do respeito àqueles valores. Quanto à distorção desse ideal, adverte Montesquieu (1979:145) que os políticos de sua época só falavam de manufaturas, comércios, finanças, riquezas e luxo, diferentemente dos gregos, que, em seus tempos áureos, tinham na virtude a única força capaz de mantê-los.[13]

Assim, o autor acima citado aduz, citando ainda Fávila Ribeiro, a necessidade de se afastar o abuso de poder econômico, haja vista que tal abuso distancia os candidatos mais aptos do cargo político:

A interferência do poder econômico traz sempre por resultado a venalização no processo eleitoral, em maior ou menor escala. E arremata: “À proporção que a riqueza invade a disputa eleitoral, cada vez se torna mais avassaladora a influência do dinheiro, espantando os líderes políticos genuínos, que também vão cedendo, ainda que em menor escala, a comprometimentos econômicos que não conseguem de todo escapar, sendo compelidos a se conspurcarem com métodos corruptos”.[14]

O mesmo autor alerta que os grupos financiadores de campanhas ou partidos, quando patrocinam o abuso de poder econômico nas eleições, têm como objetivo adquirir influência no primeiro escalão da administração pública. Ou seja, com o êxito nas eleições, as decisões tomadas pela Administração serão voltadas em forma de benefícios e vantagens aos financiadores:

É despiciendo aduzir que a corrupção econômica nas eleições tem como corolário a corrupção no exercício do mandato assim conquistado. É intuitivo que os financiadores não vertem seus fundos para campanhas eleitorais apenas por altruísmo ou elevada consciência cívica, antes o fazem com vistas a conquistar espaço e influência nas instâncias decisórias do Estado.[15]

Para Emerson Garcia “a utilização do poder econômico terá como único limite a eventual necessidade de se comprovar a origem dos recursos; diga-se de passagem, nem sempre lícita.”[16] Assim, de modo a suavizar tal questão, afirma o autor que deve-se limitar os gastos, provindos do Fundo Partidário, efetuados em toda a campanha eleitoral:

Para que problemas como este sejam atenuados, pois eliminados nunca o serão, entendemos que melhor seria restringir os gastos de campanha ao montante percebido do Fundo Partidário, para o qual deveria ser destinada verba consentânea com a dimensão do pleito e para onde deveriam convergir todas as doações e contribuições.[17]

Cabe ressaltar que o Fundo Partidário é o “fundo especial de assistência aos partidos políticos, constituído pelas multas e penalidades eleitorais, recursos financeiros legais, doações espontâneas privadas, dotações orçamentárias públicas.”[18]

Portanto, de acordo com Emerson Garcia, somente com uma maior restrição aos gastos efetuados com valores advindos do Fundo Partidário serão atenuados os efeitos advindos do abuso de poder econômico.

Ainda no que concerne ao abuso de poder econômico, José Jairo Gomes, leciona ser seu conceito determinante “uno”, não dependendo exclusivamente de potencialidade para influir no pleito:

[...] o conceito de abuso de poder econômico é uno, conquanto possa plasmar-se a diferentes situações concretas e ensejar efeitos diversos. Assim, em princípio, sua configuração independe de o fato considerado apresentar ou não potencialidade lesiva para influir nas eleições ou desequilibrá-las. É que o fato em si – ontologicamente – é abusivo.[19]

Adotando tal entendimento, a caracterização do abuso de poder poderá ser feita de forma mais eficiente, pois ficará a crivo do judiciário avaliar melhor a conduta considerada abusiva.

Todavia, para José Tarcízio de Almeida Melo as leis eleitorais e os órgãos judiciais estão fartamente aparelhados para combater os abusos de poderes em âmbito eleitoral. Por outro lado, existe uma escassez na instrução contra o abuso:

Vejam que instrumentos legislativos e judiciais existem fartamente a disposição do combate ao abuso do poder econômico e ao desvio de poder político.

Falta a prática da educação moral para a cidadania.

Aquela educação teria de ser expandida em todos os setores que recebem favores ou autorizações governamentais, como empresas, rádio, televisão, rede de internet.[20]

Outro ensinamento do autor supracitado concernente aos meios de coibição ao abuso de poder, diz respeito aos regimentos dos Tribunais Eleitorais, os quais devem priorizar a extinção de qualquer tipo de abuso nas eleições:

Os regimentos internos dos Tribunais deverão atribuir prioridade absoluta aos processos, quaisquer que sejam suas diversas manifestações, que se destinem a coibir, corrigir e erradicar o abuso econômico e o desvio político.[21]

Por fim, ao tecer comentários sobre o abuso de poder, Eduardo Fortunato Bim assevera que “deve a Justiça Eleitoral ter coragem de ‘segura-lo’ até que ele mostre sua verdadeira face, a de macular o processo eleitoral, obstruindo, desta forma, a existência da verdadeira democracia.”[22]

Nesse sentido, conclui-se que o abuso de poder pode existir nas mais diversas formas, contaminando o processo eleitoral de forma a alterar a vontade do eleitor. Portanto, o legislador com o intuito de inibir as manifestações do abuso político e econômico, criou inúmeros instrumentos para coibi-los. Porém, com as novas formas de abuso surgindo a todo momento, as quais não poderiam ser tipificadas na sua totalidade. Assim, o legislador ao invés de arrolar as condutas de forma taxativamente, preferiu listar de forma exemplificativa, deixando a cargo dos operadores do direito identificar outras formas de abuso.

É certo que novos tipos de abuso irão surgir, ante a fertilidade da imaginação humana, sendo que deve o legislador construir normas que visem a proteção do sistema eleitoral, garantindo um regime democrático probo, livre de qualquer manifestação que busque deturpar a escolha do eleitor.

  • Abuso de Poder
  • Direito Eleitoral
  • Eleições

Referências

[1] GOMES, José Jairo. Abuso de poder. In: ______. Direito Eleitoral.2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. P. 235.

[2] FRANCISCO, Caramuru Afonso. Abuso de Poder Político no Processo Eleitoral. In: ______. Dos abusos nas eleições: A tutela jurídica da legitimidade e normalidade do processo eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. P. 77.

[3] FRANCISCO, Caramuru Afonso. Abuso de Poder Político no Processo Eleitoral. In: ______. Dos abusos nas eleições: A tutela jurídica da legitimidade e normalidade do processo eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. P. 76.

[4] FRANCISCO, Caramuru Afonso. Abuso de Poder Político no Processo Eleitoral. In: ______. Dos abusos nas eleições: A tutela jurídica da legitimidade e normalidade do processo eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. P. 77.

[5] BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Recurso em Representação nº 15.544/SC. Relator Juiz. Alcides dos Santos Aguiar. 12/11/1998. DJESC – Diário de Justiça do Estado de Santa Catarina, Vol. 10097. Data 19/11/1998, p. 90. Disponível em:. Acesso em: 10 fev. 2009.

[6] BRASIL. Lei 4.737 de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em:. Acesso em: 17 mar. 2009.

[7] DECOMAIN, Pedro Roberto; PRADE, Péricles. Comentários aoCódigo Eleitoral. São Paulo: Dialética, 2004. P. 30.

[8] BRASIL. Lei 4.737 de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em:. Acesso em: 17 mar. 2009.

[9] FRANCISCO, Caramuru Afonso. Abuso de Poder Político no Processo Eleitoral. In: ______. Dos abusos nas eleições: A tutela jurídica da legitimidade e normalidade do processo eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. P. 79.

[10] GARCIA, Emerson. Abuso de Poder Político. In: ______. Abuso de Poder nas Eleições: Meios de Coibição. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000. P. 27.

[11] GARCIA, Emerson. Abuso de Poder Político. In: ______. Abuso de Poder nas Eleições: Meios de Coibição. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000. P. 27-28.

[12] BIM, Eduardo Fortunato. O polimorfismo do abuso de poder no processo eleitoral: o mito de Proteu. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 230, p.113-139, Out/Dez. 2002, p. 127.

[13] GOMES, José Jairo. Abuso de poder. In: ______. Direito Eleitoral. 2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. P. 236.

[14] RIBEIRO, Fávila, apud., GOMES, José Jairo. Abuso de poder. In: ______. Direito Eleitoral. 2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. P. 236.

[15] GOMES, José Jairo. Abuso de poder. In: ______. Direito Eleitoral. 2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. P. 236.

[16] GARCIA, Emerson. Abuso de Poder Econômico. In: ______. Abuso de Poder nas Eleições: Meios de Coibição. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000. P. 30.

[17] GARCIA, Emerson. Abuso de Poder Econômico. In: ______. Abuso de Poder nas Eleições: Meios de Coibição. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000. P. 30.

[18] GLOSÁRIO da Justiça Eleitoral Disponível em:. Acesso em: 15 fev. 2009.

[19] GOMES, José Jairo. Abuso de poder. In: ______. Direito Eleitoral. 2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. P. 237.

[20] MELO, José Tarcízio de Almeida. Abuso de poder econômico, desvio de poder político e captação de sufrágio. Revista Brasileira de Direito Municipal, Belo Horizonte, Ano 5, n. 15, p.11-29, jan/mar. 2005. P. 28.

[21] MELO, José Tarcízio de Almeida. Abuso de poder econômico, desvio de poder político e captação de sufrágio. Revista Brasileira de Direito Municipal, Belo Horizonte, Ano 5, n. 15, p.11-29, jan/mar. 2005. P. 29.

[22] BIM, Eduardo Fortunato. O polimorfismo do abuso de poder no processo eleitoral: o mito de Proteu. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 230, p.113-139, Out/Dez. 2002, p. 137.


Andre Foppa

Advogado - Florianópolis, SC


Comentários