Cheque Pós-datado: responsabilidade do credor que apresenta o cheque antes do acordado


04/02/2014 às 16h06
Por Bruno Miranda Vieira

Dentre os diversos tipos ou espécies de títulos de crédito existentes no mercado, temos o cheque que é bastante utilizado nas relações consumeristas de nosso cotidiano.

Este documento pode ser definido como uma ordem de pagamento à vista (independentemente da data preenchida na cártula) e é regularizado pela Lei 7.357/85.

Nos dias de hoje, tornou-se prática usual a emissão de cheques nos quais o emitente insere na cártula uma data diversa de emissão, muitas vezes, inclusive, acompanhado da expressão “bom para”, no intuito de que o credor apresente o referido título para pagamento apenas na data preenchida.

Esta operação é popularmente conhecida como emissão de “cheques pré-datados”, termo este utilizado incorretamente, já que o certo seria emissão de cheque pós-datado.

Tal prática, porém, não é regulamentada por lei e, justamente por isso, o emitente de cheques pós-datados não possui nenhuma garantia legal de que o credor honrará as datas acordadas para desconto do referido título.

Este tipo de situação passou a ocorrer com frequência, o que gerou diversos ajuizamentos de ações de emitentes que tiveram seus cheques descontados antes do acordado e, sem fundos para pagar, não puderam arcar com a obrigação.

Em determinadas situações, os credores, inclusive, registram o nome dos emitentes nos cadastros de restrição ao crédito, o que torna a situação ainda pior.

Frente a todo exposto, pergunta-se: quem tem a razão? O credor que desconta o cheque pós-datado antes da data aposta pelo emitente, ou o próprio emitente que, mesmo não havendo regulamentação para tal, preenche uma cártula com data posterior?

Para responder a esta pergunta é necessário que toda a situação seja analisada como um todo.

Um dos princípios fundamentais do direito privado é o da boa-fé objetiva, cuja função é estabelecer um padrão ético de conduta para as partes nas relações obrigacionais.

Em toda relação contratual, seja um negócio jurídico cível ou uma relação consumerista, vigora o princípio da boa-fé objetiva.

No caso dos cheques pós-datados, tem-se que o credor, ao receber do emitente tal cártula, celebra um acordo (compromisso) de que não apresentará o referido documento antes da data determinada, ou seja, assume uma obrigação de não fazer, perante o emitente de boa-fé.

Sobre a obrigação de não fazer, destaca-se o que rege o Código Civil Pátrio, em seu art. 251, ao tratar do tema:

“Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.” (grifo meu)

Ou seja, a partir do momento em que o credor apresenta o cheque perante a instituição bancária da parte credora, antes da data acordada, a fim de compensá-lo, ele descumpre com a obrigação de não fazer, acima descrita, agindo de má-fé, devendo responder, desta forma, pelas perdas e danos suportados por aquele credor.

Neste ínterim, merece destaque a fala de Fábio Ulhoa Coelho, ao tratar do tema em questão:

“... está se desenvolvendo o entendimento de que o comerciante, ao aceitar pagamento com cheque pós-datado, assume obrigação de não fazer, consitente em abster-se de apresentar o título ao sacado antes da data avençada com o consumidor. De modo que o descumprimento dessa obrigação acarretaria o dever de indenizar o emitente. Neste contexto, no julgamento da Apelação Cível n. 23891, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a decisão de primeiro grau (18ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro), na parte relativa ao reconhecimento do dever de indenizar do comerciante que anunciou a aceitação de cheques pós-datados e apresentou-os antes do prazo combinado com o consumidor.” (Código Comercial e Legislação Complementar Anotados, 2ª ed., Saraiva, p. 534). (grifo meu)

Também é neste sentido que vêm decidindo os Tribunais Pátrios, conforme algumas decisões abaixo transcritas:

“EMENTA: APELAÇÃO. RECURSO PRINCIPAL E ADESIVO. PERTINÊNCIA DE MATÉRIA. DESNECESSIDADE. CHEQUE PÓS-DATADO. DEPOSITO ANTECIPADO. DEVOLUÇÃO. INSCRIÇÃO CCF. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. FIXAÇÃO DO VALOR DO DANO. CARÁTER PEDAGÓGICO DA CONDENAÇÃO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. VOTO VENCIDO. A matéria tratada no apelo adesivo não precisa guardar pertinência com a tratada no principal. O cheque pós-datado apresentado para compensação antes da data aprazada que restou devolvido por insuficiência de fundos, implicando na inscrição do nome do emitente no CCF, caracteriza dano de cunho moral. A fixação do dano deve ser feita em medida capaz de incutir ao agente do ato ilícito lição de cunho pedagógico, mas sem propiciar o enriquecimento ilícito da vítima e com fulcro nas especificidades de cada caso. Preliminar instalada de ofício rejeitada, recurso principal provido e adesivo não provido. VV.: O ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito, nos termos do artigo 333, I, do CPC. Não se desincumbindo o Autor do ônus probante, impõe-se a improcedência do pedido inicial. À inteligência do artigo 500 do CPC, o recurso adesivo não pode tratar de matéria que não constitui objeto de insurgência do recurso principal. (TJMG – Número do processo: 1.0012.07.007110-0/001 – Relator: CABRAL DA SILVA – Data do acórdão: 02/12/2008 – Data da publicação: 09/01/2009)”

“EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES - CHEQUE - APRESENTAÇÃO FUTURA - CONVENÇÃO - DATA APOSTA NO RODAPÉ. Mesmo se considerado o cheque como um título de crédito, com a cláusula de ordem de pagamento à vista, é fato que, modernamente, o referido título tornou-se um importante instrumento de concessão de crédito ao consumidor no mercado, tendo em vista a praxe da utilização do chamado cheque "pós-datado". Esta prática constitui um acordo firmado entre as partes para cumprimento da obrigação nele consignada em data diferente da sua emissão, cabendo ao credor respeitar a data convencionada, inscrita no rodapé do mesmo, o que vale, também, para o prazo prescricional. (TJMG – Número do processo: 1.0313.06.197066-8/002 – Relator: ANTÔNIO BISPO – Data do acórdão: 28/05/2009 – Data da publicação: 18/06/2009)”

“EMENTA: CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CHEQUE PRÉ-DATADO. APRESENTAÇÃO ANTES DO PRAZO. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS - Não ataca o fundamento do acórdão o recurso especial que discute apenas a natureza jurídica do título cambial emitido e desconsidera o posicionamento do acórdão a respeito da existência de má-fé na conduta de um dos contratantes. - A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo estipulado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a devolução do título por ausência de provisão de fundos. Recurso especial não conhecido." (REsp 707272/PB, Min. Nancy Andrighi, j.03/03/2005)”

Desta feita, conclui-se que aquele credor que apresenta cheque pós-datado, antes da data acordada entre o mesmo e o emitente, age de forma ardilosa, faz uso indevido da boa-fé daquele emitente, comportando-se contrariamente aos preceitos morais e aos usos e costumes do comércio.

Cabe àquele que se sentir lesado, procurar o seu advogado para ajuizar a competente ação para ser ressarcido de eventuais perdas e danos que lhe tiverem sido causados.

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Bruno Miranda Vieira

Advogado - Belo Horizonte, MG


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