Resenha sobre os crimes presentes em "Anjos do Sol", filme brasileiro de 2006, dirigido por Rudi Lagemann.
O filme nacional “Anjos do Sol” inicia-se com a cena da pequena Maria, de 12 anos, sendo vendida pelos pais para o “Sr. Tadeu”, viajante que costuma visitar a família de Maria para levar as filhas do casal a troco de dinheiro e com a promessa de uma vida nova, oportunidade de emprego e melhores condições de vida para a garota.
Os pais de Maria acreditam que seria para o melhor para a filha e para o próprio casal, uma vez que também receberiam dinheiro pela entrega da vítima. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 238, a conduta do “Sr. Tadeu” - agente que recompensou pela entrega da menor - e do casal são ilícitas, vejamos:
Art. 238 - “Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa: Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa”
Logo após “fechar negócio” com os pais de Maria, Sr. Tadeu a leva até o centro da cidade, para que a menor continue a viagem com outras garotas, sem saber o destino final.
É claro o crime de tráfico de pessoas no filme, previsto no artigo 149- A do Código Penal. O crime inicia-se a partir do recrutamento, segue pela compra, transporte, na administração das meninas, alojamento, mediante a coação, com a finalidade de submeter a servidão dos interesses do tráfico e exploração sexual.
Art. 149-A. "Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)."
Nesse caso, as penas dos agentes poderiam ser aumentadas de um terço até a metade de 4 a 8 anos, por ter sido cometido contra crianças e adolescentes e avantajar-se das más condições econômicas das famílias.
Após uma longa viagem, Maria e as outras meninas chegam na casa da Senhora Nazaré, onde são entregues e deixadas pelo Senhor Tadeu. Nazaré às recebe e no dia seguinte elabora um leilão com os interessados nas garotas.
No leilão, Nazaré e o fazendeiro Lourenço, que leva Maria e Inês, cometem os mesmos crimes que o Senhor Tadeu e os pais de Maria cometeram, a venda e compra das menores visando o lucro.
Ao chegar à fazenda, o Sr. Lourenço manda que Chico entregue bebidas alcoólicas às menores, infringindo a lei 8.069 de 1990, artigo 243. O fazendeiro leva as meninas para que seu filho, que acaba de completar 15 anos, tenha sua primeira relação, cometendo o crime de induzir seu filho a vida sexual (Art. 218 CP).
Art. 243. "Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica."
Acontece que, seu filho e Maria são jovens demais, e não sabem como agir. Após o fazendeiro notar isso, comete o crime de estupro de vulnerável, conforme o artigo 217- A do Código Penal. No dia seguinte, Maria e Inês são levadas até a boate do Sr. Saraiva, que mantém uma casa de prostituição chamada Casa Vermelha.
Art. 217-A. "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos."
Manter uma casa de prostituição é ilegal, conforme o artigo 229 do Código Penal, que diz que os estabelecimentos que ocorram exploração sexual, seja com intuito de lucro ou não, com mediação direta do proprietário ou agente incumbe pena de dois a cinco anos e multa.
Art. 229. "Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa."
Além de Saraiva cometer o crime em epígrafe, também comete o de sequestro e cárcere privado, previsto no artigo 148, pois mantem as vítimas em privação de liberdade, com ameaças de morte e punição frequente.
Art. 148 - "Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (Vide Lei nº 10.446, de 2002)."
Como exemplo disso, Saraiva comete outro crime, o de lesão corporal, artigo 129. Saraiva bate em Celeste quando questionado o salário entregue a ela naquele mês. Infelizmente, de todas as outras meninas da Casa Vermelha, Celeste é a única que sabe ler e escrever.
Art. 129. "Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Pena - detenção, de três meses a um ano."
Chegando na boate de Saraiva, Maria e Inês são recepcionadas com novas dívidas, para que as meninas não conseguirem dinheiro o suficiente para sair do bordel. O agente do crime oferece roupas, perfumes, estadia e alimentação. O dinheiro que as meninas conseguiriam através da prostituição, Saraiva pagaria suas “dívidas”.
No filme, também é possível notar o crime de prostituição ou exploração de vulnerável, previsto no artigo 218- B do Código Penal. Todos aqueles que tiveram relações sexuais com Maria e Inês, menores de idade, cometeram o crime, principalmente pela clara idade das vítimas.
Art. 218-B. "Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone"
Cansadas da exploração, Maria e Inês tentam fugir do bordel durante a manhã, com a ajuda de Celeste que está grávida. Infelizmente as vítimas não obtiveram sucesso em sua fuga e como forma de punição, Saraiva amarrou Inês em seu carro e a arrastou pelas ruas do vilarejo, como forma de ensinamento para as outras meninas, caso tivessem a ideia de fugir.
Nessa cena foi cometido o crime de homicídio, artigo 121 do C.P, com agravante pela idade de 14 anos de Inês, configurando como crime hediondo por tortura e humilhação. Após o falecimento da companheira, Maria desiste de fugir, por medo e insegurança.
Art 121. "Matar alguem: Pena – reclusão, de seis a vinte anos."
Em outro momento, um agente de saúde visita o estabelecimento para verificar a saúde das mulheres que ali residam, porém nota-se que uma delas está contaminada com o vírus HIV. Após informar Saraiva, o agente de saúde é expulso do local.
Anteriormente, Saraiva acreditava que a menina estava com malária, e contrair o vírus HIV não seria positivo para seu negócio. Sua omissão configura o delito de contágio venéreo, previsto no artigo 130. A pena é de três meses a um ano e multa.
Art. 130 - "Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado."
Meses depois, com o abuso sexual sendo frequente na menor, Maria decide fugir, e pede ajuda novamente à Celeste, que a entrega um número de telefone de uma senhora moradora do Rio de Janeiro, Senhora Vera. Maria aguarda a noite, dia de final de Copa do Mundo, jogo entre Brasil e Turquia, quando todos estão distraídos, e foge para a mata.
No dia seguinte, Saraiva se dá conta do sumiço da vítima e com seus cachorros e amigos armados, parte para a busca. Após duas noites correndo, Maria pega no sono, e acorda no dia seguinte com barulhos dos cachorros de Saraiva, e continua sua fuga. Maria encontra um carro em uma pequena estrada na floresta e consegue despistá-lo.
Maria passa a próxima noite comendo restos de comidas dos bares da cidade que foi deixada por sua carona, cuida de seus ferimentos e parte para a estrada principal, em busca de uma nova carona até o Rio de Janeiro.
Ao parar em um posto, Maria consegue efetuar a ligação para a Senhora Vera que a busca e segue com ela até sua nova residência. Vera promete um novo documento de identidade, de nome Isabela Ferreira dos Santos, pessoa já falecida e que teria 18 anos. Dessa forma, seria mais fácil conseguir clientes para a prostituição da menor de idade.
De acordo com Código Penal, artigo 307, atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem em proveito próprio resulta em pena de detenção de três meses a um ano ou multa.
Artigo 307. "Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem."
Dona Vera, após dar comida e banho à Maria, a promete para um amigo francês, que efetua o pagamento para a possuir como propriedade. Novamente notamos o crime de tráfico de menor de idade.
Ao notar a negociação acontecendo entre Vera e seu amigo estrangeiro, Maria foge novamente, cansada de se submeter a interesses alheios, prejudicando sua saúde e integridade física.
Maria se vê novamente nas ruas e sem opção, pedindo caronas à caminhoneiros que por ali passavam. O filme finaliza com a descrição de que foi baseado em fatos reais, informando que, de acordo com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, em 937 municípios brasileiros ocorre a exploração sexual de crianças e adolescentes, e estima-se que 100 mil crianças são exploradas sexualmente no Brasil.
Muitos crimes são cometidos ao longo do filme, com o intuito de rendimento financeiro dos agentes ativos da ação. O filme denuncia e critica tais comportamentos contra crianças e adolescentes, que muitas das vezes não possuem controle sob as condições impostas a elas, uma vez que a maioria não possui estrutura familiar e econômica.