Autorização Judicial/ Viagem de menor de idade para o Exterior


15/01/2017 às 19h44
Por Rafael Barros Escobar

Esses últimos dias me deparei com uma tese que vem mexendo com o mundo do Direito de Família, aliás, uma não, duas. E dentre destas duas teses o que mais me chamou a atenção foi a falta de pesquisa e soluções para uma delas.

Devido ao interligamento do planeta, as facilidades da globalização - diminuição das distâncias, acesso rápido à informações, comunicação eficiente e acessível a qualquer momento - muitos temas evoluíram também, mas alguns sem uma base bem montada ainda.

Esse é o caso de famílias que se desfazem no caminho e acabam se distanciando, sendo pela mudança do pai, seja da mãe, dos avós e etc. E fica a indagação de como ficará os filhos no meio de toda essa história.

A guarda compartilhada trouxe, de fato, uma enorme mudança na visão familiar dos tempos antigos. Demonstrou com eficácia que nem a mãe, nem o pai, possuem de forma unilateral todo a responsabilidade pelos filhos, ela deve ser equilibrada e disposta entre os dois.

Mas, o que fazer quando os pais se separam, ou mesmo nunca estiveram realmente juntos e um deles decide morar longe, ou necessita? Eis a tese tão mal falada.

O artigo 84, inciso II do Estatuto da Criança e do Adolescente é enfático ao dizer que quando se trata de viagem ao exterior deve-se estar acompanhado dos dois pais ou portar autorização de documento com firma reconhecida do outro responsável.

Isso é válido, visto que existem, ainda, muitos casos de crianças que somem ou entram em jurisdições diferentes da Brasileira e não se conseguem um retorno ou reposta para o outro lado, o outro responsável.

O caso concreto destas questões se inserem em tumultuadas circunstâncias particulares e deixam, realmente, o tema difícil de ser colocado por critérios objetivos.

Primeiramente, colhe elogios ao avanço da legislação quando reverteu o centro de preocupação destas questões, deixando de lado os pais para enfim acoplar a criança como principal fator dos temas. Foi com o artigo 227, caput da nossa Constituição Federal e nos artigos 4º, caput e 5º do ECA que surgiu, então, o embasamento do Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

Ele é o primeiro fator a regular essas tais questões. De uma maneira mais simples é dizer que, sempre vai ser colocada a criança como cerne da questão, é dela que vai sair a solução do problema. A criança é um ser em desenvolvimento, conforme artigo 6º do ECA, e é a ela que deve ser congregado os melhores aspectos durante seu crescimento.

Decisão nesse sentido o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

AÇÃO DE GUARDA – GUARDA PROVISÓRIA EM FAVOR DA MÃE – SUPRIMENTO DO CONSENTIMENTO PATERNO – VIAGEM DOS FILHOS AO EXTERIOR – MELHOR INTERESSE DAS CRIANÇAS. Cabível o suprimento do consentimento paterno para que os filhos possam deixar o país na companhia da mãe, quando demonstrado que a medida atenderá o melhor interesse das crianças.

(TJ-DF - AGI: 20140020158827 DF 0016001-06.2014.8.07.0000, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 29/10/2014, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 14/11/2014 . Pág.: 123).

Apesar de se distanciar de um dos pais, fisicamente, a melhor decisão será aquela que estiver com base nos critérios do interesse do menor. A criança não tem a responsabilidade de enfrentar as questões dos pais, mas apenas se desenvolver da melhor forma possível.

O que não se pode tirar de análise é que muitas vezes a imaturidade vem dos pais. Eles inflam os egos e discutem entre si para machucar um ao outro. As brigas do relacionamento interfere e deixa falar mais alto do que a qualidade da vida da criança. É nesse momento que cumpre não só a justiça, mas também o advogado, cumprir com o papel conciliatório.

A advocacia moderna precisa aprender a se desprender dos ultrapassados meios de solução de lide. O empreendedorismo, hoje tão em foco, deve infiltrar na área para mostrar novos caminhos, mais adequados, menos dolorosos e que condizem com o fim da profissão, qual seja: resolver os problemas dos clientes e da sociedade como um todo.

Sabemos que nem sempre é possível, e que muitas das vezes as partes não tem senso. Existem diversos casos de agressão, de abuso sexual e etc. Estes precisam de atitudes mais enérgicas e estão mais óbvios que os outros. Mas, não é um desses que me deparei.

O tribunal de Santa Catarina decidiu recentemente e deu uma justa posição para o caso:

AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA C/C SUPRIMENTO DE CONSENTIMENTO PATERNO. VIAGEM AO EXTERIOR COM MUDANÇA DEFINITIVA DE DOMICÍLIO DO INFANTE, DE 11 ANOS DE IDADE, A FIM DE QUE RESIDA NA COMPANHIA DA MÃE, NA INGLATERRA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PELO GENITOR, POR PURO INCONFORMISMO DE O MENINO IR RESIDIR COM A GENITORA NO PAÍS ESTRANGEIRO. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA QUE REVELA QUE OS LAÇOS AFETIVOS EXISTENTES ENTRE MÃE E FILHO SUPERAM A DISTÂNCIA FÍSICA DIÁRIA. INFANTE QUE SEMPRE ESTEVE SOB OS CUIDADOS DELA E, APÓS A SUA MODIFICAÇÃO DE DOMICÍLIO, OCORRIDA EM 2010, PASSOU À GUARDA DA AVÓ MATERNA. VÍNCULO COM O GENITOR QUE, EMBORA TERNO, SE CONCENTRA NAS VISITAS QUINZENAIS. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DO PAI NO COTIDIANO DO FILHO. GARANTIDA, DE OUTRA PARTE, A ESTADIA PERIÓDICA COM O PAI DURANTE PARTE DAS FÉRIAS ESCOLARES. COMUNICAÇÃO QUE TAMBÉM PODERÁ OCORRER ATRAVÉS DA INTERNET, COMO ACONTECEU COM A MÃE NOS ÚLTIMOS 6 ANOS. SOLUÇÃO QUE MAIS SE ADEQUA AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. AMBIENTE QUE SERÁ PROPÍCIO AO SEU DESENVOLVIMENTO, INCLUSIVE COM NOVAS OPORTUNIDADES DE APRENDIZADO. ACERTADA A DECISÃO QUE ACOLHEU O PEDIDO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA E PERMITIU A VIAGEM SEM O CONSENTIMENTO PATERNO. LIMITAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO, TODAVIA, AO PRAZO DE 2 ANOS, NOS TERMOS DO ART. 83, § 2.º, DO ECA. RECURSO DESPROVIDO.

Mas, ainda sim, o caso é muito abrangente. E deve levar vários aspectos para as decisões tomadas.

Conquanto, coloco a posição do advogado Fernando Malheiros Filho, que sustenta os pontos objetivos das questão:

“A situação poderia envolver maior complexidade se a transferência de domicílio dá-se do país para o exterior, mas não parece que nem mesmo essa situação, ainda mais em um mundo interligado pela informática e pelas instituições, deva servir de obstáculo à guarda, presente o interesse do menor em manter-se na companhia do guardião, sempre considerando que a Carta Magna assegura ao cidadão o direito de ingressar ou sair do território nacional (CF, art. 5º, XV), e que para a viagem ao exterior a lei atribui ao Juiz a possibilidade de conceder a autorização (ECA, art. 83, § 2º), cuja concessão deve ter em mira os interesses do menor, nisso incluindo-se, a toda evidência, a preservação do núcleo familiar em que ele encontra-se inserido”

A unidade familiar já concretizada para a criança deve ser mantida se não houver justificativa maior. É a segurança que se tem de que o mundo do menor não vai cair de cabeça para baixo de uma hora para outra.

Nisso, surge também o ponto do local da ação. Entendo que ele deve sempre se adequar também ao melhor interesse da criança, visto que é a ela que se deve dar segurança. E, diante de casos de guarda unilateral, com aquele que a detém, conforme artigo 50 do Código de Processo Civil, artigo 147, II do ECA e súmula 383 do STJ. Se não, vejamos:

Art. 50. A ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente.

Art. 147. A competência será determinada:

I - pelo domicílio dos pais ou responsáve;

Súmula 383 SJT - A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda.

Mas, ainda, o Código Civil Brasileiro é bem objetivo quando se trata de guarda compartilhada e indica:

"Art. 1.583...

§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)."

Ou seja, a criança precisa ser preservada. Sendo o princípio da Dignidade da Pessoa Humana basilar da nossa democracia, seria imprudente jogar nas costas de um menor todo o peso das decisões dos pais; a insegurança, a insensatez.

Enquanto as pessoas não aprenderem a sustentar suas emoções, a não se deixar levar pelos sentimentos e começarem a traçar rumos certos na vida, muitos casos assim vão se perdurar.

Que o advogado esteja preparado não para a sustentação técnica, mas também para se elevar em nível de inteligência emocional e compor a negociação com intelecto e maturidade.

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Rafael Barros Escobar

Advogado - Itajaí, SC


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