GREVE AMBIENTAL: UM RELEVANTE INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO


17/03/2021 às 09h21
Por Ettore Ciciliati Spada

Resumo

 

            O presente artigo reflete sobre a relevância da greve ambiental como instrumento de proteção do bem mais precioso do homem, a vida, demonstrando que os trabalhadores, quando se depararem em uma situação de risco grave e iminente à vida a segurança, à saúde, têm o direito de paralisar suas atividades laborativas. O direito a um meio ambiente de trabalho hígido deve ser assegurador a todos os trabalhadores em virtude de ser um direito fundamental da 3ª dimensão. A greve ambiental é o instrumento que possibilita a luta do trabalhador por melhores condições de trabalho tendo como justificativa a proteção de sua própria vida, não havendo qualquer cunho econômico envolvido, mas tão-somente a defesa da saúde do trabalhador.A metodologia utilizada neste trabalho foi revisão bibliográfica.

 

Palavras-Chave: Meio ambiente do trabalho, greve ambiental, greve.

 

1. Introdução

 

            O presente artigo científico discorre sobre a relevância da greve ambiental como instrumento de proteção da vida dos trabalhadores, quando estes estão diante de situações em que suas vidas, saúde e ou segurança encontram-se em risco grave e iminente, tendo direito, nestas hipóteses, de paralisar suas atividades laborativas quando houver o comprometimento da higidez de seu meio ambiente de trabalho.

            O tema aqui em análise merece maiores reflexões tendo em vista, que apesar da greve ambiental ser um instrumento relevante na proteção da dignidade humana, por tutelar a vida, o mesmo não é muito conhecido pela sociedade em geral, incluindo aqui os trabalhadores, os empregadores e até mesmo os operadores do Direito, visto que são poucas as doutrinas que tratam sobre este importante tema.

A primeira parte do trabalho trata de uma breve explanação acerca da evolução dos direitos fundamentais, para melhor contextualizar e fundamentar o tema, uma vez que a proteção ao meio ambiente de trabalho é um direito fundamental de terceira dimensão. A segunda parte discorre sobre a greve e os demais meios de solução e conflitos trabalhistas coletivos, para deixar clara a definição do instituto da greve, suas extensões e limites e requisitos legais para ser considerada legal. A terceira parte destaca-se a conceituação da greve ambiental, diferenciando-a das greves típicas, explanando acerca de seus requisitos e demonstrando a sua relevância para a proteção do meio ambiente de trabalho.

            Por fim, nas considerações finais é exposta a problemática do tema, deixando clara a finalidade da greve ambiental assim como a sua relevância na busca da proteção do bem do trabalhador mais valioso: a vida.

 

2.Evolução dos Direitos fundamentais até uma preocupação ambiental

 

            A garantia de meio ambiente de trabalho hígido tem se constituído como direito fundamental do trabalhador. Conforme a Constituição Federal de 1988 (art. 200, VIII) o meio ambiente do trabalho deve ser necessariamente incluído na conceituação ampla de meio ambiente. Neste diapasão o artigo 225 prescreve que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

            É nesse sentido que o presente tema tem sua relevância, uma vez que a greve ambiental que é classificada como greve atípica, visa realizar a salvaguarda do meio ambiente do trabalho e da sadia qualidade de vida do trabalhador. Mais do que isso, a greve ambiental é instrumento de garantia dos direitos fundamentais. Trata-se, portanto, de um direito enquadrado como direito de terceira geração ou dimensão.

            Neste diapasão, para melhor fundamentar e contextualizar o tema, necessário se faz uma breve explanação acerca da evolução dos Direitos fundamentais.          

            Inicialmente cumpre esclarecer que para o estudo da evolução dos direitos fundamentais é importante compreendermos a difundida e didática teoria das gerações dos direitos fundamentais, proposta por KarelVasek. Referida teoria propõe a ideia de que a evolução dos direitos humanos fundamentais poderia ser compreendida por meio da identificação de três “gerações” de direitos. Ou seja, segundo esta classificação, cada geração de direitos fundamentais poderia ser identificada por características específicas encontradas em momentos sucessivos da História.

            Vale esclarecer também que, por uma questão terminológica, boa parte da doutrina prefira utilizar a expressão “dimensões” ao em vez de “gerações”, uma vez que a expressão “gerações” pode criar a falsa impressão de que uma geração de direitos fundamentais se sobreponha a outra por ser historicamente mais recente. O que não é verdade. Deste modo, a expressão “dimensões de direitos fundamentais” traz a ideia de que os direitos fundamentais se somam e de que há uma unicidade e indivisibilidade entres estes relevantes direitos. Nesse sentido é importante destacarmos o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet:

 

“Por outro lado, tanto as constituições quanto os direitos nelas consagrados se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do direito internacional, de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto às transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a “teoria dimensional” dos direitos fundamentais não aponta, tão somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno direito internacional dos direitos humanos” (SARLET, 2014, p. 273).

 

            Feito esta ressalva quanto à questão terminológica é importante tecermos algumas considerações acerca das principais características de cada uma das dimensões dos direitos fundamentais.

 

2.1. Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão

           

            Os direitos fundamentais de primeira dimensão são compreendidos pelos direitos individuais, também conhecidos como as liberdades públicas ou direitos civis e políticos.

            Os direitos individuais são garantiasque todos osindivíduos possuem, no sentido permissivo ou pelo menos não proibido de fazer alguma coisa. O titular desses direitos é o individuo que os opõem Erga Omnes, principalmente contra o Estado. Nesse contexto, é oportuno destacarmos o entendimento de Silvio Beltramelli Neto a respeito da evolução dos direitos humanos:

 

“É possível perceber-se que a evolução dos direitos humanos, ou melhor, a sua expansão, seguiu as necessidades dos indivíduos e as eventuais satisfações delas. Conforme uma necessidade ia sendo suprida, como por exemplo, o direito à vida, outras nasciam, como é caso do direito à liberdade, à intimidade, etc”. (NETO, 2014, p. 71).

 

            Vale ressaltar que os direitos fundamentais de primeira geração são apresentados como direitos de cunho negativo, no sentido de abstenção do Estado em interferir nos direitos individuais.

 

2.2. Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão

 

            Os Direitos de Segunda Dimensão, também conhecidos como direitos sociais, econômicos e culturais, são direitos que surgem após o término da Primeira Guerra Mundial. A Segunda Dimensão dos Direitos Fundamentais é caracterizada por uma postura positiva do Estado, no sentido de que o Estado deveria agir para garantir os direitos da coletividade. “O mais importante ponto dos direitos dessa geração é a percepção deque a proteção deve ser não só dos direitos que emanam do indivíduo, mas também dos direitos que ele deve ter pelo fato de viver em sociedade” (NETO, 2014, p. 74).

            Vale destacar que os direitos fundamentais desta dimensão têm ligação com o princípio da igualdade. Isso porque tais direitos surgem em razão dos anseios da classe trabalhadora, que lutavam por melhoria das condições de trabalho e social. Isso porque, com advento da Revolução Industrial, imperava a exploração da classe operária, pelas jornadas excessivas de trabalho, baixíssimas remunerações, abuso do trabalho de crianças e mulheres, locais de trabalho totalmente inadequados por serem insalubres e perigosos, além dos trabalhadores serem tratados com uma postura muito rígida e repressiva por partes dos encarregados.

            Com esta notória exploração imposta à classe operária, provocou um advento de uma quantidade enorme de greves e rebeliões por toda Europa, movimentos estes, notoriamente da classe operária, que ansiava por uma atitude positiva do Estado, no sentido de impor limites às explorações, momento ao qual surgem os direitos sociais e convalida-se o princípio da igualdade.

            Vale destacar também, que os direitos trabalhistas não foram os únicos a surgirem na segunda dimensão dos direitos fundamentais. Neste sentido pondera George Marmelstein:

 

“Além dos direitos trabalhistas, o Estado do bem-estar social também se compromete a garantir os chamados direitos econômicos, sociais e culturais, que são aqueles direitos ligados às necessidades básicas dos indivíduos, independentemente de sua qualidade de trabalhador, como alimentação, saúde, moradia, educação, assistência social, etc. O reconhecimento desses direitos parte da ideia de que, sem as condições básicas de vida, a liberdade é uma formula vazia. Afinal, liberdade não é só  a ausência de constrangimentos externos à ação do agente, mas também à possibilidade real de agir, de fazer escolhas e de viver de acordo com elas”. (MARMELSTEIN, 2014, p. 46)

 

            Portanto, ressalta-se mais uma vez que os Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão são marcados por uma conduta positiva do Estado, ao qual são impostas algumas diretrizes e deveres para que seja garantida à sociedade uma qualidade de vida melhor para que o ser humano possa ter um razoável nível de dignidade para exercer o necessário direito à liberdade.

 

2.3. Direitos Fundamentais de Terceira Dimensão

 

            Os Direitos Fundamentais de Terceira Dimensão são conhecidos como direitos de solidariedade e fraternidade. “Os direitos de solidariedade contemplam o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente sadio e o direito ao patrimônio comum da humanidade” (NETO, 2014, p. 74).

            Estes direitos surgem com o fim da Segunda Guerra Mundial, por meio de um movimento mundial no sentido de internacionalizar os valores ligados a dignidade da pessoa humana, com base na crença que estes valores deveriam ser universais. Neste diapasão que é cada vez mais frequente o aparecimento de tratados internacionais, que são assinados por diversos países e que visam a proteção de valores e direitos ligados a dignidade da pessoa humana, como forma de se estabelecer um padrão ético de forma globalizada.

            Podemos observar o avanço dessa nova dimensão de direitos fundamentais quando tratamos da proteção ao meio ambiente. Isso porque tivemos convenções internacionais que tratam da proteção ao meio ambiente: Estocolmo 72, Rio 92 e kyoto 98. Sobre este tema é importante destacarmos a observação de Silvio Beltramelli Neto:

 

“O Direito Ambiental só alcançará a sua efetividade plena se for protegido em todos os países do mundo, haja vista os reflexos que um desastre ambiental pode acarretar. Daí ser clara a sua caracterização como direito de solidariedade, um direito de terceira geração”. (NETO, 2015, p. 75).

 

            Considerando, portanto, que a proteção ao meio ambiente que engloba o meio ambiente do trabalho, é um relevante direito fundamental de terceira dimensão, a greve ambiental revela-se como um importante e necessário instrumento de proteção do meio ambiente de trabalhoe da sadia qualidade de vida do trabalhador.

            Nesse sentido, considerando também a existência das diversas formas de composição de conflitos coletivos de trabalho e, que a greve ambiental é considerada como uma greve atípica, necessário se faz uma explanação acerca da greve e das formas de composição de conflitos coletivos de trabalho antes de adentrarmos ao tema aqui em estudo, qual seja, a greve ambiental como um relevante instrumento de proteção ao meio ambiente de trabalho.

 

 

3. Formas de Composição de Conflitos Coletivos de Trabalho

 

            3.1. Autocomposição

 

            Pode-se afirmar que há duas grandes formas de composição de conflitos coletivos, quais sejam a autocomposição e a heterocomposição.A autocomposição é a negociação feita de forma direta entre as partes interessadas sem que haja a intervenção de um terceiro. Aumari Mascaro do Nascimento define a autocomposição como sendo uma “técnica de solução de conflitos coletivos pelas próprias partes, sem emprego de violência ,mediante ajustes de vontade” (NASCIMENTO, 2011, p. 1412). Para Maurício Godinho Delagado:

“A autocomposição ocorre quando as partes coletivas contrapostas ajustam suas divergências de modo autônomo, diretamente, por força e atuação próprias, celebrando documento pacificatório, que é o diploma coletivo negociado. Trata-se, pois da negociação coletiva trabalhista”. (DELGADO, 2012, p. 1316).

 

                        Vale esclarecer ainda que a doutrina classifica a autocomposição como unilateral ou bilateral, conforme há o consenso das partes em compor o litígio (transação) ou quando apenas uma das partes se manifesta renunciando a sua pretensão (renúncia).

 

            3.2. Heterocomposição

 

            Diferentemente da autocomposição, em que as próprias partes solucionam o conflito sem a necessidade da atuação de um terceiro, a hetrocomposição só ocorre quando as partes não conseguem solucionar os conflitos trabalhistas de forma autônoma, necessitando de um terceiro para que haja a solução da divergência. Amauri Mascaro Nascimento define a heterocomposição como sendo a “forma de composição do conflito por meio de uma fonte ou de um poder suprapartes, por estas admitido, ou imposto pela ordem jurídica”. (NASCIMENTO, 2011, p. 1413). Já Maurício Godinho Delgado de forma complementar conceitua:

“A heterocomposição ocorre quando as partes coletivas contrapostas, não conseguindo ajustar, autonomamente, suas divergências, entregam a um terceiro o encargo da resolução do conflito; ocorre também a heterocomposição quando as partes não conseguem impedir, com seu impasse, que terceiro intervenha (casos próprios a dissídios coletivos)”. (DELGADO, 2012, p. 1317)

 

            São exemplos de solução de conflitos por heterocomposição a arbitragem, a mediação e o dissídio coletivo. 

 

            3.3. Autotutela

 

            Na modalidade de composição de conflitos da autotutela, também conhecida como autodefesa, as próprias partes defendem seus interesses. Amauri Mascaro Nascimento define a autodefesa, diferenciando-a da autocomposição:

 

“A autocomposição não se confunde com a autodefesa, que é uma forma de solução de conflito que ocorre quando alguém faz sua defesa por si próprio. É a forma mais primitiva de solução de conflitos. Segundo Alcalá-Zamora, a autodefesa consiste na imposição a alguém do sacrifício do seu interesse não consentido. Não há solução suprapartes nem consensual. A solução é direta e coativa”. (NASCIMENTO, 2011, p. 1413).

 

            A autotutela é aplicada no Direito do trabalho por meio das greves, uma vez que o lockout é expressamente proibido no Brasil conforme Art. 17. da Lei Nº 7.783, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve.

            Vale esclarecer que a greve é um instrumento coercitivo pelo qual se obtém uma autocomposição ou uma heterocomposição, entretanto ela por si só não basta para solucionar um conflito trabalhista. Todavia é com o fim da greve que se chega à solução autônoma ou heterônoma do conflito.

 

            3.4. Greve

                       

                        3.4.1. Definição e Características legais da greve

 

            Há na doutrina diversas definições da greve. No entanto partiremos da definição legal para chegarmos às principais características que definem a greve.

            Conforme disposto no artigo 2º da Lei 7.783, de 1989, greve é a “suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”. Vale destacar também que o direito à greve é uma garantia constitucional. Segundo artigo 9º da Constituição Federal Brasileira: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.

            Para Amauri Mascaro Nascimento greve “é um direito individual de exercício coletivo, manifestando-se como autodefesa”. (NASCIMENTO, 2011, p. 1366). De forma mais abrangente Mauricio Godinho Delgado define a greve como sendo:

 

“... a paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando à defesa ou conquista de interesses coletivos ou com objetivos sociais mais amplos” (DELGADO, 2012, p. 1426).

 

            É importante ressaltar que a greve é um instrumento de autotutela caracterizado pela paralisação parcial ou total das atividades do trabalhadores em face de seus empregadores com o propósito de obter direitos ou benefícios. Na visão de Amauri Mascaro Nascimento:

 

“O que caracteriza doutrinariamente a greve é a recusa de trabalho que rompe com o quotidiano, bem como o seu caráter coletivo. Não há greve de uma só pessoa. Nem haverá, também, sem o elemento subjetivo, a intenção de se pôr fora do contrato para obter uma vantagem trabalhista”. (NASCIMENTO, 2011, p. 1369).

 

            Podemos inferir, portanto, que o instituto da greve possui as seguintes características: I – Caráter Coletivo, uma vez que, necessariamente, o movimento paredista tecnicamente tem que ser coletivo não sendo admitida a paralisação individual; II – Sustação de Atividades Contratuais, ou seja, tem que haver a paralisação provisória das atividades laborativas, ou em outras palavras, a greve só se concretiza com a omissão coletiva dos trabalhadores de suas obrigações contratuais; III - Exercício Coercitivo Coletivo e Direto. Conforme já explanado a greve é instrumento de pressão de autotutela ao qual uma das partes (os trabalhadores) exerce coercitivamente e coletivamente o seu direito de paralização; IV – Visa à obtenção de direitos ou benefícios trabalhistas.

                       

                        3.4.2. Extensão e Limites

 

            Quanto à extensão da greve, no setor privado é bastante ampla haja vista o comando constitucional disposto no artigo 9º que deixa claro ser de competência dos trabalhadores decidir a oportunidade de exercer o seu direito de greve e sobre quais interesses que devam por meio dele defender.

            Em regra, os interesses contemplados na greve, são de cunho contratual trabalhista, reivindicações trabalhistas. Mas isso não quer dizer que outros interesses não podem ser reivindicados. Nesse sentido Mauricio Godinho Delgado observa:

“Isso significa que, a teor do comando constitucional, não são, em princípio, inválidos movimentos paredistas que defendam interesses que não sejam rigorosamente contratuais – como as greves de solidariedade e as chamadas políticas. A validade desses movimentos será inquestionável, em especial se a solidariedade ou a motivação política vincularem-se a fatores de significativa repercussão na vida e trabalho dos grevistas”. (DELGADO, 2012, p. 1434).

           

            Quanto às limitações do direito de greve podemos ponderar que a própria Constituição Federal, no § 1º, do artigo 9º, apresenta algumas limitações. A primeira delas trata sobre a ideia de serviços ou atividades essenciais destacando quea lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

 

“Com isso a Constituição firma qualificativo circunstancial importante na realização dos movimentos paredistas: os serviços ou atividades essenciais. Concretizado o movimento nesse âmbito diferenciado, seus condutores deverão atentar para o atendimento das necessidades inabaláveis da comunidade. Ou seja: o Texto Máximo de 1988 não proíbe a greve em tais segmentos (ao contrário do que já ocorreu em tempos anteriores da história do país); mas cria para o movimento paredista imperiosos condicionamentos, em vista das necessidades inadiáveis da comunidade”. (DELGADO, 2012, p. 1435).

           

            Relativamente aos serviços essenciais, o artigo 10º da Lei n. 7.783/1989elenca os serviços ou atividades consideradas essenciais, relação taxativa e compatível com o entendimento da OIT acerca da prática da greve. São os seguintes:I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; e XI compensação bancária.

            Já a segunda limitação constitucional ao exercício do direito de greve se encontra disposto no § 2º do artigo 9º da Constituição Federal, e, refere-se aos “abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”.

            A Lei n. 7.783/1989em seu artigo 9º assim dispõe:

 

“Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.

 

Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo”.                  

 

                        3.4.3. Requisitos

 

            Cumpre esclarecer que apesar do exercício do direito de greve ser uma garantia constitucional, para o movimento paredista ser considerado válido ele deve preencher alguns requisitos que a lei infraconstitucional estabelece.

            Nesse sentido temos como primeiro requisito, conforme disposto no caput do artigo 3º da Lei 7.783/1983, é a ocorrência da real tentativa de negociação, antes da cessação coletiva do trabalho.            “Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho” (art. 3º, caput, da Lei 7.783/1989). Vale destacar que, inclusive, é entendimento majoritário da jurisprudência, no sentido de considerar abusiva a greve levada a efeito sem que as partes hajam tentado, direta e pacificamente, solucionar o conflito que lhe constitui o objeto (OJ. n. 11, SDC/TST).

            O segundo requisito esta previsto no artigo 4º da Lei 7.783/1989, que dispõe ser necessária a aprovação em assembleia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços. Além disso, a lei respeitará os critérios e formalidades de convocação e o quórum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve, estabelecidos no respectivo estatuto sindical.

            O terceiro requisito, conforme regra estabelecida no parágrafo único do artigo 3º da lei. 7.783/1989 se refere a necessidade de realizar um aviso-prévio a parte adversa, que em regra geral, será dado com antecedência mínima de 48 horas, ou de acordo com artigo 13º da referida lei, tratando-se de serviços essenciais, o prazo mínio do aviso prévio será de 72 horas da paralização, e, a comunicação deverá contemplar também o público interessado, além dos empregadores.

            O quarto e ultimo requisito trata à respeito “ao atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade, contexto de em serviços ou atividades essenciais (art. 9º, 1º, CF/88 c/c. arts. 10, 11 e 12, Lei de Greve)” (DELGADO, 2012, p. 1437)

 

                        3.4.4. Greves típicas e atípicas

 

            Considerando esta breve explanação acerca do instituto da greve, suas extensões e limitações e seus requisitos legais, é importante esclarecermos que a greve se classifica em dois tipos, quais sejam as greves típicas e as greves atípicas. Tal classificação é relevante para o estudo aqui proposto, tendo em vista que a greve ambiental é classificada como greve atípica uma vez que as greves atípicas são, normalmente, manifestações que visam a obtenção de melhores condições de trabalho sem, entretanto, poderem ser enquadradas no sentido mais estrito do termo. Nesse sentido a greve ambiental se difere das greves tradicionais por não exigirem as mesmas formalidades e requisitos para serem consideradas lícitas.

            São consideradas típicas a greves que observam as determinações legais, sendo, tutelada pela ordem jurídica. São exemplos de greves típicas os movimentos grevistas com fins contratuais, para obter melhores condições de trabalho, diminuição da carga horária, aumento de salário, greve de horas extras, etc. Esses movimentos podem ter prazo Indeterminado, determinado ou ser apenas greve de advertência, como no caso da greve relâmpago, também conhecida como wildcatstrike.

            Já as greves denominadas atípicas são aquelas em que os fins a serem tutelados não são estritamente contratuais. Estes são substituídos por outros, como de protesto, de ordem política, sociais, partidária ouate mesmo de solidariedade. Relevante esclarecer que as greves atípicas apresentam uma grande diversidade de formas quanto aos sujeitos, modos de exercício e fins a alcançar. São exemplos de greves atípicas a greve de zelo, onde os trabalhadores seguem rigorosamente as normas internas da empresa; a greve de rendimento, ou braços-cruzados, onde há redução gradual ou abrupta das atividades laborativas; o lock-in, que ocorre quando há ocupação do espaço de trabalho sem que haja prestação de labor; a greve ambiental, objeto de estudo que será analisado a seguir.

            Embora sejam consideradas atípicas, estas movimentações não podem ser consideradas ilegais uma vez que não há previsão legal em sede constitucional tão pouco em sede infraconstitucional.

 

 

4. Greve ambiental

           

            4.1. Introdução

            Conforme já discorrido anteriormente, a greve é um direito básico do trabalhador, que se manifesta coletivamente como autotutela. Sua relevância é tamanha, que o seu exercício é uma garantia constitucional, consoante disposto no art. 9º da CF, cabendo aos trabalhadores decidirem a oportunidade de exercer o direito de greve e sobre quais interesses que devam por meio dele defender.

            No mesmo sentido, não resta dúvidas quanto à relevância da greve ambiental, considerando ser este, como um direito fundamental, que visa tutelar, não uma questão econômica, mas sim a vida, a saúde e segurança dos trabalhadores.“E se assim o é, indubitavelmente a importância desse instrumento democrático na defesa e proteção do mais importante direito da pessoa humana: a vida” (MELO, 2013, p. 119).

            Deste modo, o objetivo principal da greve ambiental é a higidez do meio ambiente do trabalho, sendo a paralisação dos serviços apenas o meio para atingi-lo.  Por esta razão que a greve ambiental difere-se do movimento paredista tradicional, pois esse é o seu objetivo, tutelar a vida, não envolvendo qualquer interesse econômico.

           

            4.2. Conceito, Finalidade e Requisitos para seu exercício.

 

            Não há em nossa legislação a conceituação da greve ambiental. Na doutrina, entretanto, podemos encontrar alguma definição sobre o tema. Raimundo Simão de Melo a conceitua da seguinte maneira:

 

“a paralisação coletiva ou individual, temporária, parcial ou total da prestação de trabalho a um tomador de serviços, qualquer que seja a relação de trabalho, com a finalidade de preservar e defender o meio ambiente do trabalho de quaisquer agressões que possa prejudicar a segurança, a saúde e a integridade física e psíquica dos trabalhadores” (MELO, 2013, p. 119/120).

 

            Do conceito acima apresentado, embora não seja esta a mais ampla conceituação do instituto, entretanto, é importante tecermos algumas considerações para melhor compreendermos a greve ambiental.

            A primeira consideração a ser feita diz respeito de a paralisação poder ser coletiva ou individual. Isso porque na doutrina, seja ela nacional ou internacional, não é concebível a ideia de greve individual, pois historicamente, a greve surge como um movimento coletivo da classe operária. Portanto quando tratamos da greve ambiental, tal mudança de entendimento no sentido de permitir a paralisação individual, se faz necessário. Isso porque, diante uma situação de risco grave e iminente, mesmo que todos os outros trabalhadores discordem, basta apenas que um se manifeste reivindicando segurança no seu ambiente de trabalho. Sobre esta questão, Raimundo Simão de Melo contextualiza:

 

“Como importante, as Constituições de Rondônia (art. 244, inciso III) e de São Paulo (art. 229, § 2º), entre outras Cartas Constitucionais estaduais brasileiras, asseguram ao trabalhador o direito de recusa ao trabalho, sem nenhum prejuízo salarial e de outros direitos, no caso de risco grave e iminente, até a eliminação total deste. A Carta de Rondônia, especialmente, assegura a permanência no emprego do trabalhador recusante.” (MELO, 2013, p. 120).

 

            Referida contextualização do tema é oportuna uma vez que, embora a greve ambiental seja um relevante instrumento de proteção da vida e saúde dos trabalhadores, estes, podem ter receio de exercer este importante direito fundamental, uma vez que, casoestes o fizerem, poderão ser ameaçados de perderem o seus empregos. Por esta razão, a existência de dispositivos legais tutelando a greve ambiental, garantindo aos empregados recusantes, a permanência no emprego é essencial para a viabilidade da greve ambiental.

            A segunda consideração relevante a ser feita é sobre a prestação de trabalho a um tomador, qualquer que seja a relação de trabalho.  Ou seja, a tutela ao meio ambiente de trabalho hígido deve abranger todo e qualquer tipo de trabalho, ofício ou profissão. Portanto, levando em consideração que a proteção ao meio ambiente de trabalho devem ser considerados todos tipos de trabalhadores, lato sensu, a greve ambiental deve ser exercida contra qualquer tomador de serviços, seja ele publico ou privado, que exponha o trabalhador a risco.

            Por fim a ultima consideração a ser feita diz respeito à finalidade de preservar e defender o meio ambiente de trabalho. A natureza da greve ambiental não é econômica, mas de assegurar a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII da CF) bem como de garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, da CF).

            Vale ressalvar que não é de hoje a existência de reivindicações dos trabalhadores sobre condições salubres de trabalho. Porém, infelizmente, em razão da realidade dos trabalhadores, as prioridades das reivindicações são de cunho meramente econômico, restando em segundo plano as reivindicações de saúde e segurança dos trabalhadores, inclusive as que tratam sobre a vida também ficam em segundo plano na lista de reivindicações da maioria dos sindicatos.

            Quanto aos requisitos para o exercício da greve ambiental, são imprescindíveis que as reivindicações dos trabalhadores sejam, todas, no sentido de regularizar condições ou situações que estejam colocando em perigo grave e iminente para a vida e saúde dos trabalhadores.

            Ausente este requisito, a greve será considerada com uma paralisação comum ou típica. Ou seja, na hipótese das reivindicações dos trabalhadores serem no sentido de melhores condições gerais de trabalhos, tais como a eliminação ou diminuição de agentes insalubres, ou até mesmo no sentido de por exemplo ser implantado Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, tais reivindicações serão consideradas como típicas e deverão seguir os requisitos presentes na Lei. 7.783/89, a Lei das Greves.

            Já se tratando de riscos graves iminentes, aos quais, por exemplo, o risco de causar acidente é imediato, não podendo ser evitado, a não ser que sejam imediatamente eliminado, estes sim autorizam o exercício da greve ambiental.

            Vale salientar que nos casos em que o risco é considerado grave e iminente, a greve ambiental além de legítima é essencial para proteção da vida dos trabalhadores. Portanto, tratando-se de greve ambiental, por razão lógica, levando em consideração uma situação em que os trabalhadores correm risco iminente de morrerem, não podem depender do cumprimento de requisitos formais estabelecido na Lei. 7.783/89, nem mesmo nas chamadas atividades essências. Nesse sentido é oportuno o destaque feito por Georgenor de Sousa Franco Filho:

 

“Não se deve cogitar de abuso do direito de greve no caso de greve ambiental, invocando o caput do art. 14 da Lei n. 7.783, de 28.06.1989. A paralisação em comento visa pôr fim a situações que causam dano ao trabalhador, e persistirá até que isso seja superado, salvo, evidente, que o que foi celebrado autonomamente (acordo ou convenção coletiva de trabalho) ou decidido hetenomamente (sentença normativa da Justiça do Trabalho) efetivamente faça desaparecer aquelas condições”.(FILHO, 2017, p. 446).

 

            Esta observação é relevante, pois, embora a greve ambiental seja essência para a preservação do maior bem humano: a vida, também não podemos aceitar que a mesma seja utilizada em qualquer situação, tendo como finalidade, se esquivar dos pressupostos formais presentes na Lei 7.783/89. Mesmo porque, em caso em que foi celebrado acordo ou convenção coletiva de trabalho, ou já foi decidido por sentença normativa da Justiça do trabalho, o requisito essencial de validade da greve ambiental perde sua eficácia.

 

5. Considerações Finais

 

            Considerando que a proteção ao meio ambiente que engloba o meio ambiente do trabalho, é um direito fundamental de terceira dimensão, a greve ambiental revela-se como um essencial instrumento de proteção ao bem humano mais valioso: a vida.

            Diante de situações em que o trabalhador encontre violação às condições mínimas do ambiente de trabalho, ou seja, quando houver grave e iminente perigo à saúde, vida, segurança e higiene, é essencial que os trabalhadores sejam conscientizados sobre a possibilidade de deflagrar greve ambiental, paralisando suas atividades laborativas, sem prejuízos de seus salários e que haja garantia de seus empregos.

            Ressalta-se que embora parte da doutrina apenas considere válida a greve quando exercida coletivamente, em verdade é válida a greve ambiental coletiva assim como a individual, uma vez que o bem tutelado pela greve ambiental é a vida, a saúde e segurança dos trabalhadores.

            Salienta-se o fato de que quando as reivindicações tratarem sobre riscos comuns, que são aquelas em que se pleiteiam melhorias nas condições gerais de trabalho, estas deveram respeitar os requisitos formais estabelecidos pela Lei. 7.783/89. No entanto, quando as reivindicações tratarem sobre riscos graves e iminentes ao bem humano mais precioso, a vida, referidos requisitos legais devem ser ignorados e deve ser encorajada a deflagração da greve ambiental.

            Portanto, pode-se concluir quepara que haja uma efetiva proteção ao meio ambiente de trabalho é essencial tornar a greve ambiental mais conhecida pelos trabalhadores e pela sociedade em geral, pois apesar do direito ao meio ambiente de trabalho saudável e digno ser um direito fundamental garantido constitucionalmente, a greve ambiental, é um instrumento muito pouco aplicado na prática, inclusive pode-se ate afirmar, que é um tema relativamente desconhecido até mesmo entre os operadores do Direito.

  • Meio ambiente do trabalho, greve ambiental, greve

Referências

ARAUJO,Luana Oliveira. Greve ambiental: possibilidade de admissão no ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Direito do Trabalho | vol. 182/2017 | p. 173 - 192 | Out / 2017DTR\2017\6327;

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11. Ed. São Paulo: LTr, 2012;

FILHO, Georgenor de Sousa Franco, Curso de Direito do Trabalho, 3. Ed. São Paulo: LTr, 2017;

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional. 37. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19. Ed. revista atualizada, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores;

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 5. Ed – São Paulo: Atlas, 2014;

MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTr, 2013;

NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho. 26. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011;

NETO, Silvio Beltramelli. Direitos Humanos. Bahia: Editora JusPodivm, 2014;

SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero. 3. Ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.


Ettore Ciciliati Spada

Advogado - Paulínia, SP


Comentários