PALAVRAS-CHAVE
Negociado x legislado, Flexibilização, Negociação Coletiva, Lei. 13.467/2017.
1. Introdução
A possibilidade de a Negociação Coletiva prevalecer sobre o legislado é tema de grande relevância, uma vez que desde 11 de novembro de 2017, data em que entrou em vigor a Lei 13.467/2017, o rol de direitos que podem ser negociados foi bastante ampliado e tal fato gera grande repercussão social.
O Presente artigo abordará, em linhas gerais, sobre as funções e princípios do direito coletivo para demonstrar a importância das negociações coletivas antes e depois da entrada em vigor da lei da Reforma Trabalhista, levando em consideração o temor social ante a supressão de garantias e direitos fundamentais dos trabalhadores.
2. Funções e Princípios do Direito Coletivo do Trabalho – Negociação Coletiva
O Direito Coletivo do Trabalho possui funções gerais e específicas. As funções gerais são comuns a todo direito do trabalho e envolvem a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem sociecômica e o caráter modernizantee progressista. Já as funções específicas compreendem a geração de normas coletivas (autonomia privada coletiva que se expressa nos Acordos Coletivos e Convenções Coletivas), bem como a solução de conflitos coletivos de trabalho, através do entendimento direto entre os entes coletivos ou entre sindicato obreiro e empresa, ou ainda, através de busca do entendimento com a intermediação de terceiros.
A função sociopolítica se da com a verificação da atuação das entidades sindicais que deve ser pautada na participação democrática de todos os integrantes das categorias profissionais e econômicas envolvidas. A atuação sindical converte-se em órgão ativo da comunidade pública e instrumento de qualificação do intervencionismo na busca de uma transformação da sociedade.
Por fim temos a função econômica que consiste em adequar as relações de trabalho à realidade econômica, visando melhorias salariais a partir do exercício da negociação direta.
Com relação aos princípios específicos do direito coletivo do trabalho, inseridos na constituição podemos citar os seguintes: a liberdade e autonomia do ente sindical (art. 8º, I); unicidade sindical (art. 8º, II); a obrigatoriedade de participação da entidade sindical profissional no processo de negociação coletiva (art. 8º, VI); O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas do trabalho (art. 7º, XXVI); A liberdade de filiação de desfiliação (art. 5º, XX e art. 8º, V) e a proteção dos representantes dos empregados (art. 8º, VIII).
Embora já tenha ocorrido alteração em razão da entrada em vigor da nova legislação trabalhista, em 11 de novembro de 2017, é importante destacarmos também o principio nomeado por Maurício Godinho Delgado, como princípio da adequação setorial negociada, que nos informa sobre a possibilidade de aplicação do negociado sobreo legislado, sob condições de garantia de melhores condições ao trabalhador.
Resta claro, portanto que a força normativa das convenções e acordos coletivos está presente, tanto em âmbito constitucional, conforme dispõe o artigo 7º, XXVI da Constituição Federal, quanto em âmbito infraconstitucional como se observa do disposto nos artigos 619 e 620 da CLT.
Art. 7º, inciso XXVI da Constituição Federal:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;”
Art. 619 da Consolidação das Leis do Trabalho:
“Art. 619. Nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada nula de pleno direito.”
Art. 620 da Consolidação das Leis do Trabalho:
“Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.”
Importante destacar também que a relevância da negociação coletiva é tamanha que no plano internacional, esta prevista no artigo 2º da Convenção da Organização Internacional do Trabalho n. 154, que dispõe o que segue:
“Para efeito da presente Convenção, a expressão "negociação coletiva" compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de:
a) fixar as condições de trabalho e emprego; ou
b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou
c) regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.”
Resta claro, portanto que a relevância da negociação coletiva é absoluta para o equilíbrio das relações de trabalho no país, porquanto é através desse processo que os agentes da produção vão dialogar e buscar não só condições de trabalho apropriadas às particularidades de cada segmento profissional, mas também tentar resolver suas desavenças e solucionar os conflitos coletivos de interesse.
Conforme acima demonstrado, a negociação coletiva possui diversas funções. Serve para concertação política, quando tem por objetivo o alcance de alianças de poderes; tem finalidade pacificadora, na existência de divergências de interpretação de determinada lei ou norma coletiva (auto composição); tem função social, ao proporcionar o sentimento de pacificação com a obtenção de acordos de grupos organizados.
Nesse sentido, não restam dúvidas acerca da importância do que foi pactuado em negociação coletiva deve ser respeitado. Tal fato torna-se ainda mais relevante com a entrada em vigor da lei 13. 467/2017, que reconheceu a prevalência das regras negociadas sobre as legisladas sem que seja necessário respeito ao chamado patamar mínimo civilizatório.
3. Flexibilização e a Lei 13. 467/2017
Antes de adentrarmos nas mudanças trazidas pela Lei 13.467/2017, no tocante ao tema aqui abordado, necessário se faz, uma explanação acerca do instituto conhecido como flexibilização. Isso porque as “novidades” trazidas pelo artigo 611-A da CLT, na realidade foi um rol taxativo dos direitos trabalhistas que podem ser flexibilizados.
Sem muita delonga sobre o assunto, flexibilização no direito do trabalho trata-se de expressão voltada para intitular um contexto de alterações da legislação trabalhista que possibilita excetuar alguns direitos trabalhistas, tornando-os maleáveis. A flexibilização dos direitos trabalhistas é claramente uma exceção ao princípio da norma mais favorável ao trabalhador. Isto porque o referido princípio informa que havendo conflito entre duas ou mais normas vigentes e aplicáveis à mesma situação jurídica, deve-se preferir aquela mais vantajosa ao trabalhador.
Importante esclarecer que a flexibilização não é uma novidade trazida pela reforma da CLT. Pelo contrário, há tempos que este instituto é estudado pela doutrina e aplicado na legislação. Sua previsão encontra-se guarida até mesmo na Constituição Federal. Como exemplo podemos citaro artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV.
Vale ressaltar que o negociado prevalecer sobre o legislado como sendo uma forma de flexibilização, requer a atuação incondicional do sindicato profissional, por força do disposto no artigo 8º, VI da Constituição. Por outro lado, em face dos princípios protetores do direito trabalhista, as negociações coletivas são instrumentos de progresso e não de retrocesso social. Isso porque a eventual redução de direito assegurado por lei só será licita mediante contrapartida equivalente ou mais vantajosa para os trabalhadores.
Ocorre que com a entrada em vigor da lei 13.467/2017 o rol dos direitos trabalhistas que podem ser flexibilizados foram ampliados. No entanto, é importante asseverar que a listade direitos elencados no artigo 611-A, que podem ser negociados apesar da lei é numerusclasus, ou seja, fechada, não comportando ampliação. Por sua importância para a pesquisa, passo a expor o artigo 611-A da CLT em sua integralidade:
“Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II - banco de horas anual;
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
VI - regulamento empresarial;
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X - modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI - troca do dia de feriado;
XII - enquadramento do grau de insalubridade;
XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.
§ 1º. No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3o do art. 8o desta Consolidação.
§ 2º. A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.
§ 3º. Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.
§ 4º. Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.
§ 5º. Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos.”
Conforme acima explanado, o artigo 611-A da CLT traz o rol dos direitos trabalhistas que podem ser negociados. Ademais , levando em consideração algumas questões hermenêuticas, contidas nos parágrafos do referido artigo, salta-se aos olhos o disposto no § 1º que remete ao § 3º do art. 8º da Clt, com redação dada pela Lei 13467/2017. Referido dispositivo dispõe que a Justiça do Trabalho se limitará a examinar os pressupostos do negócio jurídico, previstos no artigo 104 do Código Civil, quais sejam: agente capaz; objeto lícito, possível e determinado ou determinável; forma legal ou não proibida por lei. Além disso, vale destacar que referido artigo esta ligado com os arts. 138 e seguintes do Código Cívil, que tratam dos vícios de consentimento, como o erro, dolo, coação estado de perigo, fraude etc.
Resta claro, portanto, que em decorrência do artigo 611-A, foi estabelecida uma liberdade de negociação, não mais limitando a criatividade dos interlocutores trabalhistas, relacionando expressamente, em seus incisos, alguns temas que podem ser objeto de pactuação entre as partes. De toda sorte, caberia aos juristas apenas fazerem a análise, ante ao caso em concreto, dos pressupostos de validade das convenções ou acordos coletivos de trabalho, assim como qualquer outro negocio jurídico.
Apesar da existência do mencionado rol de direitos trabalhistas que podem ser flexibilizados, o legislador reformista dispôs também, no artigo 611-B, o rol de direitos que não podem ser reduzidos ou excluídos por negociação coletiva. São eles:
“Art. 611-B.Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
IV - salário mínimo;
V - valor nominal do décimo terceiro salário;
VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
VIII - salário-família;
IX - repouso semanal remunerado;
X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;
XI - número de dias de férias devidas ao empregado;
XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;
XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei;
XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
XIX - aposentadoria;
XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;
XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;
XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;
XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;
XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;
XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;
XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;
XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;
XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.”
É importante destacar que este rol são os direitos mínimos garantidos pelo artigo 7º da Constituição Federal, que não podem ser alterados por lei ordinária. Resta claro, portanto, que estes direitos representam apenas o patamar mínimo constitucional e apenas o legislador reformista não tem poder para flexibilizar tais direitos.
Isso não quer dizer, no entanto, que sobre estes direitos não haja margem de negociação. Apena não é permitido reduzir ou suprimir, todavia pode-se negociar o modo de gozo do direito. Como exemplo podemos citar o parcelamento das férias em até três períodos, um dos quais não inferior a 14 dias e dois não inferiores a cinco dias. No entanto, não pode o eu período ser reduzido para menos de 30 dias, tão pouco pode suprimir o adicional de um terço das férias. No mesmo sentido, quanto ao trabalho extraordinário, este pode ser alvo de negociação coletiva, mas o adicional de no mínimo 50% sobre as horas extras deve ser respeitado.
Por fim, é importante consignar que em relação à hierarquia das normas negociais, temos que de acordo com a nova redação do artigo 620 da CLT, as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.
Vale lembrar que a redação anterior dispunha que as condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo. A redação anterior ressalvava o principio fundamental de direito do trabalho da norma mais favorável. A nova redação do mencionado artigo 620, claramente revoga a regra principiológica da condição mais benéfica.
Resta claro, portanto, que estas alterações na lei são prejudiciais aos trabalhadores, uma vez que é mais viável e menos oneroso para as empresas, viabilizar um acordo coletivo para que ele seja aplicado no lugar de uma convenção coletiva. De toda sorte, resta ao aplicador do direito, ficar atento quanto à utilização de acordos coletivos desnecessários em detrimento de convenções coletivas, e observado a má-fé, deve-se aplicar o princípio da norma mais favorável, tendo em vista o imperativo dos artigos 113 e 114 do Código Civil.
4. Considerações Finais
Com o advento da lei 13.467/2017 restou claro que o negociado deve prevalecer sobre o legislado. Além do mais, houve uma notável ampliação do rol de direitos trabalhistas que podem ser negociados. Conforme foi demonstrado, a flexibilização dos direitos trabalhistas não é uma novidade trazida pela legislação reformista, entretanto, é notório que sua aplicação foi intensificada.
Importante destacar também que o fato de o legislador reformista ter inserido o artigo 611-B na CLT, dispondo sobre os direitos que não podem ser negociados no sentido de serem suprimidos ou excluídos, não traz qualquer dádiva aos trabalhadores. Isso porque, tais direitos representam o patamar mínimo constitucional e em razão disso não podem ser flexibilizados.
A preocupação maior que restará acerca da negociação coletiva, principalmente os acordos coletivos, prevalecer sobre a legislação é o fato de os empregados não terem as mesmas condições/ liberdades de negociação de que os empregadores possuem. Ainda é notório o desequilíbrio entre as partes ante a um contrato de trabalho.