Alegações Finais: Estelionato - Art. 171, caput, do Código Penal.


07/06/2018 às 17h21
Por Ivonildo Reis Santos

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA X VARA CRIMINAL DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA-DF

 

PROCESSO Nº.: xxxxxxxxx

 

xxxxxxxxxx, devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem perante Vossa Excelência, por intermédio de seu, com fundamento no art. 403, § 3º, do Código de Processo Penal, apresentar

ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS

pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.

I – DOS FATOS

Consta na exordial que xxxxxx teria, no período de xx a xx de xxx de xxx, na xxxxxxxx LTDA, situado na xxxxxxxxx, Brasília/DF, conscientemente e em unidade de desígnios, mediante a utilização de meio fraudulento, obteve vantagem elícita na quantia de R$ xxxx (xxxxx) em prejuízo de xxxxxx.

Em xxx de xxxx de xxxx, houve o recebimento da denúncia pela suposta prática de Estelionato tipificado no art. 171, caput, do Código Penal, fl. xxx, posteriormente o acusado foi citado, fl. xxxx, e apresentou resposta à acusação, fl. xxx. No prosseguimento do feito não houve absolvição sumária, foi designada data para audiência de instrução e julgamento fl. xxx.

Em juízo foram ouvida avítima xxxxxx e a testemunha xxxxxx. Ato seguinte procedeu-se o interrogatório dos acusados. As oitivas foram gravadas em áudio visual de fl. xxx.

O Ministério Público oferceu Alegações Finais por Memoriais fls. xxxx, requerendo a procedência da pretensão punitiva do estado, nas penas do art. 171, Caput, do Código Penal, tendo os autos sido remetidos a defesa para apresentação das alegações finais.

II - DO DIREITO

DA ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA: AUSÊNCIA DE DOLO.

Para caracterização do delito previsto no art. 171, caput do CP, é imperiosa a comprovação de que o agente tinha por objetivo concretizar todos os elementos contidos no tipo do art. 171 do CP: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.”

O Ministério Público não obteve êxito em comprovar, sem sombra de dúvidas, que o réu tinha o dolo específico de causar prejuízo alheio quando da consumação do suposto delito. Tendo em vista que, na denúncia foi informado que em classificados do jornal Correio Braziliense havia oferecimento de cartas de consórcio já contempladas, no entanto não foram apresentados nos autos, e nem existem indícios de que o acusado prometia as tais cartas contempladas.

Por fim, resta o entendimento de que a ausência do aludido jornal com anúncio de cartas contempladas não é suprida simplesmente pelos depoimentos da vítima ou de qualquer outra testemunha.

Não há provas no processo, que permitem afirmar que o réu teve a intenção de perpetrar a conduta prevista no tipo do artigo 171, caput, do Código Penal – estelionato. No caso específico de xxxxxx, este nunca mencionou que as cartas de crédito oferecidas pela empresa tratavam-se de cartas já contempladas, mas demonstrou que para adquiri-las seria necessário pagar antecipadamente, a título de taxa de adesão, a percentagem de xx% do valor total da carta a ser resgatada.

No caso em exame, deve-se privilegiar o princípio in dubio pro reo eis que seria uma verdadeira afronta aos postulados do Estado Democrático de Direito permitir que uma pessoa seja condenada criminalmente com base em meros indícios de que perpetrou sua conduta com o dolo específico de prejudicar a suposta vítima do delito de estelionato.

O que restou caracterizado nos autos foi a atuação de uma empresa legalmente estabelecida e que se valeu de vendedores e secretária para realizar suas atividades, sendo que no caso de admitir-se a real intenção de fraudar os clientes, ainda assim, não se poderia incriminar seus funcionários sem um conjunto probatório que demonstrasse o dolo específico de cada um. Mais uma vez ressalta-se que os autos não apuram o crime de quadrilha.

Qualquer outra interpretação ou conclusão em relação às provas juntadas autos é teratológica, sem qualquer respaldo no bom senso ou na razoabilidade ou, ainda, nas regras ordinárias de experiência.

Com efeito, não estando cabalmente comprovadas as elementares do tipo (objetivas e subjetivas) é imperiosa a absolvição do acusado nos termos do art. 386, III, do CPP.

DA INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA A CONDENAÇÃO

A exordial acusatória do insigne Ministério Público resumiu-se a denunciar o réu, lastreado por mero relato da suposta vítima e de policiais, pelo crime de estelionato tipificado no art. 171, Caput, do Código Penal.

É possível observar na audiência de instrução e julgamento, a fragilidade no conjunto probatório da acusação. Com efeito, apenas três testemunhas foram ouvidas em audiência sobre a ocorrência dos fatos, sendo estes a vítima xxxxxx, xxxxxx (policial) e a segunda acusada xxxxxx.

É de suma importância destacar o que está expresso na Carta Magna no que diz respeito ao princípio da presunção de inocência. Estabelece o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Tal regra traz, portanto, dentre outras consequências, a de que o ônus probatório, no que diz respeito à materialidade e autoria delitiva, incube ao órgão acusador. Assim, eventual édito condenatório só seria legítimo, ante um conjunto probatório coeso e satisfativo, capaz de afastar qualquer dúvida acerca do fato criminoso apurado. Isso porque, em âmbito processual penal, a dúvida também milita em favor do acusado.

As provas produzidas na fase judicial não foram capazes de trazer aos autos a certeza necessária para a decretação de uma condenação, ou seja, a acusação não apresentou materialidade de que o réu ofereceu carta de crédito contemplada a vítima.

O Parquet, em sua exordial acusatória, relata um evento criminoso supostamente praticado pelo acusado, tipificado no art. 171, caput, do Código Penal Brasileiro, conforme fls. 01 a 04, afirma a autoria do réu xxxxxx e pugna pela sua condenação com base tão somente no depoimento da suposta vítima e de policiais que não apresentaram provas concretas que comprove a existência do estelionato por parte de xxxxxxx, além disso, é válido mencionar que o réu é apenas em pregado da empresa xxxxxxxx. De acordo com os autos, o contrato que a vítima assinou e o próprio comprovante de pagamento se realizou no nome da empresa, ou seja, no nome do dono da empresa em que o acusado trabalhava. (Fls. xxx).

Do depoimento da vítima.

Em seu depoimento (fls. xxx), a vítima xxxxx diz ter visto um anúncio em jornal de suposta venda de carta de consórcio contemplada, no entanto, nem ela, a testemunha xxxxxxx e Ministério Público apresentaram tal anúncio tornando-o prova dos autos. O mais contraditório, é que há declaração da vítima, não soube especificar se realmente o negócio envolvia contemplação antecipada das cartas de consórcio. Mas foi informada de que deveria pagar antecipadamente, a título de taxa de adesão.

A vítima não nega que assinou contrato com a empresa xxxxxxx, portanto em nenhum momento o empregado xxxxxx informou que o resgate da carta estaria condicionado a uma possível contemplação.

Portanto, o que existe é uma série de denúncias na fase investigativa, mas que não restaram comprovadas nos autos do processo.

Do depoimento da testemunha de acusação.

A testemunha de acusação é policiail que trabalhou na investigação. No entanto, não houve comprovação de que o réu xxxxx oferecia diretamente ou por meio de anúncios cartas de consórcio contempladas, portanto o alvo da denúncia deve ser a empresa onde o acusado trabalhava.

A investigação apura o crime de estelionato, e, apesar de, segundo os relatos, existirem vários outros indivíduos na empresa, apenas xxxxxx e xxxxxx está sendo acusado pelo estelionato, sendo que contra todos os empregados da empresa, incluindo o réu, só a prova de seu vinculo empregatício, como narrado pelas vítimas que sempre o enquadraram como vendedor.

Partindo desse pressuposto, quais as provas efetivas contra o Réu xxxxx constantes do processo? Somente o depoimento da vítima e relatos policiais, tendo em vista que xxxxx foi ao encontro da empresa para efetivar o negócio. Portanto, caso haja alguma contuda criminosa na narrativa em tela, esta seria apenas imputada aos proprietários da empresa xxxxxx, tendo em vista que o acusado era apenas um reles funcionário sob mando da empresa.

O que apresentaram o Ministério Público e a testemunha contra xxxxx? Somente o que ouviram da vítima, sendo que foi informado que o acusado era um mero vendedor.

Do contrato assinado com a empresa.

Todos os contratos estão em nome da empresa, o acusado xxxxx não tem seu nome presente em nenhum dos documentos probatórios presente nos autos.

Do comprovante de pagamento

Os comprovantes apresentado pela vítima (fls. xxx) não estão em nome do acusado xxxxx, está em nome do dono da empresa, cujo nome de fantasia é xxxxxxx.

Nesse caso fica claro que, se houve algum crime, deveria ser imputado ao dono da empresa, o qual contratou o Réu xxxxxx para lhe prestar serviços de vendedor, sendo que este não tem qualquer envolvimento ou ingerência em eventuais vantagens decorrentes de suposto prejuízo da vítima.

Dessa forma, estudando o processo resta como prova contra o acusado somente dois depoimentos que não são suficientes para a condenação de xxxxxx.

Note-se as alegações finais do Ministério Público, ao tratar do mérito (fls.xxx) o Parquet diz: “A vítima asseverou que viu um anúncio no jornal sobre consórcios, entrou em contato e foi ao endereço indicado. Afirmou que levou os documentos no escritório, onde estavam xxxx e xxxx e xxxxx, e foi informada que pagaria o valor de R$ xxx (xx) por uma carta que seria contemplada, no valor de R$ xxx (xxx), e já receberia a casa. Asseverou que a taxa foi paga em dinheiro a xxxx, mas passou o prazo imformado para rebebimento da casa e não mais conseguiu contato com xxxxx. Relatou que quem lhe explicou sobre o contrato foi xxx e xxxxx. Informou que não foi ressarcida do prejuízo, mas existe ação cível em curso. Aduziu que xxxxx era vendedor e que foi ele quem lhe explicou sobre a carta de crédito, inclusive falou que receberia um crédito para aquisição da casa e que havia um sorteio.”

Está é a úncia prova apresentada contra o acusado xxxxxxx em todo o processo, não sendo suficiente para sua condenação.

xxxxx era um simples vendedor, que ganhava salário mensal, que não teve sua carteira assinada, com baixo grau de instrução e que não podia prever que xxxxxxx constituísse legalmente uma empresa, para aplicar golpes nas pessoa.

Cosnta nos autos, que a própria vítima compareceu à empresa, conversando pessoalmente com o proprietário, o qual também não resolveu seu problema.

Apesar da ficha criminal do acusado, o crime em tela não pode ser a ele atribuído, pois faltam provas consistentes de que o réu sabia dos fatos.

Insiste a defesa, que as únicas provas apresentadas que poderiam configurar que o réu é culpado dos fatos é o depoimento da vítima.

A este respeito já julgou o STJ:

Ementa: PROCESSUAL PENAL. DEPUTADO FEDERAL. ESTELIONATO. QUESTÃO INERENTE À ESFERA PRIVADA. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS.

I – Denúncia pela suposta prática do crime de estelionato (art. 171, caput, do Código Penal).

II - Obtenção de vantagem ilícita mediante alegada simulação de contrato de natureza civil.

III - Simples descumprimento de dever contratual, em contexto que deveria ter permanecido circunscrito à esfera cível.

IV - Atipicidade (art. 386, III, do Código de Processo Penal).

V - Ausentes elementos de prova aptos a propiciar condenação. VI – Absolvição por deficiência de provas, com base no art. 386, V, do CPP.

Processo:AP 612 RS Relator (a):Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento:22/05/2014 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014 Parte (s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MARCO ANTÔNIO FELICIANO RAFAEL NOVAES DA SILVA. (grifo nosso)

Face o exposto, não há outra alternativa que não a absolvição do acusado quanto ao delito que lhe é imputado, com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Subsidiariamente, o arcabouço probatório apurado não é apto a alicerçar um édito condenatório. De fato, os indícios colhidos em sede inquisitorial, hábeis a justificar o oferecimento da denúncia, não se robusteceram, durante a fase processual e guiada pelo contraditório, em provas suficientes de autoria delitiva. Ressalta-se a expressa vedação do art. 155 do CPP de condenar alguém apenas com base nos indícios colhidos na fase policial, sem o amparo de provas colhidas em contraditório judicial. Nesse rumo, pleiteia-se a absolvição do réu com supedâneo no art. 386, V, do CPP.

IIII – DA DOSIMETRIA DA PENA

De acordo com o art. 68 do Código Penal, a dosimetria da pena deve respeitar o procedimento trifásico, sendo que em caso de condenação, a defesa postula a aplicação da pena-base no piso legal.

Da análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifica-se que todas são favoráveis ao acusado, não havendo elementos nos autos para que se possa fazer um juízo valorativo objetivo sobre a personalidade do acusado, razão pela qual a defesa pugna pela aplicação da pena-base no mínimo legal.

Na Segunda Fase da Dosimetria, não há atenuantes a serem consideradas. Da mesma na terceira fase não há causas de diminuição.

Não há óbice, portanto, de fixação da pena no mínimo legal, a qual poderá ser cumprida em regime inicialmente aberto (art. 33, § 2º, alínea c, do CP, permitindo, assim, que o acusado recorra em liberdade).

Da mesma forma requer a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, de acordo com o artigo 44, do Código Penal.

Por fim, pleiteia-se, ainda, a dispensa de dias-multa e custas, em razão da hipossuficiência do acusado.

SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVA DE DIREITOS

A pena privativa de liberdade deverá ser substituída por restritiva de direitos, pois o acusado atende aos requisitos subjetivos e objetivos previstos no art. 44do CP: a) pena a ser aplicada provavelmente não será superior a quatro anos, b) crime não foi praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, c) circunstâncias judicias favoráveis. Assim, a defesa pugna pela substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito nos termos do artigo 44 do Código Penal.

IV – DOS PEDIDOS

Ante o exposto, a defesa técnica requer à Vossa Excelência:

1- Que seja o acusado absolvido por atipicidade da conduta e por não existir prova suficiente para a condenação, de acordo com o art. 386, incisos III e VII, do Código de Processo Penal;

2- Subsidiariamente a absolvição com fulcro no art. 386, inciso V c/c 155 do CPP, uma vez que não há nos autos prova sobre o crivo do contraditório e ampla defesa que imputem ao réu, de forma intubidável a autoria do delito;

3- Em caso de condenação, que sejam consideradas favoráveis todas as circunstâncias judiciais da primeira fase da dosimetria (art. 59, CP), devendo a pena ser fixada no mínimo legal;

4- Aplicação do regime inicial de cumprimento no aberto, nos termos do art. 33, § 2º, alénea c, do CP;

5- A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, conforme o artigo 44, do CP;

6- Afastamento da reparação de danos, tendo em vista que o acusado é hipossuficiente nos termos da lei;

7- Pela gratuidade de justiça, com isenção de dias-multa e custas processuais, por se tratar de hipossuficiente nos termos da lei.

Nestes termos, pede e aguarda deferimento.

Brasília-DF, 04 de junho de 2018.

IVONILDO REIS SANTOS

OAB/DF - 17.026E

  • DIREITO PENAL

Referências

IVONILDO REIS SANTOS

OAB/DF - 17.026E


Ivonildo Reis Santos

Advogado - Brasília, DF


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