AS EXPERIÊNCIAS DE PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS LUSO-BRASILEIRAS NA CONCRETIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UM FOMENTO AO DIREITO À SAÚDE ENQUANTO DEVER LEGAL DO ESTADO


01/07/2019 às 18h34
Por Cursino Advogados Associados

No presente artigo científico, foi contextualizada a analise preliminar com o berço dos sistemas nacionais de saúde, qual seja, o sistema do Reino Unido. Acerca deste sistema de saúde cumpre ressaltar que foi pioneiro na adoção dos contratos de parceria público-privada, remontando à década de 1990. Sua incorporação ao desenvolvimento da infraestrutura assistencial do denominado  National Health System– NHS não demorou a acontecer. A principal característica do modelo de PPPs na saúde inglesa refere-se à extensão dos serviços envolvidos na avença,que não alcança os serviços clínicos.Nesse diapasão, cumpre destacar tal característica como comum  a grande parte das experiências internacionais de parcerias público-privadas no setor de saúde.

O modelo do Reino Unido é baseado na prestação de serviços por parte de um operador privado (Private Finance Iniciative) que compreendem os serviços de infraestruturas e os serviços chamados de hard facilities(bata cinza), como por exemplo, serviços de manutenção do edifício e jardins e de recolha de resíduos e estacionamento; e os serviços de soft facillitiesque são, por exemplo, serviços de lavanderia e limpeza, de alimentação e de segurança. Assim, veja-se que neste modelo originário o operador privado não é responsável pela prestação de cuidados de saúde nem pela gestão hospitalar ou clínica (bata branca). 

Nesta conjuntura, o modelo PPP português surge a partir do modelo mencionado e baseia-se num contrato que envolve a concessão, construção, financiamento, conservação, exploração dos ativos das infra-estruturas e a prestação de serviços clínicos.Como experiência pioneira de gestão privada de um hospital público em Portugal, mencionamos o caso do Hospital Fernando da Fonseca, remontando ao ano de 1995, e o contrato neste momento incidia apenas sobre a gestão clínica do hospital, tendo a construção sido financiada por fundos públicos e contratada como pertencente ao setor empresarial do estado.

Em terras lusitanas, o modelo se assenta no pressuposto que uma empresa é responsável pelo desenvolvimento e gestão dos edifícios com um contrato de 30 anos, e uma outra é responsável pelos serviços com um contrato de 10 anos.

Desta maneira, é importante ilustrar que o modelo de PPP é implementado por meio de duas sociedades gestoras: a entidade gestora do estabelecimento hospitalar que assume a gestão de soft facilitiese a prestação dos serviços clínicos com uma duração de contrato mais curta, e a entidade gestora do edifício hospitalar que assume a prestação dos serviços de infra-estruturas e gestão de hard-facilitiescom um período de contrato mais longo.

Com isso os objetivos contratuais e vocações operativas são distintos, pois as duas entidades gestoras têm horizontes contratuais diferenciados, sendo remuneradas por dois mecanismos de pagamento distintos e gerando dois fluxos de pagamento independentes.

OBS:A principal diferença das PPP hospitalares em Portugal e a maior parte de outras PPP na área da saúde, é justamente a inclusão de atividades clínicas no âmbito do contrato, utilizando-se para tal um prazo mais curto do parceiro privado nesta gestão. 

Assim, contemple-se que quando da formalização dos contratos que envolvem a gestão dos serviços médicos em território português, o Poder Público no âmbito das PPP utiliza-se de 2 ajustes distintos, voltando-se, especificamente, de um lado para um viés de desenvolvimento e operação de infraestruturas e do outro, da gestão dos serviços clínicos. 

No que tange a legislação nacional sobre a matéria, o ordenamento português define parcerias público-privadas por “contrato ou a união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma necessidade colectiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado”.

O programa português de parcerias público-privadas no setor de saúde tem como base um contrato de gestão cujo objeto envolvem atividades de construção, financiamento, conservação e exploração dos ativos infra-estruturais e gestão geral do hospital, a incluir a prestação de serviços clínicos, além disso o PPP português é o segundo maior em relação ao tamanho do setor da saúde de um país, e foi estimulado em parte pelas preocupações com o desempenho e custos abaixo do padrão em hospitais públicos que estão ao abrigo de contratos tradicionais. Acresce que a opção de parceria é valorizada à contratação pública tradicional tendo em conta o histórico de má gestão de obras por parte do Estado em regime de empreitadas.

Tal programa de parcerias público-privadas no setor de saúde teve início em 2001 e, atualmente, contempla dois grandes modelos. No primeiro, o objeto da parceria restringe-se à construção e gestão do edifício hospitalar, sendo que a gestão dos serviços médicos é mantida pelo Poder Público, por meio do Serviço Nacional de Saúde – SNS. 

No segundo modelo, a estruturação da parceria envolve dois contratos distintos: um para construção e administração do edifício hospitalar, por um prazo de 30 anos; e outro para a gestão dos serviços médicos, pelo prazo de 10 anos. Veja-se que mesmo em solo português a contratualização dos serviços (bata branca) no âmbito das PPPs tem como base legal dois ajustes diferentes, voltados especificamente para desenvolvimento e operação de infraestrutura e para a gestão dos serviços médicos.

Como exemplo da discussão acerca das dificuldades estatais para o cumprimento de seus deveres, em especial na área social, pode-se mencionar o ilustre jurista português José Joaquim Gomes Canotilho, que defendeu a conciliação entre o princípio da legalidade de administração com o princípio da oportunidade ou optimalidade, a fim de que a Administração Pública possa realizar com eficiência seus deveres, permitindo, no dizeres do jurista, que o princípio da eficiência da administração venha a sobrelevar-se a princípio constitutivo da legalidade, desde que isso não signifique preterição das dimensões garantistas básicas do Estado Democrático de Direito.

 

Neste viés, analisando-se a PPP adotada na área da saúde em Portugal, seu Tribunal de Contas emitiu (em abril de 2009) relatório inicial da auditoria feita ao Programa de Parcerias Público Privadas na Saúde (Relatório no 15/2009 AUDIT), no entanto, o resultado final da auditoria não foi positivo, permitindo a evolução do País ante uma análise aprofundada e detalhada, conforme será exposto. 

A auditoria foi realizada no período de abril a outubro de 2008 pelo Tribunal de Contas para apurar a origem dos “atrasos” na contratação das parcerias público-privadas da saúde, a qual acabou comprovando que o Estado foi ineficaz quanto a estas. Acerca desta ineficácia foram tomadas por base as conclusões gerais expostas pelo Tribunal de Contas Português, sendo: 

(i) Após 7 anos da criação da Estrutura de Missão Parcerias em Saúde e 5 anos depois do lançamento do primeiro concurso não houve implementação definitiva de qualquer processo de contratação completo; (ii) de acordo com as impressões das entidades privadas interessadas, as expectativas iniciais transmitidas pelo Estado à sociedade não se concretizaram; (iii) segundo as entidades privadas, que cumpriram as condições acertadas, o Estado não realizou com disciplina a gestão dos processos concursais; (iv) o Estado, que não possuía experiência prévia em PPP, optou pela implementação de um modelo de parceria complexo e sem paralelo no campo internacional; (v) não foi utilizado um projeto-piloto que possibilitasse testar não só o modelo e o desempenho dos procedimentos de contratação, mas também a capacidade de gestão do próprio Estado;(vi) na fase de avaliação de propostas houve grande incidência de atrasos (entre 13 e 23 meses, enquanto a meta inicial era de 5 meses);(vii) na fase de avaliação de propostas verificou-se falta de clareza das peças concursais e a inexplicável ótica subjacente aos cadernos de encargos, muito próxima de uma contratação tradicional;(viii) em função das fragilidades destacadas, foram feitas alterações aos procedimentos, não apenas em grande parte dos concursos que ainda não ocorreram, como nos da segunda vaga de PPPs hospitalares; (ix) diante de tantas alterações, o próprio modelo de PPP inicial foi modificado, vez que a segunda vaga de PPP deixará de incluir no objeto de concurso a gestão clínica.

 

Em virtude desta assertiva, é significativo dizer que em razão do relatório robusto e crítico acerca das PPP em Portugal, houve uma alteração no modelo de PPP – inicialmente definido – sem que tenha sido executado, o que pode ser corroborado pelo fato de que quando alterado não existia qualquer contrato em execução; (x) nenhum dos objetivos de contratação inicialmente definidos foi, até o momento, atingido – por ineficácia por parte do Estado. 

 

A exemplo de Portugal é preciso avaliar a diversidade das PPPs selecionadas segundo o tipo de projeto, necessidade e setor que a mesma deve ser utilizada, optando-se por este modelo somente quando apropriado e nas opções em que oferecer claramente vantagens e benefícios. 

Sabe-se que as PPP permitem alargar a possibilidade de fornecimento e financiamento de serviços públicos garantindo os custos de construção e operação de hospitais e outros tipos de prestação de serviços de saúde. 

A introdução das PPP na saúde tem como objetivos principais a eficiente prestação de cuidados de saúde, a aceleração no desenvolvimento de infra-estruturas, a adopção de um modelo de gestão mais económico, eficiente e eficaz, baseado na transferência de riscos para os operadores privados, a melhoria geral no acesso e na equidade da prestação de cuidados de saúde para as populações das áreas beneficiadas, a neutralidade de custo para o paciente (não experienciando mudança nos pagamentos no ponto de atendimento), e a neutralidade de custo para o governo (garantindo que a despesa anual dos novos serviços e instalações seja pelo menos igual aos gastos históricos).

Assim em 2001 foi criada a Estrutura de Missão Parcerias Saúde com o objetivo de supervisionar e coordenar a preparação, lançamento e condução dos concursos relativos aos projetos de parceria (Resolução do Conselho de Ministros nº 162/2001, de 16 de Novembro20). 

No mesmo ano, foi anunciada a Primeira Vaga de PPP na Saúde que englobava um total de 10 infra-estruturas, incluindo hospitais, um Centro de Reabilitação e um Call Center para o SNS. No entanto, os hospitais de 1ª geração foram apenas os hospitais de Cascais, Braga, Loures e Vila Franca de Xira. 

Em 2002, foi anunciada a segunda vaga de PPP na saúde com mais seis hospitais [Lisboa Oriental, Faro (Hospital Central do Algarve), Seixal, Évora, Vila Nova de Gaia e Póvoa do Varzim/Vila do Conde]. Apesar de ter sido o primeiro, o Centro Hospitalar de Cascais não está em curso o tempo suficiente para serem determinados os fatores críticos para o seu sucesso, mas permitiu ao governo adaptar o seu processo de licitação para os contratos posteriores de parcerias hospitalares com vista a ser mais simples e claro. 

Para o lançamento das PPP foram constituídos Grupos de Coordenação Interdepartamental (GCI), com o objetivo de assegurar a organização entre as entidades envolvidas e cada GCI é presidido pelo responsável da Estrutura de Missão Parcerias Saúde, ou por um representante seu, sendo que a Direcção-Geral da Saúde (DGS), a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), a Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos da Saúde (DGIES) e a Administração Regional de Saúde (ARS) também estão representadas neste mesmo grupo de coordenação. 

Ao nível do enquadramento legal, a legislação no setor da saúde antecipou-se ao próprio regime geral de regulamentação das PPP com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 185/2002 de 20 de Agosto, que define os princípios e os instrumentos para o estabelecimento de parcerias em saúde, regime de gestão e financiamento privados, entre o Ministério da Saúde ou instituições e serviços integrados no SNS e outras entidades. Este diploma veio introduzir alterações ao Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, permitindo, desta forma, o uso das PPP para a construção e gestão de hospitais.

Em 2003, através do Decreto-Lei n.º 86/2003 de 26 de Abril, fica definido o regime geral das PPP, introduzindo alterações ao referido Decreto-Lei n. 185/2002. Os Decretos Regulamentares n.º 14/2003, de 30 de Junho e n.º 10/2003, de 28 de Abril, definem, respetivamente, as condicionantes do caderno de encargos e do procedimento prévio à contratação, conjuntamente com o código dos contratos públicos, Decreto-lei 278/2009, de 2 de Outubro. 

Em 2012, é aprovado o Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de Maio, que pretendia concretizar os compromissos assumidos do Memorando de Entendimento celebrado com o Programa de Assistência Econômica e Financeira a Portugal, tendo este um enfoque especial na comportabilidade orçamental e na decisão de lançamento de novas parcerias, nomeadamente no desenvolvimento dos hospitais de 2ª geração. No entanto parece existir permissão para o avanço da parceria para o Hospital de Todos os Santos e possivelmente também para o Hospital Central do Algarve (Faro)9, com concessão para a construção e manutenção dos edifícios e não incluindo gestão clínica.

Ante o que fora descrito pode-se afirmar que a parceria com o setor privado tem como benefícios adicionais a redução de grandes investimentos iniciais de recursos públicos, o aproveitamento da eficiência operacional dos parceiros privados, uma gestão individualizada de serviços hospitalares e de infra-estruturas e pode ser também um método de alavancar novos conhecimentos técnicos e tecnológicos.

 

Hospitais PPP Portugueses

A) Cascais

Em 2008, o Governo de Portugal adjudicou um contrato ao consórcio Hospitais Privados de Portugal (HPP) e ao Grupo Teixeira Duarte para projetar, construir, operar, manter e também fornecer serviços de apoio clínico e não-clínico o Centro Hospitalar de Cascais, que integra o hospital Condes de Castro Guimarães e o hospital ortopédico Dr. António José de Almeida.

A duração do contrato para o Grupo Teixeira Duarte é de 30 anos, com 24 meses de construção, e a duração do contrato com o HPP é de 10 anos, embora este possa ser extensível a um máximo de 30 anos. Esta parceria foi a primeira em Portugal e as instalações começaram a operar em 2010. A mesma, garante serviços de qualidade superior com o mesmo custo para os pacientes, e com um custo para o governo, 9% inferior que uma outra opção puramente pública. O hospital serve uma população de 170 mil pessoas na região de Cascais e tem 250 camas.

Levando-se em conta os aspectos destacados como imprescindíveis no relatório do tribunal de contas, como também a experiência vivenciada há décadas por Portugal, é evidente que o sucesso das PPP na saúde hospitalar está centralizado essencialmente na preparação técnica e especializada do setor público.

Neste ponto, é visível a necessidade de um setor público capaz de evitar determinados aspectos, como: as renegociações em contratos de longo prazo, a implementação de regras claras, a definição dos riscos e das responsabilidades de cada parceiro, além da necessidade de todo seu corpo imbuído na transparência de comunicação com o parceiro privado, a fixação dos termos de financiamento com antecedência e a definição das expectativas com um acordo de nível de serviço. 

Torna-se também importante a transparência de comunicação entre o parceiro privado e o parceiro público, a fixação dos termos de financiamento com antecedência e definir as expectativas com um acordo de nível de serviço. Da parte dos parceiros privados, estes devem ter idealmente um registro e experiência comprovados no assunto e também no país e/ou região.

Ante o cenário exposto, é evidente que Portugal sofreu pela novidade da experiência, somando o facto de que as administrações portuguesas não estavam preparadas para um tal nível de complexidade técnica e a óbvia falta de projeto-piloto previamente realizado.Além disso, não existia nenhum quadro legal até 2003, e até essa data, a participação do Ministério das Finanças foi quase nula. Entre 2002 e 2009 foram lançadas dez parcerias público-privadas no setor da saúde, o que nunca aconteceu em qualquer outro país.

 

 

Partindo-se para o cenário brasileiro, em um primeiro momento, diferentemente do ocorrido em Portugal, no plano teórico foi suscitado perante o Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade da gestão privada, por empresas ou ONGs, de serviços públicos de saúde (ADI 1923 e RE 581.488/RS) ante a especificidade do texto constitucional. 

Neste aspecto, é importante destacar que o ano de 2015 foi tido como um marco para o direito à saúde no Brasil, trazendo para uma primeira discussão o aspecto da segurança jurídica no momento da celebração de uma PPP voltada para área da saúde, afastando de modo definitivo a ideia de que os serviços públicos de saúde no Brasil devem ser prestados por estruturas estatais.

Destarte, é notório a partir do julgamento do RE já supracitado que a complementariedade da participação privada no SUS, traz como referência todo o sistema de saúde, o qual é composto por atividades prestacionais e atividades de polícia, respeitando-se os princípios do SUS, quais sejam: a eficiência, isonomia e a gratuidade do atendimento, nos termos do que dispõe o art.199, da CRFB/88. 

Outrossim, além desta mudança de paradigma, o principal foco de atenção da teoria jurídica pátria deve transitar do Direito Constitucional para o Direito Administrativo, na medida em que são necessários estudos acerca de cada um dos modelos de parceria com a iniciativa privada para a prestação de serviços públicos de saúde, pois a prestação privada apenas se justifica na medida em que proporciona maior efetivação do direito à saúde.

Nada obstante, não se pode olvidar que modelos não estatais geram maiores riscos quanto a falhas e ao desvio de recursos públicos, inclusive por atos de corrupção, o que deverá ser enfrentado de forma a garantir que a prestação privada adotada seja visualizada como mecanismo de ampliação da eficiência e não como instrumento de apropriação privada de recursos públicos.

Além disso, há que se ressaltar a insegurança jurídica criada em razão da ausência de integração legislativa e de parâmetros interpretativos acerca das Leis que tratam das parcerias na saúde no sistema jurídico-brasileiro. 

Por conseguinte, é necessário o reconhecimento de que a prestação de serviços públicos de saúde consiste em um dos principais deveres do Estado, sendo inclusive inserido em seu núcleo de atividades essenciais. Assim, deve-se compreender que a utilização das PPP jamais pode ser visto como um instrumento para privatização do direito à saúde, mas sim na necessidade coletiva de atendimento à saúde, por interesses econômico-privados, fortalecendo e reforçando a capacidade estatal de cumprimento deste direito fundamental insculpido na CRFB/88. 

As Parcerias Público-Privadas em sentido amplo compreendem tanto as concessões e permissões da Lei 8.987/95, como as concessões patrocinadas e administrativas da Lei 11.079/2004 e, por isso, deve-se destacar que a expressão PPP, em sentido estrito, correlaciona-se apenas às concessões administrativas e patrocinadas. 

Com o advento deste ordenamento pátrio, surge um mecanismo de financiamento de infraestruturas, pois há a possibilidade de remuneração parcial ou integral do parceiro privado pela própria Administração Pública, dado que, em regra, haverá um investimento muito elevado por parte do parceiro privado, permitindo-se que a contraprestação estatal ocorra somente após o início da exploração do equipamento construído e/ou reformado, correspondendo aos benefícios obtidos e ao alcance de metas de desempenho previamente estabelecidas contratualmente, isto é, amplia a capacidade de investimento do Estado. 

Observando a PPP administrativa, na qual temos o contrato de prestação de serviços em que a Administração é usuária direta ou indireta, ainda que envolvendo a execução obra ou fornecimento e instalação de bens, pode-se utilizá-la nos casos em que a Administração Pública seja usuária do próprio serviço contratado ou no caso em que os usuários forem cidadãos beneficiados pela gratuidade do serviço, como o que ocorre nos serviços prestados pelo SUS, diferenciando-se da concessão patrocinada no que tange à remuneração do parceiro privado já que o pagamento decorre exclusivamente de repasses do Estado e receitas acessórias. 

É importante indicar que há previsão quanto a possibilidade de que os agentes privados participem da fase de estruturação do projeto de PPP, permitindo que a parceria seja econômica e tecnicamente interessante para a iniciativa privada, tal fase é denominada de procedimento de manifestação de interesse – PMI, dado que haverá um investimento empresarial. Todavia, a decisão em relação a modelagem a ser adotada na PPP é de competência exclusiva do Poder Público, por meio de órgãos criados para esse fim, denominados de Conselhos Gestores de Parcerias – CGP. 

Contudo, cumpre indicar que em relação ao modelo de PPP a ser utilizado, cabe ao Poder Público, de forma exclusiva, por meio dos órgãos denominados Conselhos Gestores de Parceria (CGP), verificar qual modelo será mais viável e eficiente ante os princípios que lastreiam a Administração Publica.

Neste viés, quando da implantação de uma PPP Patrocinada, algumas limitações permitem que sejam dispostas garantias estatais para o caso de descumprimento dos deveres do Poder Público, evitando que o parceiro privado venha a se socorrer do Poder Judiciário, além da limitação que os entes estatais possuem para não comprometer sua renda corrente líquida com a execução das PPP, impedindo que a União comprometa mais do que 1% de sua RCL e os Estados e Municípios 5% da RCL, com o pagamento de obrigações decorrentes de parcerias público-privadas. 

Portanto as concessões administrativas na saúde devem, necessariamente, incluir dentre os deveres do parceiro privado, a construção, reforma ou fornecimento de equipamentos de uma unidade de saúde e estabelecer como dever do parceiro privado na saúde: (i) a gestão dos serviços de apoio e manutenção, como segurança, limpeza, conservação, hotelaria e lavanderia, conhecidos na linguagem sanitária como serviços ‘bata cinza’; e/ou (ii) a gestão dos serviços clínicos, prestados por profissionais da área médica, conhecidos como serviços ‘bata branca’.

 

No Brasil, a primeira experiência de PPP no setor de saúde foi adotada no Hospital do Subúrbio na Bahia. Inaugurado em 14 de setembro de 2010, trata-se de uma unidade hospitalar voltada com atendimento de urgência e emergência. O Hospital do Subúrbio foi o primeiro hospital público da região Norte e Nordeste do País a conquistar a Acreditação Hospitalar, apresentando indicadores muito superiores a qualquer dos hospitais operados pela Administração Pública e até mesmo por organizações sociais, tendo como objeto tanto a construção, quanto a obtenção de equipamentos e operação de todos os serviços clínicos e de apoio, dado que em sua origem não teve um projeto estruturado (bata cinza e bata branca atribuídos à parceria privada).

No que tange ao objeto dos projetos de PPP brasileiros, é possível perceber que a grande maioria envolve a construção ou reforma e operação dos serviços não assistenciais, excluindo os serviços ‘bata branca’. Essa característica dos projetos nacionais de concessões administrativas na saúde, de excluir os serviços médicos assistenciais, vai ao encontro da maior parte da experiência internacional, que tende a limitar o objeto contratual ao desenvolvimento de infraestrutura e operação dos serviços de apoio ‘bata cinza’.

Essa opção justifica-se por um motivo bastante conhecido no Brasil: a histórica deficiência da infraestrutura nacional, que atinge de modo contundente o setor de saúde.

Além disso, a exclusão dos serviços clínicos do objeto dos contratos de concessão administrativa diminui a complexidade da avença, dado que nessa hipótese a disciplina contratual e a engenharia econômico-financeira restringem-se à amortização do investimento e aos serviços de apoio. 

Assim, diferentemente do cenário português, quanto aos riscos presentes no cenário brasileiro, destacamos a apropriação e o desvio de verbas públicas pelo parceiro privado, como também o envolvimento dos próprios membros da Administração Pública em fraudes quando da escolha da empresa a receber tal concessão, aspectos que precisam ser previamente pensados e precavidos, como por exemplo: (a) a capacitação da própria Administração Pública ante o modelo a ser adotado e as condições da parceria; (b) a realização prévia de audiências e consultas públicas, permitindo uma participação social; (c) a revisão contratual por meio de uma atuação conjunta dos órgãos de controle e fiscalização, dado que se trata de uma parceria de longo prazo (5 a 35 anos); (d) aprimoramento da prática contratual da Administração Pública no que tange à avaliação e alocação de riscos, devendo-se levar em consideração o fator qualitativo como variável.

Neste sentido, o risco enfrentado por Portugal refere-se à incompatibilidade entre os orçamentos apresentados na fase de estruturação do projeto e os custos efetivos para sua execução, o qual foi reduzido com a segregação dos contratos de concessão administrativa em dois, um para construção, reforma e manutenção da infraestrtutura, incluindo os denominados serviços de apoio “bata cinza” e outro para a gestão dos serviços clínicos, denominados “bata branca”.

Isto posto, ante a análise comparativa descrita, é patente a necessidade de ampliação da infraestrutura e prestação de serviços de saúde no Brasil, dado que o SUS é o maior serviço público de saúde do mundo, contudo sofre com uma grande falta de arranjo e ingerência de recursos, ocasionando na imprescindível utilização de ferramentas como os contratos de concessão administrativa para a solução destes problemas. 

  • Direito à saúde;
  • Direito Comparado;
  • Direito Constitucional;
  • Sistema único de Saúde;
  • Parcerias-Público Privadas;
  • Concretização Políticas Públicas;
  • Direito Administrativo;

Referências

CIDH 2018 - III CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DE COIMBRA: uma visão transdisciplinar


Cursino Advogados Associados

Escritório de Advocacia - Brasília, DF


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