A INFLUÊNCIA DA MÍDIA E DO CLAMOR SOCIAL NAS FORMAS DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA


21/08/2017 às 20h20
Por Leonardo Mateus

Ao observar o instituto, instigo os leitores à breve leitura sobre a perspectiva da influência da mídia e a forma com que esta exerce na generalização do clamor social, frente indicativo da garantia da ordem pública, que é usado como uma das bases para a decretação da prisão preventiva.

Quanto às formas de decretação da prisão preventiva, esta pode ser ordenada no curso da investigação preliminar, durante o processo, e até mesmo após sentença condenatória irrecorrível.[1]

Seguindo os preceitos determinados no artigo 312 do CPP.

Antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, é importante destacar de que a medida cautelar de prisão deve ser tomada com devido cuidado, e muito bem fundamentada, pois é algo extremamente impactante e está diretamente ligada com a própria liberdade do indivíduo.[2]

Desta forma, Tourinho Filho bem ensina de que a prisão preventiva seria um mal necessário, sendo que para toda e qualquer prisão preventiva essa seria uma medida drástica, uma injustiça necessária do Estado contra o indivíduo, devendo ser reservada para casos excepcionais.[3]

Por certo, então contemplamos que a prisão deve estar adstrita a uma notável circunspecção, o que emerge a necessidade de uma medida adequada a cada situação concreta.

Desta feita, partimos ao ponto crucial desse artigo, tema de grande relevância na atualidade e na atual conjuntura midiática que vivenciamos.

Observamos que em muitas situações a mídia e o próprio clamor social possuem um papel estimulativo nas decretações das prisões preventivas, pois faz força frente ao cenário de uma investigação, e até mesmo sobre o indivíduo que está sendo processado.
O magistrado então deve tomar muito cuidado para não “cair em tentação”, devendo justificar-se exclusivamente em fatos reais, não apenas a aqueles fictícios ou supostos, sob pena de ferir os próprios princípios e garantias fundamentais do indivíduo.

Partindo do pressuposto de que: a) o magistrado deve agir com plena imparcialidade na decretação da medida, b) deve estar adstrito a fatos e fundamentos concretos, c) não utilizar do clamor público e da mídia como forma basilar da violação de ordem pública.
Tourinho Filho ao pronunciar-se sobre prisão preventiva, quanto fundamento dado pela garantia ordem pública indaga:
 

“E como sabe o Juiz que a ordem pública está perturbada, a não ser pelo noticiário? Os jornais, sempre que ocorre um crime, o noticiam. E não é pelo fato de a notícia ser mais ou menos extensa que pode caracterizar a perturbação da ordem pública, sob pena de essa circunstância ficar a critério da mídia. Na maior parte das vezes, é o próprio Juiz ou órgão do Ministério Público que, com verdadeiros sismógrafos, mensuram e valoram a conduta criminosa proclamando a necessidade de garantir a ordem pública, sem nenhum, absolutamente nenhum, elemento de fato, tudo ao sabor de preconceitos e da maior ou menor sensibilidade desses operadores da justiça. E a prisão preventiva, nesses casos, não passará de uma execução sumária. Decisão dessa natureza é eminentemente bastarda, malferindo a Constituição da República” (TOURINHO FILHO, 2010, p. 673).[4]


Muito bem sabemos que o sensacionalismo causado pela mídia, em relação a algumas causas, e alguns crimes, faz com que determinados casos concretos sejam praticamente pré-julgados pela imprensa e até mesmo pela sociedade. Ligando um verdadeiro sinal de alerta à população, criando uma verdadeira forma de demagogia negativa sobre determinada situação.

Diante desse quadro, bem elucida Antonio Magalhães Gomes Filho sobre o conceito vago de clamor público enquanto forma de autorizar à custódia:
 

“[...] o alarma social ou clamor público é um conceito muito vago para autorizar a custódia preventiva, em especial, porque se trata de um estereotipo saturado na maioria das vezes de carga emocional sem base empírica que exigirá uma prévia investigação estatística sociológica que meça o efeito social real que o fato haja produzido” (GOMES FILHO, 2001, p 52).[5]


Visto que, a prisão preventiva enquanto forma de prisão cautelar somente deve ser utilizada quando demonstrada a sua real e incontrastável necessidade.
E do mesmo modo, desde que autorizada pela lei à prisão para o caso específico, não pode esta, ser decretada com base em fundamentos genéricos e abstratos, ou levada em conta apenas como mero “potencial e suposto risco oferecido”, bem como o estímulo causado pela mídia ou pelo povo.
 
Para Tourinho Filho:
 

“[...] a garantia da ordem pública é utilizada por conveniência da sociedade ou visando a critérios utilitários, concluindo que a prisão preventiva com esse fundamento tem finalidade extraprocessual, o que a transforma em um instrumento de segurança pública que serve para combater a criminalidade, antecipando um juízo de culpabilidade” (TOURINHO FILHO, 2005, p. 507-508).[6]


Posto isto, a influência da mídia, não deve ser valorada para a decretação da prisão.

O magistrado então deve ater-se exclusivamente com base nas previsões legais com fundamentos realmente concretos, não subjetivos ou meramente opinativos, acarretando assim uma verdadeira forma de punição antecipada.

Neste sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“A Prisão Preventiva – Enquanto medida de natureza cautelar – Não tem por objetivo infligir punição antecipada ao indiciado ou ao réu. - A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.” (RTJ 180/262-264, Rel. Min. Celso de Mello).

Nesse mesmo contexto, Luiz Flávio Gomes lembra ainda que, o Magistrado ao decretar a prisão preventiva, sempre deverá atentar-se aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade:
 

“O princípio da proporcionalidade, sem sua já tão difundida tríplice dimensão (idoneidade da medida para se alcançar o fim objetivado, necessidade de sua adoção e ponderabilidade dos interesses em conflito – sobre a extensão do princípio e o seu acolhimento pela Corte Suprema brasileira v. Agravo Reg. N. 139-1, rel. Min. Celso de Mello, in DJU de 19.04.99, não admite nem tolera a edição de atos estatais (do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário) desvestidos de razoabilidade. [...].[7]


Por outro lado, muitas vezes, vemos que a prisão preventiva é simplesmente decretada para “aquietar” a população, ou parte dela que se viu indignada com a prática de determinado crime, servindo como um instrumento de satisfação dos interesses sociais.
Por certo que o clamor público e a mídia têm grande influência, servindo-lhes como mecanismos de instigação para a propositura da medida.

 Em outro viés, importante é a diferenciação mencionada por Odone Sanguiné, citado por Alberto Wunderlich, esclarecendo que:
 

“[...] clamor público não significa o simples vozerio, ou os gritos de várias pessoas juntas apontando alguém como culpado, nem se confunde com o conceito mais amplo de ordem pública” (SANGUINÉ apud WUNDERLICH, 2006, p. 1).


Portanto não se deve confundir ainda clamor público com garantia da ordem pública, pois são conceitos totalmente diferentes.

Neste prisma, a decretação da prisão preventiva com base no clamor público não encontra amparo legal taxativo, a finalidade enquanto uma decretação baseada na garantia da ordem pública, muitas vezes é desvirtuada pela pressão da imprensa e da própria sociedade.

É muito subjetivo, vago, e claramente equivocado fundamentar à prisão preventiva na forma apresentada pela mídia, até por vezes como uma garantia da ordem pública, pois nem sempre o que é mostrado, foi próximo com a verdade real.

Por fim, considera-se muito perigoso valorar tais preceitos, podendo gerar situações prejudiciais e possivelmente irreversíveis ao acusado.
 
LEONARDO MATEUS NOLLI
ADVOGADO

E-mail: leonardonolli.adv@gmail.com


[1] LOPES JR., Aury. Prisões Cautelares. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013.
[2] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012
[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Volume 3. 19ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997.
[4] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[5] MAGALHÃES GOMES FILHO, Antônio. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
[6] TOURINHO FILHO, Processo penal. vol 3. 27 ed. São Paulo: Saraiva, p. 507, 2005.
[7] GOMES, Luiz Flávio. Critérios para a aferição da razoabilidade da prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 920, 9 jan. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7769>. Acesso em: 19 jun. 2017.

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Leonardo Mateus

Advogado - Curitiba, PR


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