CRÍTICA À APLICAÇÃO DA DELAÇÃO PREMIADA NA CRIMINALIDADE MODERNA


21/08/2017 às 20h26
Por Leonardo Mateus

No tocante à criminalidade moderna, e dentre elas a do crime organizado, um dos maiores desafios do Direito Contemporâneo concentra-se em manter a ponderação de isonomia, diante do instituto da delação premiada, ao grupo de indivíduos que cometeram os ilícitos e sofrem com a a ação penal.

A relação interpessoal entre o cliente e o advogado deve ser mantida de forma transparente, robusta e clara, no que concerne às eventuais teses de defesa e parâmetros a serem adotados pelo advogado no regular exercício do direito postulado; bem como a intenção do cliente em usufruir do benefício da delação deve ser aceita pelo advogado na aplicação de instrumentos previstos na legislação. O papel do advogado nesse meio é importante, pois deve esclarecer, de forma transparente, como se procederá no amplo exercício da própria defesa.

Entretanto, verifica-se um potencial prejuízo ao equilíbrio processual diante da aplicabilidade da delação premiada nos crimes organizados, pois há um benefício exacerbado para uma das partes, em prol de seus próprios interesses, contrapondo certas garantias processuais dos demais acusados. 

Não há, portanto, igualdade de benefícios na aplicabilidade da delação premiada, pois, de um lado, o "delator" se beneficia, mas, por outro lado, os demais réus, que respondem à ação penal, passam a experimentar certas limitações defensivas, carecendo de elementos necessários ao exercício de uma defesa ampla e equiparada à do "delator".

Diante disso, surgem inúmeros questionamentos: (a) No Direito moderno, a aplicabilidade da delação premiada é "justa" em face dos demais réus de uma ação penal? (b) É correto aplicar a benesse e deixar os demais acusador sofrerem com a severidade da aplicação da pena?

De certa forma é evidente a necessidade de que o advogado atenda à manifestação de vontade positiva do cliente em fazer jus à benesse, de poder diminuir ou até mesmo minimizar os efeitos de sua pena, utilizando dos instrumentos concedidos pelo poder do Estado. Entretanto, a forma como é aplicável o instituto da delação premiada, revela certo prejuízo à defesa dos demais membros da organização, tendo em vista que apenas usufrui dos melhores benefícios o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos da legislação, desde que não seja o líder propriamente dito da organização. Os demais, ainda que colaborem, não gozarão da mesma amplitude de benefícios, ficando prejudicados por um critério temporal. 

Ficam, então, os demais membros à deriva na responsabilização pelos atos da organização. Porém, os atos também não contaram com a participação de quem fez a delação?

É obvio, que a delação no meio social é vista como um meio eficaz de combate à própria criminalidade,contributiva na redução da impunidade, conforme afirma Monte[1]
 

Com a delação a sociedade é beneficiada e muito, porque com a sua utilização permite-se a aplicação do Direito Penal em sua real dimensão, pois "dá à persecução penal um concreto instrumento para que busque a redução da impunidade no país e efetivo combate à criminalidade organizada". (MONTE, 2001, p. 237).

 
Por outro lado, a delação deveria ser melhor avaliada juridicamente. Isto porque não deve ser vista como mero instrumento contributivo, justo, e inquestionável, sobretudo em virtude da desigualdade superveniente para os demais réus que também respondem à ação penal.

De outra forma, o Estado deveria garantir a redução da criminalidade por outro meio, que não a da aplicabilidade do instituto da delação premiada.

Ademais, há ainda argumentos críticos no sentido da aplicabilidade da delação premiada, pelo fato de trazer benefícios ao indivíduo que assim a faz, mas não aos demais que integram a organização criminosa.

Conforme leciona Damásio de Jesus[2]:
 

O principal argumento dos críticos é a falta de fundamento ético na delação premiada. Para Damásio E. de Jesus, a delação premiada "não é pedagógica, porque ensina que trair traz benefícios". (JESUS, 1994, p. 5).

 
Tão preciosas são as palavras dos mestres Zaffaroni e Pierangeli [3] ,neste sentido:
 

Se o imperativo categórico (dever moral) nos obriga a respeitar o outro como fim em si mesmo, a partir deste dever descobrimos o direito subjetivo a ser considerado, como fim em nós mesmos. Quando o dever moral de outro deixa de ser garantido pelo Estado, desaparecerá o direito subjetivo de exigir o respeito de fim em si mesmo que nos assiste.(1999, p. 266).

 
O dever moral portanto se configura na própria valorização dos preceitos sociais, valores estes que orientam o individuo a se comportar dentro de uma sociedade, razões pelas quais assistem o dever da observância do instituto da delação como dever ético e também moral dentro da própria organização criminosa, portanto usufruir de um benefício figura uma "própria covardia" e não respeitar o outro como si mesmo. Conforme predispõe Zaffaroni e Pierangeli.

Outrora, sob a ótica meramente crítica, a delação premiada só traz benefício a quem se utiliza dela, mas onde há a isonomia da aplicação da pena?

A legislação deveria equilibrar os dois termos. Nesse viés, a delação é caracterizada como desigual, pois fere a própria maneira de aplicar e processar os demais indivíduos, demonstrando disparidade prevista na própria lei, levando em conta apenas os interesses do indivíduo que está sofrendo a ação penal.


Leonardo Mateus Nolli
ADVOGADO

E-mail: leonardonolli.adv@gmail.com
 

REFERÊNCIAS:
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1998
MONTE, Vanise Röhrig. A necessária interpretação do instituto da delação premiada, previsto na Lei 9.807/99, à luz dos princípios constitucionais. Revista Ajuris , Porto Alegre, 2001.
PIERANGELI, José Henrique, ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
 
[1] MONTE, Vanise Röhrig. A necessária interpretação do instituto da delação premiada, previsto na Lei 9.807/99, à luz dos princípios constitucionais. Revista Ajuris , Porto Alegre, 2001, v. 16, nº 82, p. 237.
[2] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1998.
[3] PIERANGELI, José Henrique, ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

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Leonardo Mateus

Advogado - Curitiba, PR


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