Rafael Albertoni Faganello
Mestrando em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – SP. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP. (contato@aezadvogados.com.br).
Área do Direito: Constitucional; Administrativo.
Resumo: O presente trabalho visa demonstrar que o servidor público estadual da Polícia Civil e Militar tem direito ao adicional de insalubridade desde o início do ingresso na carreira e não depende de laudo técnico para determinar a data na qual se inicia seu direito a ser remunerado por tal adicional. Ademais, o artigo demonstra a inconstitucionalidade de norma do Estado de São Paulo ao adotar valores fixos para indexação da insalubridade e não o salário dos servidores.
Palavras-Chave: Servidor Público Estadual. Polícia Civil. Polícia Militar. Insalubridade.
O presente artigo visa demonstrar que o servidor público estadual ingressado na carreira da Polícia Civil ou Militar tem, desde o início do exercício do seu cargo, o ônus da profissão, tendo direito à remuneração competente ao cargo, dentre todas: o direito ao adicional de insalubridade.
O que ocorre, na prática, somente é concedido o adicional de insalubridade ao servidor após a homologação por laudo técnico e, somente após essa data, é que o servidor é remunerado pelo adicional de insalubridade.
Contudo, alguns servidores não percebem que nos holerites que recebem o referido adicional atrasado recebido é somente do período da data da homologação do laudo em diante.
Tendo em vista tal ato, é possível aos servidores ajuizar ação de cobrança para rever o cálculo feito pela Fazenda Estadual a fim de que a mesma pague, de forma retroativa, os valores do adicional de insalubridade em atraso, contados desde a data do ingresso na Instituição Policial.
Pois bem, conforme estipula o artigo 7º, XXII e XXIII c/c art. 39, par. 1º, todos da Constituição Federal de 1988, vemos que o adicional de insalubridade é garantido por norma de ordem pública e está vinculado à segurança do trabalho, não podendo um ato administrativo negar tal pleito, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade.
Em sede infraconstitucional a LC estadual (SP) nº 432/1985, em seu art. 1º, concede ao funcionário público o direito à insalubridade em caráter permanente, em unidades ou atividades consideradas insalubres, ressaltando atenção para o termo atividades.
Partindo dessa premissa, o art. 2º da LC estadual (SP) nº 776/94 tipifica que a atividade policial, pelas circunstâncias em que é prestada, é considerada perigosa e insalubre:
Artigo 2º - A atividade policial civil, pelas circunstâncias em que deve ser prestada, é considerada perigosa e insalubre.
Como se vê o que ocorre na prática, a Fazenda Estadual concede o direito ao adicional de insalubridade somente após a publicação do laudo técnico.
Ocorre que essa data de início do direito ao adicional está equivocada, já que o Estado confunde conceitos dos efeitos de um ato de declaração com um ato de constituição de um direito.
A publicação do ato declaratório reconhece e torna público o direito já existente do policial civil. Tal direito à insalubridade já é constituído pela lei (art. 2º, LC estadual-SP nº 774/94) e deve retroagir até o momento em que tal lei lhe institui esse direito, qual seja, desde o ingresso nas atividades policiais.
Logo, a insalubridade, no caso da atividade mencionada, caracteriza-se ex lege, isto é, decorre diretamente da lei. (sentença nos autos do proc. nº 0002709-83.2013.8.26.0347 – Juizado Especial Cível da comarca de Matão – Juiz Giovani Augusto Serra Azul Guimarães).
Assim, se a lei define que a atividade é insalubre, esta é desde o seu início e não decorrente de laudo pericial de um setor administrativo da Fazenda Pública.
O servidor faz jus ao valor do adicional em relação a todo período anterior à homologação do laudo pericial, desde quando ingressou na carreira policial, pois do contrário, com o cálculo a partir de determinada outra data, há clara afronta à norma expressa da LC estadual (SP) nº 776/94 já citada.
Logo, a Administração Pública deve remunerar seus servidores através de atos vinculados e não de forma discricionária. Como a legislação vigente não considera a data do laudo para constituição do direito pecuniário e sim o início da atividade policial, esta data é que deve ser considerada.
Dessa forma, o valor devido deve ser calculado do início do ingresso da autora nas instalações da instituição e não da data de homologação ou pedido de um laudo pericial, que é desnecessário e apenas declaratório diante da interpretação do art. 2º da LC estadual (SP) nº 776/94.
Nesse sentido decisões do TJSP:
Apelação cível. Adicional de Insalubridade. Policial Civil. Termo Inicial. Insalubridade que, de fato, é devida desde o ingresso do policial no serviço público e não apenas a partir do laudo pericial. Laudo que, no caso, apresenta feição meramente declaratória. Logo, exercendo a autora a mesma função, reconhecida a insalubridade desta, não há como o período pretérito à avaliação, no qual a função se dava sob as mesmas condições e com mesmas atribuições, ser, a esse propósito, desconsiderado. Sentença Mantida. Recurso não provido.
(Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo; Apelada: Mariana Liudenha Cabreva; Proc. 0030566-58.2011.8.26.0482; 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Relator: Ronaldo Andrade) - em 08/04/2014
TJ-SP - Apelação APL 00431035020128260224 SP 0043103-50.2012.8.26.0224 (TJ-SP) - Data de publicação: 13/11/2015
Ementa: APELAÇÃO. Ação de Rito Ordinário. Policial Militar. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. 1.Pretensão ao recebimento do adicional desde sua entrada na corporação. Policial que passou a receber um ano após sua admissão. 2. Termo 'a quo' incidente sobre o início do exercício da atividade insalubre e não data do reconhecimento pela Administração. Natureza declaratória do laudo pericial que atesta uma situação preexistente. Sentença de procedência do pedido mantida. 3. Lei 11.960 /09. Inaplicabilidade - Norma declarada inconstitucional pelo Colendo Supremo Tribunal Federal. A apelante detém conhecimento que na repercussão geral n.º 810, do Colendo STF, o tema -- inconstitucionalidade aventada nos autos -- ainda permanece em aberto e não se vai determinar a aplicação da Lei n.º 11.960 /09 até decisão firme e clara em sentido contrário do C.STF no referido processo. Negado provimento ao recurso.
Pelos fundamentos apresentados é que o Estado sempre deve realizar o pagamento dos valores retroativos em atraso do adicional de insalubridade desde o ingresso na Instituição Policial.
Passadas essas questões preliminares, vemos ainda uma questão conturbada quanto ao parâmetro de indexação do adicional de insalubridade em salários mínimos.
Isso porque o STF já declarou inconstitucional e inclusive há súmula a respeito da matéria:
Súmula Vinculante nº 4: Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.
Como se sabe, o instituto da súmula vinculante foi criado com a EC nº 45 acrescentando o art. 103-A à Constituição, que assim o define:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Logo, se tal parâmetro salarial não é cabível, toda a Administração pública está vinculada a esta súmula.
Pois bem, pela LC estadual (SP) nº 432/85 podemos observar que antes da declaração de inconstitucionalidade era devido o adicional de insalubridade de acordo com a classificação nos graus máximo, médio e mínimo em percentuais de, respectivamente 40%, 20% e 10%, que incidiriam sobre o valor correspondente a dois salários mínimos.
Como a indexação sobre o salário mínimo tornou-se inconstitucional, partimos do pressuposto que o único parâmetro remanescente seria o salário do funcionário público, pois ambos tem a mesma natureza jurídica.
Ocorre que o Estado promulgou a LC estadual (SP) nº 1.179/2012 a fim de clarificar a forma de cálculo de insalubridade:
Artigo 1º - O artigo 3º da Lei Complementar nº 432, de 18 de dezembro de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Artigo 3º - O adicional de insalubridade será pago ao funcionário ou servidor de acordo com a classificação nos graus máximo, médio e mínimo, correspondendo, respectivamente, aos seguintes valores:
IV - a partir de 1º de janeiro de 2012, R$ 497,60 (quatrocentos e noventa e sete reais e sessenta centavos), R$ 248,80 (duzentos e quarenta e oito reais e oitenta centavos) e R$ 124,40 (cento e vinte e quatro reais e quarenta centavos).
Parágrafo único - O valor do adicional a que se refere este artigo será reajustado, anualmente, no mês de março, com base no Índice de Preços ao Consumidor - IPC, apurado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE.” (NR)
Pois bem, não há sentido lógico de se declarar um percentual de 40% (grau de insalubridade declarado) se não é feito uma base de cálculo para aplicação desse percentual. A nova legislação estadual é falha e deve ser inaplicável ao caso e ser declarada inconstitucional.
O STF, em seu julgamento sobre o tema, ressaltou que o legislador deveria editar uma lei fixando nova base de cálculo para que a indexação da porcentagem do grau de insalubridade fosse aplicada.
Logo, a nova legislação não adotou os critérios do julgamento e também não compactua com interpretação do STF.
O STF adota o art. 7º, IV, CF, como fundamento para não ocorrer vinculação do salário mínimo para qualquer fim, porém tal artigo não compreende o capítulo específico das regras constitucionais da Administração Pública, mas mesmo assim é ressaltado.
Logo, se pode entender que a depender do intuito do constituinte na criação de um inciso como regra geral dos trabalhadores, este também pode ser aplicado à remuneração dos servidores públicos.
Pois bem, pelo art. 7º, XXIII, CF, vemos que é direito dos trabalhadores um adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.
Para melhor interpretação da expressão “adicional de remuneração” voltemos aos conceitos básicos de matemática onde a preposição de significa “vezes”.
Logo, pelo próprio texto constitucional, o adicional de insalubridade deve ser pago sobre uma remuneração. Como o salário mínimo é expressamente proibido de ser vinculado a um indexador, resta a remuneração-base do servidor público para servir de parâmetro a ser indexado até que a legislação estadual o regule de forma constitucionalmente correta.
Cabe informar que toda a remuneração policial detém de uma gratificação por regime especial de trabalho, que atualmente duplica o salário-base e acaba por fazer com que o seu salário-base é na verdade duas vezes o próprio salário (art. 2º LC estadual (SP) nº 1.249/2014 c/c art. 44 da LC estadual (SP) nº 207/1979).
Diante do exposto, também é cabível a discussão judicial sobre o adicional de 40% de insalubridade, para que este seja indexado sobre o salário-base do servidor e que seja declarado inconstitucional o art. 1º da LC estadual (SP) nº 1.179/2012, tendo em vista a incompatibilidade com o art. 7º, XXIII, CF.
Nesse sentido, decisão do STF:
Ementa: (...) "3. Base de cálculo do adicional de insalubridade. 4. Ausência de legislação local que discipline o tema. 5. Vedação de vinculação da base de cálculo do referido adicional ao salário mínimo. Jurisprudência do STF. 6. Acórdão do Tribunal de origem que, ante a omissão legislativa e a impossibilidade de vinculação ao salário mínimo, fixa a base de cálculo do adicional de insalubridade de acordo com os vencimentos básicos do servidor. Não há contrariedade à orientação fixada pelo STF, que apenas veda ao Poder Judiciário a alteração do indexador legalmente estabelecido, o que não ocorreu no caso dos autos." RE 635.669 AgR, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgamento em 28.8.2012, DJe de 17.9.2012.