O Contraditório Substancial no Processo Civil Brasileiro: Uma Reflexão sobre o Poder de Influência das Partes nas Decisões Judiciais
O presente artigo propõe uma reflexão sobre o contraditório substancial no processo civil brasileiro, analisando sua relação com o efetivo poder de influência das partes nas decisões judiciais. Com base na Constituição Federal de 1988 e no Código de Processo Civil de 2015, argumenta-se que o contraditório deixa de ser mera formalidade para constituir elemento fundamental de uma jurisdição democrática, fundada na participação, cooperação e legitimação das decisões.
A ordem constitucional inaugurada em 1988 reposicionou os direitos fundamentais como eixo estruturante da atuação estatal, inclusive no âmbito jurisdicional. Nesse cenário, o contraditório, previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, passou a ser reinterpretado não mais como mera faculdade formal de manifestação, mas como verdadeiro instrumento de participação ativa no processo, com aptidão para influenciar o convencimento do julgador. Trata-se do chamado contraditório substancial, conceito que adquire especial relevo na lógica do processo civil contemporâneo, centrado na cooperação entre as partes e o juiz.
Tradicionalmente, o contraditório era compreendido como o direito da parte de ser ouvida — o “direito de audiência” — consistente na possibilidade de manifestação frente aos atos e argumentos da parte adversa. Entretanto, essa visão formalista revelou-se insuficiente diante da complexidade e da densidade normativa do processo atual.
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015), consolidou-se uma nova diretriz hermenêutica, que exige que o contraditório seja substancial, isto é, que a manifestação da parte tenha potencial real de interferir no conteúdo da decisão jurisdicional.
O art. 9º do CPC consagra a regra da não surpresa, impondo ao juiz o dever de assegurar às partes a oportunidade de se manifestarem sobre todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia, antes da prolação da decisão.
O contraditório substancial se realiza plenamente quando a parte não apenas participa, mas influencia o resultado do processo. O poder de influência, nesse contexto, não é absoluto, mas relacional: decorre da racionalidade argumentativa, da qualidade técnica das manifestações e da escuta ativa do julgador.
O juiz não está vinculado à vontade das partes, mas deve considerar seriamente seus argumentos, sob pena de nulidade da decisão por violação ao contraditório, nos termos do art. 489, §1º, IV, do CPC.
Assim, a função do contraditório substancial é garantir que o processo seja um verdadeiro espaço público de deliberação, no qual a decisão judicial emerge não da vontade isolada do magistrado, mas do diálogo processual travado entre os sujeitos envolvidos.
A efetiva influência das partes sobre a decisão traduz-se, portanto, em cidadania processual — uma manifestação concreta do princípio democrático.
Além disso, a exigência de contraditório substancial não deve ser confundida com cognição exauriente em toda e qualquer fase processual. Em determinados contextos, como nas tutelas provisórias de urgência inaudita altera parte, o contraditório poderá ser postergado, sem que isso implique afronta aos direitos fundamentais, desde que haja posterior garantia da ampla defesa.
O contraditório substancial transcende a mera formalidade procedimental: trata-se de uma garantia de influência, um imperativo de racionalidade, legitimidade e participação no processo. A consolidação desse instituto no cenário brasileiro depende da atuação consciente dos operadores do direito, sobretudo do juiz, que deve assumir seu papel de condutor imparcial de um debate dialógico e cooperativo.
Assim, o poder de influência das partes representa não apenas uma técnica processual, mas um valor jurídico e democrático que fortalece a confiança na Justiça e promove a efetividade dos direitos.
Tiago Maurício Mota – OAB/MG 135.399