A (ir)recorribilidade das decisões de fundamentação remissivas: influência da mitigação do dever de motivar do magistrado na força dos precedentes judiciais


26/09/2016 às 09h49
Por Jl Advogados

Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil, também chamada de carta magna, representa a conversão da soberania popular outorgada pelo povo aos representantes políticos para que em assembléia constituinte elaborassem um documento escrito de enorme importância para o Estado.

Este documento confeccionado pelo poder originário possui supremacia em relação a qualquer outra legislação nacional, sendo responsável por constituí-lo, estabelecer deveres, assegurar direitos e irradiar princípios que deverão ser seguidos e respeitados por todos, inclusive pelo próprio legislador derivado que faz parte do ente estatal.

Tais princípios são responsáveis por estabelecer diretrizes a serem observadas, tendo em vista constituir direitos dos cidadãos, e obrigação de respeito pelo próprio poder público e particular, sendo este o motivo de ter sido apelidada gentilmente por muitos de Constituição cidadã.

Apesar de ser bastante proveitoso e enriquecedor uma análise pormenorizada de todos os artigos, parágrafos, incisos e (ou) alíneas da referida carta, tal estudo ultrapassaria o objetivo deste trabalho, assim como lhe descaracterizaria, já que se propõe a estudar uma prática cotidiana e reiterada de muitos juízes que se utilizam de fundamentação considerada remissivas em seu decidir, limitando-se a manter a decisão anterior pelos seus próprios fundamentos.

Essa conduta além de não cumprir com o dever constitucional de motivação, também revela o total desprezo pelas conquistas da sociedade previstas na CRFB/1988 e que a cada dia mais vem sendo mitigada, revelando um nítido desrespeito ao direito- dever estipulado na norma fundamental.

Sendo a obrigação de motivação uma dever constitucional processual disposto na CRFB/1988 em seu artigo 93, IX, não estaria o próprio poder judiciário, que tem o dever de proteger e dar a interpretação adequada da constituição violando dispositivo expresso que determinam que todas as decisões devem (ria) ser motivada (s)?

Assim, resta clara a importância deste estudo e também demonstra sua total sintonia com o novo código de processo civil que entrará em vigor no ano de 2016, servindo para reforçar o apelo pela supremacia material da constituição, dando continuidade ao movimento de reforço da unicidade do ordenamento jurídico e intercomunicação dos ramos do direito separados por conveniência didática e prática.

Neste prisma, insere-se este trabalho que tem por objetivo realizar o estudo da conduta desenvolvida por muitos magistrados de manutenção da anterior decisão por seus próprios fundamentos, realizando um estudo baseado em princípios constitucionais e (ou) processuais, de forma a construir idéias, soluções, ou quiçá tentar destacar a importância de seu estudo pela comunidade jurídica, alertando para a mitigação de direitos existentes nesta prática reiterada e o próprio cerceamento da ampla defesa assegurada na carta constitucional e no código de processo civil.

O tema é de fundamental importância, já que persiste no mundo jurídico tal conduta e a decisão de manutenção da anterior com base em seus próprios fundamentos, além de ofender o disposto no CPC/73 (em vigor), violam frontalmente princípios assegurados na constituição cidadã.

Levando-se em consideração que a norma disposta no artigo 93, IX da CRFB/1988 pertence ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo de fundamental importância para o processo, servindo como garantia da sociedade e como dever de observância obrigatória pelo Poder Judiciário, sua ausência constitui nulidade, já que para todo dever existe um direito correspondente que deverá ser assegurado.

Tal conquista não pode ser suprimida sob pena de retrocesso, entretanto, a observação prática tem revelado que este desrespeito está incorporado na legislação nacional, rotinas de muitas varas e também dos próprios Tribunais, em total antagonismo ao dever constitucional processual de motivação, ofendendo garantias e violando a própria ampla defesa.

Assim, este trabalho objetiva debater ou questionar o problema existente, promovendo um estudo de base doutrinária, pautada nos princípios constitucionais e fundamentais processuais que regem o sistema jurídico brasileiro, fortalecendo garantias e promovendo a segurança jurídica do sistema que garante que todas as decisões deverão ser fundamentadas sob pena de nulidade.

2. Constitucionalização do processo

O processo civil passou por profundas transformações desde o seu surgimento que, segundo alguns, tiveram origem no chamado período clássico Greco- romano época marcada pela oralidade. Após, passou o processo para o período denominado de origem romana, sofrendo forte influência do período anterior em seu momento inicial, tratando o juiz como mero árbitro que decidia com base em critérios nitidamente pessoais (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 08-09).

Segundo Sérgio Bermudes apud Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 08-09), nesta fase o processo poderia ser dividido três grandes momentos, denominando de período primitivo, formulário e o último de fase de cognição extraordinária. No primeiro era dado às partes do processo liberdade para manipular a ação da lei; o segundo trazia pela primeira vez a figura do advogado, contraditório e concediam-se fórmulas de ações para compor as lides que seriam encaminhadas aos árbitros privados para julgamento.

O terceiro e último período teve como principal característica a passagem da prestação jurisdicional para o poder público, adoção do processo escrito e desaparecimento da figura dos árbitros privados, já que a atividade jurisdicional se tornou privativa do poder público (THEODORO JÚNIOR, 2014, p.10).

O professor Fredie Didier Júnior denomina estes momentos anteriores como sincretismo ou praxismo, já “que não havia a distinção entre o processo e o direito material” e muito menos preocupações de base científicas. Já o processualismo, momento subseqüente, foi responsável por demarcar a ”fronteira entre o direito processual e o direito material, com desenvolvimento científico das categorias processuais” (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 31).

A fase moderna ou científica passou a ver o processo como “instrumento social de pacificação e realização da vontade da lei (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 11), reconhecendo a diferença entre o direito material e processual, estabelecendo “entre eles uma relação circular de interdependência”, onde o direito processual concretizava o direito material (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 31)

A visão de processo, reconhecido por muitos como meio ou instrumento que se utiliza o Estado no exercício do Estado democrático e de direito para concretização dos seus fins sociais, políticos ou jurídicos (BUENO, 2008, p. 55), com a sua evolução no tempo e a partir da entrada em vigor do Código de Processo Civil em 2015, além de manter as conquistas das fases anteriores, dará grande importância aos valores constitucionais, sendo chamada por alguns de formalismo-valorativo (OLIVEIRA apud DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 32) ou positivismo jurídico reconstruído (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 43, 1v), época da realização substancial da lei (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.57)

Como instrumento destinado ao atingimento das finalidades públicas, o processo civil e outros institutos do direito têm como tarefa a concretização de direitos fundamentais, não podendo se afastar deste objetivo que fundamenta e preenche, sendo, inclusive, objetivo do novo desenho da jurisdição traçado no CPC/2015 (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.51)

Atualmente ainda é possível afirmar, com toda propriedade, que o sistema jurídico não atingiu a tão sonhada unicidade. A separação didática efetuada nas academias para uma maior compreensão dos discentes era, na verdade, um distanciamento real e difundido que não permitia ter a necessária noção da realidade e perceber o afastamento existente entre as normas constitucionais e infraconstitucionais, ocasionando uma total cegueira jurídica!

Neste sentido, o novo código que entrará em vigor no ano de 2016, preocupado com o distanciamento das normas e seguindo uma tendência de constitucionalização, procurou incorporar normas fundamentais às de direito processual de forma não só a concretizá-las, mas também com o fim de alcançar a tão sonhada efetividade do processo e o sentimento de justiça, conforme os valores e normas fundamentais da CRFB/1988.

Diante disso, toda e qualquer interpretação jurídica deverá ser constitucional, direta ou indiretamente, pois poderá se fundar em uma norma constitucional ou infraconstitucional fundamental, verificando sua compatibilidade com a CRFB/1988 e buscando sua efetividade e aplicação aos fins da norma (BARROSO, 2015. p. 522).

3. Normas fundamentais do processo civil

A doutrina costuma distinguir normas de direito processual constitucional daquelas consideradas de direito constitucional processual, entendendo as primeiras como o “conjunto de normas de índole processual que se encontram na constituição com o fim de garantir a aplicação e a supremacia hierárquica da Carta magna” e a segunda “normas de índole constitucional cuja finalidade é garantir o processo, assegurando que este seja tanto quanto possível, um processo justo” (CÂMARA, 2008, p. 16 ).

Tal distinção cada vez mais é imperceptível, já que a constitucionalização do direito processual civil é uma das principais características do novo código que de forma expressa trouxe tal previsão em seu artigo 1º, NCPC/2015 ao incorporar “textos constitucionais de normas processuais, inclusive como direito fundamentais” e concretizar disposições constitucionais (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 46, 1v)

Inobstante isso, é importante ressaltar que são inúmeros os princípios constitucionais processuais explícitos e implícitos no ordenamento jurídico brasileiro, sendo o devido processo legal um destes princípios. Além de possuir conteúdo amplo, diante das inúmeras formas de processo, deverá seguir um processo que seja justo e adequado de forma a assegurar direitos e impor deveres de respeito (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 41; 53)

Tal afirmação decorre do fato do processo ser um dos meios indispensáveis a realização da justiça (art. 5º XXXV CRFB/1988), mas a concepção de justo e injusto não pode ser inferida pela %2


    Jl Advogados

    Bacharel em Direito - Salvador, BA


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