Lidar com os Trainees


01/12/2025 às 17h03
Por Paulo Cesar Dula

Resumo:

  • O autor lidava com a integração de trainees em seu ambiente de trabalho, percebendo a diferença social entre eles e os trabalhadores braçais.
  • Ele passou a orientar os trainees de padrão social mais elevado sobre cuidados com ostentação e linguagem, visando evitar conflitos e desentendimentos.
  • Uma situação específica de falta de cumprimento gerou conflitos internos, mas ao corrigir o comportamento, o autor conseguiu melhorar a relação com um colaborador raivoso.
  1. Pequenos gestos fazem grande diferença. Em equipes diversas, empatia e atenção às diferenças sociais evitam frustrações e melhoram o clima. Choques entre mundos sociais podem gerar conflitos e desmotivação. 
  2.  Atitudes simples — cumprimentar todos, ouvir, respeitar — transformam relações e fortalecem equipes. 
  3.  Empatia e equidade não são detalhes, são estratégias de liderança. Pequenos cuidados com a forma de tratar pessoas impactam motivação, clima e resultados.
  4. Uma abordagem em saber lidar com os novos colegas de outro nível econômico e social.

 

Todo ano chegava um ônibus com um grupo de trainees, e eu fazia a integração desses novos membros através de um roteiro apresentando suas atividades e os setores em que iriam iniciar o treinamento. Numa dessas turmas, estávamos ao lado de uma frente de serviços que executava o apiloamento do fundo de uma vala — eram um feitor e diversos serventes compactando materiais no lugar. Observei que alguns jovens falavam alto e espontaneamente de suas vidas sociais, sem se importar com quem estivesse ouvindo. Eles diziam que iriam fazer um churrasco no fim de semana, discutiam sobre o valor de uma calça jeans que custava exatamente a metade do salário de um dos serventes, e falavam do som que iriam colocar em seus carros.

Essas coisas que eram comuns para eles, oriundos de outro meio social, nascidos em berços de ouro, acostumados ao mundo acadêmico das universidades federais e destinados aos postos mais altos das corporações. Já na mente desprovida de comparativo dos trabalhadores braçais, eram coisas inimagináveis. O universo dos futuros engenheiros estava muito distante da realidade dos peões. A cabeça desses recebia um nó quando refletiam sobre a pouca remuneração que recebiam e as baixas condições de vida que possuíam, em relação àquele outro mundo do qual acabavam de ouvir. Sentiam-se como a ameba do cocô do cavalo do bandido. Ao saírem dali, no final do expediente, haveria apenas uma forma de pôr os seus faiscantes neurônios em equilíbrio: um copo sujo cheio de cachaça. Depois, em casa ou no alojamento, inevitavelmente mergulhariam na frustração, na angústia mental, se autodepreciando e tendo a certeza de que eram uns zés ninguéns.

Essa energia negativa provavelmente ainda iria respingar em pessoas mais frágeis e próximas deles: suas esposas, seus filhos e seus colegas de quarto — depois do álcool, o vício do descarrego em cima dos mais fracos. Daí a minha necessidade em tentar resolver aquela sequela social. Ressalto isso porque já tinha ouvido muitos desses relatos, e as complicações de alcoolismo eram frequentes nas entrevistas de desligamento após distúrbios ou brigas ocorridas no canteiro de obras.

Em decorrência disso, reformulei o meu método de abordagem e passei a orientar os novatos que tinham um padrão social mais elevado do que a maioria. Alertava-os para que tivessem cuidado com a ostentação e o linguajar que utilizavam. Disse-lhes que aquilo que para eles era normal, poderia desencadear uma reação psicológica perigosa na mente dos funcionários não qualificados ou que eram irremediavelmente pobres. Porventura desprovidos de controle emocional, poderiam ocasionar desregramentos sociais e, quem sabe, até mesmo desentendimentos e conflitos familiares. Ainda comentei com eles sobre um simples caso ocorrido comigo. Existia um funcionário que me odiava, e eu não entendia o motivo daquela raiva. Em conversa com o seu líder, o mesmo me confidenciou:

— Se lembra de uma vistoria que fizeram numa vala, cheia d’água no fundo? Você, acompanhado dos auditores da qualidade e de outros gerentes, cumprimentou apertando a mão apenas dos encarregados do início da frente de serviço. Nem sequer olhou para os restantes que estavam pisando no molhado. Se tivesse, teria visto esse funcionário com água até a cintura e ódio em seu olhar. Quando você for cumprimentar várias pessoas e não puder pegar na mão de todos, então não pegue na de ninguém, apenas dê bom dia por atacado, dando um aceno com a mão pelo alto. Se pegar na mão de um, terá de pegar na mão de todos!

Procurei então aquele colaborador raivoso e agi de maneira a desconstruir a imagem que ele tinha criado. Demorou, mas consegui fazer com que ele passasse a me cumprimentar normalmente. O que faz um simples esquecer-se de cumprimentar! Não sei se consegui atingir o meu objetivo ou se resolvi o problema, mas acho que as minhas orientações, de alguma maneira, ajudaram a evitar problemas assim no futuro. Essa era a minha forma de ver a situação, tendo de conciliar aqueles dois mundos de interesses tão diferentes.

 

DULA, Paulo César, advogado, pós-graduado em direito e processo do trabalho, com MBA na FGV em GE– Estratégia; Gestão de Projetos e foi especialista em gestão de talentos, (OAB/DF 29.342)

  • Lidar com Trainees
  • em grandes corporações
  • Construção Pesada
  • infraestrutura

Referências

Dula, Paulo César


Paulo Cesar Dula

Advogado - Brasília, DF


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