Diferença entre hipossuficiência e vulnerabilidade nas relações de consumo e suas consequências no mundo jurídico


30/09/2015 às 13h25
Por Julio Cesar de Toledo Mengue

Conforme já discutido em diversos temas abordados por mim em outros artigos, já é sabido neste ponto que para a incidência do Código do Consumidor (CDC) na esfera jurídica se faz necessário observar pressupostos que caracterizam a relação de consumo, dito isto, abordarei dois institutos desta matéria: a vulnerabilidade e a hipossuficiência de uma das partes no surgimento da relação civil.

Conforme conceituo no artigo "vicio em meu produto, e agora?", e, neste momento, complementando o que foi exposto lá, vejamos a definição de vulnerabilidade de acordo com o dicionário:

"S. F. Característica, particularidade ou estado que é vulnerável; qualidade que pode se encontrar vulnerável."

Ou seja, é um estado e, para o direito consumerista, possui presunção absoluta pois sempre se reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo ante ao estado que ele se encontra no momento em que ele adquiri bens ou serviços no mercado.

Nesta perspectiva temos a ilustríssima autora Claudia Lima Marque da qual diz que vulnerabilidade é:

"Uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção". - MARQUES, op. Cit., p. 87.

Temos então que a vulnerabilidade elimina a premissa de igualdade entre as partes envolvidas, logo, se um dos polos é vulnerável as partes são desiguais e, justamente por força da desigualdade, é que o vulnerável é protegido pela legislação, com o fim de garantir os princípios constitucionais da isonomia e igualdade nas relações jurídicas minimizando deste modo a desigualdade.

A vulnerabilidade desdobra-se em quatro faces: (i) informacional, (ii) técnica, (iii) jurídica/cientifica e (iv) fática ou socioeconômica.

Da HIPOSSUFICIÊNCIA:

A hipossuficiência por sua vez, não se confunde com a vulnerabilidade, pois se apresentará exclusivamente no campo processual devendo ser observada caso a caso, já que se trata de presunção relativa, então, sempre precisará ser comprovada no caso concreto diante do juiz.

São duas as principais noções de hipossuficiência, segundo a lei:

1º) Aplicação do art. 4º da Lei n.º 1.060/50 (Lei de Assistência Judiciária), que concede o benefício da justiça gratuita aos que alegarem pobreza e comprovando-a na forma da lei então, considera-se a parte hipossuficiente.

2º) Relaciona-se à inversão do ônus da prova, prevista no inciso VIII do art. 6ºdo CDC, mas que não se relaciona necessariamente à condição econômica dos envolvidos. (grifei)

Neste raciocínio trago a baila o conceito do Professor Flavio Tartuce:

"O conceito de hipossuficiência vai além do sentido literal das expressões pobre ousem recursos, aplicáveis nos casos de concessão dos benefícios da justiça gratuita, no campo processual. O conceito de hipossuficiência consumerista é mais amplo, devendo ser apreciado pelo aplicador do direito caso a caso, no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de uma situação de desconhecimento (...)(Grifei)"

"Trata-se de “um conceito fático e não jurídico, fundado em uma disparidade ou discrepância notada no caso concreto” - TARTUCE, F. Op. Cit., p. 33-34.

Logo, todo consumidor é vulnerável mas nem todo consumidor é hipossuficiente. Isto ocorre porque processualmente o consumidor pode ou não possuir meios de obtenção de prova.

Se ele já obtiver provas, ou ter realizado protocolos da solução do litigio pois possui conhecimento razoável do que se deve fazer, ele não será considerado hipossuficiente, agora, por outro lado se ele não conseguir prover provas por decorrência de seu desconhecimento técnico ou informacional que paira na relação obrigacional e, por muitas vezes, é omitida pelo fornecedor, então, poderá arguir ante ao juiz a inversão do ônus da prova.

Para melhor compreensão da segunda hipótese exemplifico: Suponha que uma pessoa interessada em aderir a um plano de televisão realize um orçamento junto a uma empresa que forneça estes serviços, da qual se obriga em disponibilizar tal serviço por um valor de 90,00 (noventa reais). Entretanto a empresa não disponibiliza ao consumidor um papel com a descrição do pacote adquirido, valores, etc.

Após dois dias, ao receber o aparelho é cobrado do consumidor um valor maior do que foi inicialmente ofertado, neste exemplo suponhamos que lhe cobraram 150,00 reais, pois inclui além dos canais, o aparelho. O consumidor desconhecendo que é obrigação do fornecedor disponibilizar o orçamento por escrito e detalhado (art. 40 CDC) cujo possui validade de até 10 dias (art. 40, § 1º), sentindo-se lesado decide cancelar o serviço e é surpreendido com uma multa por rescindir o contrato.

O consumidor, então, busca auxilio no órgão administrativo ou judicial para solicitar o cancelamento, alegando o que foi exposto, mas observe que ele não possui documentos (provas) do que ele esta alegando por se encontrar diante de uma situação de desconhecimento, logo, processualmente, ele está hipossuficiente, pois não há meios de produzir prova ante a grande desvantagem entre ele e a empresa e, por esta razão, o juiz poderá (faculdade) conceder-lhe o ônus da inversão da prova, ou seja, caberá ao fornecedor comprovar que os fatos alegados não são verdadeiros.

Ante ao que foi exposto temos que ambos são institutos fáticos e relacionam-se em campos jurídicos distintos e ensejam consequências jurídicas distintas sendo respectivamente a vulnerabilidade no campo do direito material de presunção absoluta resultando a incidência da aplicação das normas do CDC, tendo por outro lado a hipossuficiência, no âmbito processual, de presunção relativa, obtendo como consequência inversão do ônus da prova em favor do consumidor.

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Julio Cesar de Toledo Mengue

Estudante de Direito - Campinas, SP


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