Ação revisional de alimentos: O impacto da renda do guardião no trinômio alimentar


16/12/2025 às 10h41
Por Mário Marinho Advocacia e Consultoria Jurídica

A fixação e a revisão de pensão alimentícia são temas centrais no Direito de Família, guiados pelo famoso trinômio: necessidade de quem recebe, possibilidade de quem paga e a proporcionalidade entre esses dois fatores. Mas como os tribunais interpretam esse equilíbrio quando o genitor que detém a guarda possui uma renda superior à daquele que paga os alimentos?

Este artigo analisa o entendimento jurisprudencial sobre o tema, demonstrando que a capacidade financeira do guardião é um fator decisivo na definição do valor da obrigação.

1. O Trinômio Alimentar como Pilar da Obrigação

Antes de analisar o cenário específico, é fundamental revisitar os três pilares que sustentam qualquer decisão sobre alimentos, conforme o § 1º do art. 1.694 do Código Civil.

Necessidade: Refere-se aos gastos essenciais do alimentando (filho) para sua subsistência digna, incluindo moradia, alimentação, educação, saúde, vestuário e lazer. Para filhos menores, a necessidade é presumida.

Possibilidade: Diz respeito à capacidade financeira do alimentante (quem paga a pensão) de arcar com o valor, sem que isso comprometa seu próprio sustento.

Proporcionalidade: É o critério de ponderação que busca o equilíbrio justo entre a necessidade de um e a possibilidade do outro.

A jurisprudência reforça que a análise desses três elementos é indispensável para uma fixação justa, como se observa em decisões que readequam o valor da pensão para que ele não onere excessivamente o alimentante, mas que também garanta o sustento do alimentando.

TJ-MG (Agravo de Instrumento 2183350-17.2023.8.13.0000, publicado em 26/01/2024):

A fixação de alimentos provisórios deve observar o trinômio possibilidade do alimentante, necessidade do alimentando e proporcionalidade de fixação com base nos dois elementos. Constatado que a fixação de alimentos provisórios em primeira instância não observou integralmente o trinômio legal, necessária a reforma da decisão agravada.

2. O Dever de Contribuição é de Ambos os Genitores

O ponto central na sua questão é que a obrigação de sustentar os filhos é de ambos os pais, na proporção de seus recursos. O artigo 1.703 do Código Civil é claro ao estabelecer que os cônjuges separados judicialmente contribuirão para a manutenção dos filhos na proporção de seus bens e rendimentos.

Portanto, a maior capacidade financeira do genitor que detém a guarda não isenta o outro de sua obrigação, mas tem um impacto direto e relevante no cálculo da proporcionalidade. Os tribunais têm sido firmes em reconhecer que a renda do guardião deve ser considerada para que a responsabilidade pelo sustento da prole seja distribuída de forma equitativa.

Nesse sentido, a jurisprudência é clara ao determinar que a capacidade econômica da genitora guardiã deve ser ponderada para evitar que a obrigação alimentícia sobrecarregue o outro genitor.

TJ-CE (Agravo de Instrumento 626406-30.2024.8.06.0000, publicado em 21/08/2024):

É firme a noção de que a genitora da infante tem capacidade econômica e está apta a auxiliar nos gastos de sua filha, devendo haver assim uma melhor ponderação desse aspecto, como forma de evitar que a obrigação alimentícia exija mais de um genitor, em detrimento do outro.

Em outro julgado, o tribunal foi ainda mais direto ao analisar um caso em que a mãe possuía renda superior à do pai, decidindo que ambos devem contribuir de forma proporcional.

TJ-CE (Agravo de Instrumento 632110-24.2024.8.06.0000, publicado em 30/04/2025):

A agravada possui renda líquida significativamente superior à do agravado, conforme documentos constantes nos autos, devendo ambos os genitores contribuir proporcionalmente para o sustento da prole.

3. O Entendimento dos Tribunais na Prática

Na prática, ao analisar um pedido de revisão de alimentos, o juiz levará em conta a prova da alteração da situação financeira de uma das partes. A demonstração de que o guardião aufere renda significativamente maior pode, sim, justificar a redução do valor pago pelo alimentante.

O entendimento consolidado é que o padrão de vida dos filhos deve ser compatível com a soma dos recursos de ambos os pais. Assim, não é razoável que o genitor com menor renda seja obrigado a arcar com uma pensão que o coloque em dificuldades, enquanto o outro, com maior capacidade, contribui proporcionalmente menos.

TJ-MG (Apelação Cível 5000716-58.2022.8.13.0607): Nesta decisão, o tribunal reforça que a obrigação de prestar alimentos é de ambos os pais, que devem arcar com a manutenção dos filhos na proporção da capacidade financeira de cada um.

TJ-PE (AGRAVO DE INSTRUMENTO 7475-56.2022.8.17.9000): O julgado destaca a importância de analisar o trinômio para evitar a fixação de um valor excessivo, sendo cabível a minoração da pensão diante de provas da impossibilidade financeira de quem paga.

TJ-BA (Apelação 564124-92.2015.8.05.0001): Embora trate de majoração, a decisão reforça que as despesas e cuidados com o menor devem ser partilhados, não podendo as obrigações recaírem unicamente sobre um dos genitores.

O Entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)

Seguindo a orientação do STJ, o TJSP aplica o mesmo racional em suas decisões, analisando de forma concreta a capacidade financeira de ambos os pais.

TJ-SP (Apelação Cível 1003068-91.2022.8.26.0123, publicado em 01/11/2023):

O TJSP manteve o valor de alimentos fixado em primeira instância por entender que ele observava o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, considerando a situação de ambas as partes para garantir justiça e equidade.

TJ-SP (Agravo de Instrumento 2217403-32.2021.8.26.0000, publicado em 22/09/2021):

Em uma decisão de tutela antecipada, o TJSP reduziu o valor dos alimentos considerando a existência de outros filhos do alimentante. A decisão ressalta que o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade deve ser avaliado de forma pormenorizada, o que inclui a análise da contribuição do outro genitor.

O Entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

O STJ, como corte superior responsável por uniformizar a interpretação da lei federal, estabelece as diretrizes que os demais tribunais devem seguir. O entendimento do STJ é claro ao afirmar que a obrigação de sustento dos filhos é de ambos os genitores, na proporção de seus recursos.

Em suas decisões, o STJ reforça que a análise do trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade não se limita a verificar a capacidade de quem paga, mas também a contribuição que pode ser dada por quem detém a guarda.

STJ (AgInt no REsp 1857727/RO, publicado em 29/06/2022):

O STJ reafirma que a obrigação de prestar alimentos aos filhos é de ambos os genitores, na proporção de seus recursos (artigos 1.566, IV, e 1.703 do Código Civil). A decisão destaca que, ao analisar o binômio necessidade/capacidade, a contribuição da genitora também deve ser considerada.

Embora o STJ evite reexaminar fatos e provas (Súmula 7/STJ), ele estabelece a tese jurídica de que a capacidade contributiva do guardião deve ser levada em conta.

STJ (AgInt no AREsp 2216201/SP, publicado em 31/08/2023):

Neste julgado, o STJ discute a revisão de alimentos e, embora o foco seja a impossibilidade de revisão com base apenas na constituição de nova família, a análise do binômio possibilidade-necessidade é central. A Corte reitera que a reanálise desse binômio envolve o quadro fático, mas a tese de que ambos os pais devem contribuir permanece.

STJ (REsp 1872743/SP, publicado em 04/03/2021):

Ao tratar do trinômio alimentar, o STJ destaca que os alimentos visam à manutenção da qualidade de vida do credor, preservando, tanto quanto possível, a mesma condição social. Isso implica que a soma dos recursos de ambos os pais deve ser considerada para definir o padrão de vida dos filhos.

Conclusão

A análise da jurisprudência demonstra que os tribunais são sensíveis à realidade financeira de ambos os genitores. Em uma ação revisional de alimentos, comprovar que o guardião do filho possui uma renda superior é um argumento forte e juridicamente válido para pleitear a redução do encargo alimentar.

A obrigação de sustento é mútua, e o princípio da proporcionalidade exige que essa responsabilidade seja distribuída de forma justa, garantindo o bem-estar do filho sem sacrificar indevidamente a subsistência de um dos pais.

A jurisprudência, tanto do STJ quanto do TJSP, é uníssona em afirmar que:

A Obrigação é de Ambos: O dever de sustento dos filhos recai sobre ambos os pais.

Análise Proporcional: A contribuição de cada um deve ser proporcional aos seus recursos.

Renda do Guardião é Relevante: A maior capacidade financeira do genitor que detém a guarda é um fator que deve ser considerado para a fixação ou revisão da pensão, podendo levar à redução do valor pago pelo outro genitor.

Portanto, em uma ação revisional de alimentos, a tese de que o genitor guardião possui renda superior é plenamente amparada pela jurisprudência e deve ser o ponto central da argumentação para buscar um reequilíbrio da obrigação.

  • O Trinômio Alimentar como Pilar da Obrigação
  • O Dever de Contribuição é de Ambos os Genitores
  • O Entendimento dos Tribunais na Prática
  • O Entendimento do Superior Tribunal de Justiça (ST
  • Conclusão

Referências

STJ: REsp 1872743 SP 2020/0019946-8; STJ: AgInt no REsp 2111631 SP 2023/0425206-7; STJ: AgInt no AREsp 2326442 SP 2023/0099506-3



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