Historicamente, a discussão envolvendo a legalização de substâncias entorpecentes polariza usuários e abstêmios. Talvez em decorrência da longevidade da controvérsia, os argumentos usualmente utilizados por ambas as partes se tornaram, há muito, enfadonhos.
Em primeiro lugar, é necessário fazer uma distinção elementar: até onde o indivíduo dispõe de liberdade para causar prejuízo a si próprio? A resposta parece também evidente. Até o ponto em que o prejuízo individual não se estenda à coletividade.
É ônus do Estado estipular tais limites. E eles serão determinados por uma questão de conveniência, delimitando direitos e deveres individuais.
Em uma sociedade onde o consumo e o comércio de substâncias psicotrópicas são reputados como crimes, o prejuízo social é colossal. O controle do narcotráfico permanece exclusivamente nas mãos do crime organizado, que obtêm sua receita através de um comércio estimado em U$400 bilhões anuais, equivalente a 16% do Produto Interno Bruto brasileiro. Nesse caso, o consumo fornece às organizações criminosas os recursos de que elas necessitam para se fortalecerem e construírem fortunas através de suas atividades criminosas.
O fracasso da ¨War on Drugs¨, aclamada pelo presidente americano entre 1969 e 1974, Richard Nixon, escancarou a necessidade de uma visão mais realista sobre o assunto. Diante dos números envolvidos e do fiel mercado consumidor, não há indícios de que algum dia o tráfico e consumo de estupefacientes venham a ser erradicados. Enquanto houver movimentação de valores tão expressivos, haverá pessoas dispostas a se dedicarem à prática.
Sendo assim, parece leviano deixar sob a tutela do crime organizado o comércio sobre algo tão nocivo e, simultaneamente, tão lucrativo.
Há de se reconhecer, no entanto, que o país tem outras prioridades que, segundo consta, não são solucionadas, entre outros fatores, por absoluta falta de recursos.
A oneração de produtos pertencentes a um comércio desta monta não ajudaria o país a recuperar sua combalida economia? Por outro lado, tirar esse poder dos criminosos não traria uma vantagem considerável às autoridades no combate contra as mais diversas facções do crime organizado?
Atualmente, o governo gasta quantias exorbitantes a fim de promover a internação compulsória de dependentes químicos sem obter, evidentemente, resultado significativo. Malgrado seja fundamental reconhecer os dependentes químicos como portadores de enfermidade, é preciso avaliar a extensão do prejuízo efetivo causado pelo abuso de substâncias ilegais. Aqueles que pela superveniência do vício não possuírem mais condições de se responsabilizar pelos atos da vida civil ou causarem risco à coletividade, devem sofrer intervenção, tal qual entendimento consolidado dos tribunais.
Porém, conforme dito anteriormente, é necessário confrontar sem hipocrisia o assunto, a fim de que finalmente se chegue a uma solução razoável e que atenda às demandas sociais