CABE ASTREINTES NO PROCESSO PENAL?


07/04/2022 às 15h59
Por Hugo Leandro dos Santos Barreira

Primeiramente saibamos um conceito breve do que seria astreintes. Astreintes é uma medida coercitiva onde o Juiz na fase do “cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer” impõe algumas medidas para que a decisão judicial seja obedecida. O código de processo civil trata da matéria no artigo 536 do CPC que diz:

No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.

§ 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.

Não custa lembrar que os meios que a lei impõe para que decisões judiciais se cumpram não estão adstritos no artigo 536 do CPC, já que há outros meios atípicos que visam alcançar a obediência as decisões judiciais, todavia como não é objeto da breve exposição deixamos de lado essa informação, mas a título de curiosidade a doutrina chama de atipicidade dos meios executivos.

Agora que sabemos o que significa o termo astreintes, refaço a pergunta: cabe astreintes no processo penal? Sim ! É cabível astreintes no processo penal, contudo as astreintes só alcançam terceiros que compõe o procedimento criminal, conforme explana o REsp 1.568.455-PR de relatoria do Excelentíssimo Ministro Rogério Schietti Cruz que diz:

“é possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela demora ou não cumprimento de ordem emanada de Juízo Criminal”

De acordo com a decisão do Excelentíssimo Ministro as astreintes não cabem com relação ao agente que esteja sofrendo a ação penal, e também é de bom alvitre discorrer na mesma decisão que o bloqueio de contas bancárias de terceiros não participantes do processo também é valido devido as astreintes que foram fixados em desfavor deles pela demora de uma decisão dentro da respectiva ação penal. Conforme o mesmo REsp 1.568.455-PR: “É possível ao juízo criminal efetivar o bloqueio via Bacen-Jud ou a inscrição em dívida ativa dos valores arbitrados a título de astreintes." 

Nessa toada, convém destacar um entendimento que mudou o panorama com relação as astreintes no processo penal, essa decisão é do caso do Parlamentar Daniel Silveira do partido PSL/RJ, onde o Ministro da Suprema Corte Constitucional Alexandre de Morais decidiu da seguinte maneira:

(1) FIXO MULTA DIÁRIA DE R$ 15.000,00 (quinze mil reais), no caso da continuidade de descumprimento de qualquer das medidas cautelares determinadas; que, nos termos do art. 3º do Código de Processo Penal e dos arts. 77, IV e 139, IV, ambos do Código de Processo Civil, deverá ser descontada diretamente dos vencimentos que o réu recebe da Câmara dos Deputados, mediante ofício deste juízo ao Presidente da Casa Parlamentar. (2) OFICIE-SE ao Banco Central do Brasil para que proceda ao BLOQUEIO IMEDIATO DE TODAS AS CONTAS BANCÁRIAS DE DANIEL LÚCIO DA SILVEIRA, COMO GARANTIA DO CUMPRIMENTO DA MULTA DIÁRIA, no caso de continuidade do descumprimento das medidas cautelares determinadas, comunicando-se a esta CORTE, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. (grifo nosso) – disponível no site https://www.conjur.com.br/dl/alexandre-moraes-silveira-multa.pdf

 Neste arrimo e analisando a decisão do Ministro Alexandre de Moraes creio que houve um equívoco no seu modo de interpretar os dispositivos, uma vez que o código de ritos civilista admite aplicabilidade junto ao código de processo penal em casos de lacuna na lei e isso está reverberado tanto no Superior Tribunal de Justiça como também no artigo 3º do Código de Processo Penal que diz:

 A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito.

Com o devido respeito e acato que a liturgia manda e utilizando a expressão do Hitalo de Alencar a decisão do Ministro é um verdadeiro “Cavalo de Troia”, pois a referida analogia que o Ministro impôs na sua decisão não é aceita pelo ordenamento jurídico penal, já que está muito claro que a analogia que o Ministro da Suprema Corte Constitucional utilizou é uma analogia in malan partem” , isto é uma analogia maléfica ao réu e isso mais uma vez é proibido no direito penal e processual penal, pois tal interpretação não pode alcançar o réu, já que além de ser prejudicial, também fere seus direitos e garantias fundamentais. Convém asseverar que nem no processo civil não se admite a prisão ou sua ameaça como forma de coagir o cumprimento de uma obrigação, logo a decisão do Ministro fere aquela máxima que aprendemos na primeira aula de direito penal que a prisão é a ultima ratio, vejamos o que diz os Mestres Rinaldo Mouzalas, João Otávio Terceiro Neto e Eduardo Madruga:

“não se admite a decretação (ou a ameaça de decretação) de prisão, mesmo que sob o fundamento de suposto cometimento de crime de desobediência, como forma de coagir a parte ao cumprimento de obrigação” (p. 667)

Também é de se observar a enorme quantia estipulada pelo Eminente Ministro como forma de desobediência a sua ordem legal, onde mostra-se o montante no valor de R$ 15.000,00 por dia, tal valor fere frontalmente os direitos mais fundamentais do réu e sem falar que fere sobremaneira a sua dignidade da pessoa humana. Mais uma vez cito os Mestres Rinaldo Mouzalas, João Otávio Terceiro Neto e Eduardo Madruga:

“a multa deve ser fixada em valor e periodicidade compatíveis com a obrigação, considerando as particularidades do caso (o direito tutelado, a condição econômica do devedor e o tempo necessário ao adimplemento da obrigação). Deve ser arbitrado um valor suficiente para vencer a resistência do devedor (STJ. REsp 699.495/RS. DJU 05.09.05), mas não deve ser elevada a ponto de ser mais atrativo ao credor o pagamento da multa, em vez do adimplemento específico da obrigação” (p. 667).     

Nota-se que a multa deve ser compatível com a obrigação, todavia não é o que vemos analisando a decisão Ministro Alexandre de Moraes, pois utiliza da multa como uma espécie bastante constrangedora de submeter o parlamentar federal ao poder da Tornozeleira eletrônica. Por outro prisma, vislumbra-se que o Ministro ao decidir pelas astreintes no processo penal percebe-se que ele utilizou do poder geral de cautela dentro do procedimento criminal e isso ao meu sentir não é válido, já que o artigo 139, IV do CPC não pode ser utilizado dentro do procedimento penal, pois tem regras e procedimentos próprios. O poder geral de cautela dentro do processo criminal é perigoso, já que abre um precedente e de quebra também reverbera na imparcialidade do julgador. Ao comparar o artigo 139, IV do CPC e o artigo 251 e seguintes do CPP são mundos completamente diferentes, logo não há porquê razão de impor a multa coercitiva, pois o CPP é cristalino ao dizer que o Juiz só pode aplicar a multa a testemunhas faltosas ou no caso de recusa injustificada aos serviços do Júri.

Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no Art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.

Art. 436 (...) § 2ºA recusa injustificada ao serviço do júri acarretará multa no valor de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica do jurado.

 

 Ainda com relação ao poder geral de cautela dentro da decisão do Ministro Alexandre Moraes, o próprio Tribunal Cidadão já decidiu que: no âmbito do STJ, há decisões recentes afirmando inexistir poder geral de cautela em processo penal quando o fito seja restritivo, em razão dos limites impostos pela legalidade penal e pelo princípio da presunção de inocência – STJ – QUINTA TURMA – HC 222.298/SE P Rel. Min. Jorge Mussi – Dje 30/10/2013.

A doutrina sobre o tema Poder Geral de cautela dentro do Processo Penal diz assim:

“ao que nos parece, o STJ só refuta o poder geral de cautela quando a medida aplicada in concreto for mais gravosa que aquela que a lei admite in abstrato, ou seja, imposta ao mero talante do Juiz. Em outros termos, se o Magistrado, fundado no poder geral de cautela, impõe medida menos restritiva que a prevista estritamente por lei, razão não há para qualificar de ilegal ou inconstitucional o seu exercício de poder geral de cautela.” (p. 1025)

Enfim a breve análise não tem a finalidade de provocar seja do Partido A ou do Partido B ou do C, a finalidade é apenas analisar demonstrar alguns equívocos para que futuramente esses equívocos não alcancem outros réus e não viciem o procedimento criminal e o mais importante não cause injustiças.

  • #penal #constitucional

Referências

ALENCAR, Rosmar Rodrigues. TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. Editora JusPODIVM. 11ª edição. 2016.

DE ALENCAR, Hitalo. Astreintes no processo penal? Disponível no site https://hitalodealencar.jusbrasil.com.br/artigos/1443545637/astreintes-no-processo-penal. Acesso no dia 06/04/2022.

MADRUGA, Eduardo. MOUZALAS, Rinaldo. NETO, João Otávio Terceiro. Processo Civil – volume único. Editora JusPODIVM. 8ª edição. 2016.

SOBRAL PINTO, Cristiano Vieira. Direito Civil – sistematizado. Editora JusPODIVM. 7ª edição. 2016   


Hugo Leandro dos Santos Barreira

Advogado - Belém, PA


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