Atuação do(a) Advogado(a) Criminalista nos crimes mediante representação.


03/07/2022 às 23h39
Por Hugo Leandro dos Santos Barreira

O raciocínio que sempre nos remete é que a atuação do advogado criminalista é sempre na defesa, isto é defendendo o seu cliente que na maioria das vezes é o autor do crime nas investigações iniciais seja por parte da Polícia ou do Ministério Público e cabe ao advogado (a) inocentá-lo ou procurar que a sua pena seja a mais baixa possível.

O artigo 5º, LV da Constituição Federal é claro no sentido de enfatizar o direito de defesa que diz:

Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e os acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

A própria carta política constitucional de maneira clara enfatiza a importância da defesa no nosso atual Estado Democrático de Direito, e podemos perceber claramente que aos “acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa”, ou seja, a figura do acusado, aquele que está respondendo a um procedimento criminal lhe é assegurado todo o aparato defensivo seja ele dado a um (a) Advogado (a) privado ou a um Defensor (a) Público.

Sabemos que aos acusados em geral lhe são garantidos todos os direitos inerentes ao direito de se defender seja ele defendido por advogado (a) privado ou defensor (a) pública, todavia como fica a figura da vítima dentro da seara criminal ?

Os crimes dentro da ciência criminal são divididos em crimes de ação penal incondicionada, ação penal pública mediante representação e ação penal privada, didaticamente não vamos abordar todas as ações penais que a doutrina discute e achamos melhor apenas abordar esses três tipos de ação.

De maneira clara e objetiva o estudo das ações penais está descrito no artigo 24 da Código de Processo Penal:

Art. 24. CPP. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

É salutar que todos os crimes são de ações penais públicas incondicionadas, salvo quando a própria legislação diz ou declara que essa obrigação é privativa do ofendido, vejamos o que diz a letra fria da lei:

Art. 100. CP. Ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

Acompanhando o raciocínio supra, transcrevo as palavras do Dr. Gustavo Badaró:

“O código penal não estabelece quando a ação penal é de iniciativa pública incondicionada. Tal tipo de ação penal é subsidiário. Assim, no silêncio do legislador, a ação penal será pública incondicionada (CP, art. 100, caput e § 1º). Neste caso, o Ministério Público deverá oferecer a denúncia, independentemente da manifestação de vontade de quem quer que seja.” (p. 119)

Perceba que quando o intérprete tem acesso aos crimes capitulados no CP se nada falar, o crime é de ação penal pública incondicionada e cabendo o “parquet” mediante denúncia apurar uma possível manifestação criminosa. Agora pergunto: se o interprete ao se deparar com um determinado crime ele ler: “mediante representação do ofendido ?”

Mais uma vez recorro a letra fria da lei que diz:

Art. 100. CP. (...)

§ 1º. A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. (grifo nosso)

O parágrafo primeiro do artigo retro transcrito nos diz que em determinados casos cabe a vítima ou cabe a manifestação da vítima para que determinado crime seja ao menos investigado ou apurado. A atuação do advogado frente a esses crimes deve ser exercido com o máximo de cautela, pois o advogado atua meio que acusando e se você acusa deve demonstrar por meio de provas robustas que seu ou sua cliente sofreu aquele crime, desde que esse crime seja mediante representação, logo podemos concluir que a vítima de um crime precisa também de advogado. De maneira certeira e bastante elucidativa que lhe é peculiar o Dr. Evinis Talon sobre o tema diz:

“nos crimes de ação penal pública, a vítima também pode constituir um advogado para auxiliá-la durante o processo, principalmente se houver algum risco de que ela se incrimine durante os seus depoimentos na fase policial e judicial” disponível no site http://www.talon.com.br/a-vitima-de-um-crime-precisa-de-advogado/

Perceba que a atuação do (a) advogado (a) nas ciências criminais não esta restrito apenas no seu aspecto defensivo ou apenas em refutar tudo o que a denúncia ministerial diz contra o seu cliente. A atuação do patrono legal frente aos crimes seja mediante representação ou ações privadas requer que a atuação do advogado seja a mais eficiente possível justamente para que durante as investigações o advogado possa resguardar os direitos também da sua cliente-vítima. O Dr. Caio Augusto Santos Zaccariotto de maneira brilhante diz:

“por exemplo, imagine-se a necessidade de rápida colheita de fonte probatória de crime cibernético, como estelionato dado por (falso) site de vendas. O mero registro de boletim de ocorrência sem outras medidas pode não ser suficiente. Portanto, a atuação de advogado pode ser crucial no sentido de, já ao tempo da comunicação do delito, ou requerer à autoridade policial a busca de informações, ou demandar produção antecipada de provas à justiça, ou mesmo fazê-lo por conta, com auxílio de profissionais especializados, levando sequência os dados obtidos aos órgãos competentes”. Disponível no site https://curyzaccariotto.com.br/2020/10/21/a-defesa-dos-interesses-da-vitima-por-advogado/

Perceba que há algumas condutas criminosas por parte do código penal que só serão apuradas se houver por parte do ofendido uma representação ou representação criminal, nos moldes do artigo 38 do Código de Processo Penal que passo a transcrever:

Art. 38. CPP. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, no dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

Parágrafo único. Verificar-se-á a decadência do direito de queixa ou representação, dentro do mesmo prazo, nos casos dos arts. 24, parágrafo único, e 31.

Como se pode notar, o artigo 38 acima traduz que cabe a vítima esboçar uma manifestação de vontade para que o crime que ela sofreu possa ser investigado, desde que esse crime seja mediante representação. Os irmãos Heráclito Antônio Mossin e Júlio César O.G. Mossin com relação a “representação” tratam do tema sob seguinte entendimento:

“representação é a manifestação de vontade por intermédio da qual o ofendido ou seu representante legal, cujo rol já foi anteriormente mencionado, autoriza a persecução penal criminal, ou seja, a instauração do inquérito policial e ao mesmo legitima o Ministério Público para a ação penal. Sem ela não pode haver inquérito policial.” (p. 25)

Entendemos que diferente dos crimes de ação penal privada onde a vítima junto com o seu advogado tem um papel importante no início da persecução penal, os crimes mediante representação não há uma obrigatoriedade da atuação do advogado, todavia com muitas vênias aos grandes doutrinadores e juristas, entendo que deve o advogado atuar nos crimes mediante representação, pois não sabemos o que aguarda a vítima seja no pedido de algumas informações ou até mesmo no pedido de alguma antecipação de provas etc.

Sobre o tema são grandes os ensinamentos dos Doutores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar:

“representação: é uma condição de procedibilidade para que possa instaurar-se a persecução criminal. É um pedido autorizador feito pela vítima ou por seu representante legal. Sem ela a persecução penal não se inicia. Não pode haver a propositura da ação, e também não pode sequer ser iniciado o inquérito policial, afinal, o legislador conferiu à vítima a faculdade de autorizar ou não o início do procedimento. Isto porque a preservação da intimidade do ofendido foi colocada em primeiro plano. Muitas das vezes o constrangimento de reconstruir os fatos já passados e expor a intimidade em juízo ou na delegacia é mais desgastante do que a própria impunidade do criminoso. Assim, nem mesmo o auto de prisão em flagrante poderá ser lavrado sem que a vitima autorize.” (p. 259)

Conclui-se que a presença ou a atuação do (a) advogado (a) não está apenas restrito ao campo da defesa, podemos perceber que a atuação do advogado está também registrada nos crimes mediante representação e também nos crimes cuja ação é penal privada.

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Referências

ALENCAR, Rosmar Rodrigues. TAVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. Editora JusPOVIDM. 11ª edição. 2016;

BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Editora Elsevier. 2012;

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – parte geral-Volume 1. Editora Impetus. 2018;

MOSSIN, Júlio Cesar O.G. MOSSIN, Heráclito Antônio. Manual de Prática Processual Penal. 2ºedição. Editora JHMizuno. 2015;

Sites

TALON, Evinis. A vítima de um crime precisa de um advogado? Disponível no site http://www.talon.com.br/a-vitima-de-um-crime-precisa-de-advogado/ acessado no dia 03 de julho de 2022;

ZACCARIOTTO, Caio Augusto Santos. A defesa dos interesses da vítima por advogado. Disponível no site https://curyzaccariotto.com.br/2020/10/21/a-defesa-dos-interesses-da-vitima-por-advogado/ acessado no dia 03 de julho de 2022.


Hugo Leandro dos Santos Barreira

Advogado - Belém, PA


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