No dia 31 de março de 2022 entrou em vigor a lei que tutela ao que a Lei chama de “Violência Institucional”, o artigo correspondente a inovação pode ser vista através do artigo 15-A da Lei de Abuso de Autoridade que diz:
Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade.
I - A situação de violência; ou (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)
II - Outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização: (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)
§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3 (dois terços). (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)
§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena em dobro. (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)
Como visto acima, a novel lei tutela uma proteção para que vítimas de determinados crimes violentos não se submetam a procedimentos desnecessários por parte das autoridades policiais e judiciais no momento das investigações.
Antes de comentarmos sobre esse crime, a lei inovadora teve como inspiração o “Case – Influencer Mariana Ferrer” onde o Brasil acompanhou a tamanha situação de vulnerabilidade da vítima “Mariana Ferrer” no teor da audiência em que ela se submeteu podemos perceber o quanto foi violado os seus direitos mais básicos que vão desde a violação da sua dignidade da pessoa humana até os seus direitos fundamentais mais básicos. Com certeza, o caso da “Mariana Ferrer” tem que servir de exemplo para que outras vítimas não passem o que ela passou.
Feitas as devidas noções introdutórias e inspiradoras do nascimento da norma, passamos agora, a uma breve análise do novel dispositivo que está na Lei 13.869/2019 – Lei do Abuso de Autoridade.
A legislação brasileira já traz no seu bojo alguns conceitos de violência institucional, ou seja, o termo “violência institucional” não foi inaugurado com a recente Lei 14.321/2022, pois o referido termo e proteção já estão espalhados nas leis brasileiras, cito a título de exemplo Lei 13.341/2017 - que tutela o sistema de garantias e direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência – no seu artigo 4, IV da lei supracitada que diz:
(...) para os efeitos desta lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência:
IV. violência institucional, entendida como praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive gerar vitimização.
A nova lei também seguiu os passos da Resolução 254/2018 do Conselho Nacional de Justiça abordando o conceito da violência institucional ao dizer que:
Art. 9º. Configura violência institucional contra as mulheres no exercício de funções públicas a ação ou omissão de qualquer órgão ou agente público que fragilize, de qualquer forma, o compromisso de proteção dos direitos das mulheres.
Fazendo uma breve análise crítica acerca do dispositivo ora recém inaugurado no ordenamento jurídico, percebemos que o novo dispositivo legislativo não alcançará sua finalidade útil, que é coibir esse tipo de violência ora perpetrada principalmente contra as mulheres. Se analisarmos os seguintes verbos-núcleos do tipo “procedimentos desnecessários” a lei não define quais serão ou o que é “procedimentos desnecessários”, ou seja, caberá ao interprete meio que definir o que seria “procedimentos desnecessários”, aqui há um subjetivismo perigoso, já que no direito penal ou processo penal a interpretação extensiva apesar de ser válida nas referidas disciplinas, a interpretação extensiva se tiver o condão de alcançar a finalidade da norma ela é válida, todavia e se tal finalidade da norma não for alcançado ? A referida Lei que tutela a violência institucional não foi muita clara ao dizer o que são os “procedimentos desnecessários”, com relação ao tema é importante os ensinamentos hermenêuticos do professor Bernardo Montalvão que diz:
“qual, de entre as múltiplas variantes de significado que podem corresponder a um termo segundo o uso da linguagem, deva em cada ser considerada adequada, em regra? É preciso lembrar que nem sempre esse termo e o seu significado contarão com o apoio do contexto em que é empregado, vez que esse poderá oscilar. Isto porque o mesmo termo poderá ser empregado em contextos diferentes.” (p. 244) – grifo nosso
Perceba que há determinados crimes violentos, principalmente, os crimes sexuais que por mais que seja torturante a vítima precisa dar certas informações seja para a autoridade policial ou judicial de como esse crime ocorreu visando a punição adequada nos moldes do que a lei manda ao criminoso, logo será que para aquela autoridade seja policial ou judicial que quer fazer um trabalho mais diligente e que busca as provas justamente no intuito punir aquele agressor que fez isso contra a vítima, será que somente pelo fato dessa autoridade ser diligente esse delegado (a), Juiz (a) ou Promotor (a) sofrerá os incursos do artigo 15-A da Lei do Abuso de Autoridade ?
Entendo que a Lei da “Violência institucional” visa oferecer uma proteção as vítimas de crimes violentos justamente para aquela vítima não sofrer os dissabores e o sofrimento que passou na época dos fatos, isto é tenta de alguma maneira que ela não sofra o processo da revitimização, todavia no próprio CPP já existe proteção semelhante a essa, conforme o artigo 201 do Código de Processo Penal que diz:
4o. Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 5o. Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 6o .O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
Essa proteção que a Lei 14.321/2022 emprega já é exercida desde a Lei 11.690/2008, ou seja, essa proteção já está prevista no próprio CPP.
A doutrina de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, de maneira acertada denomina a Lei 11.690/2008 como “Prerrogativas do ofendido”, que dizem:
“o pleno amparo ao ofendido ganha reforço, na preocupação com o acompanhamento pós-traumático, seja na área psicossocial, com atendimento de psicólogas e assistentes sociais, apoio jurídico, com a intervenção das Defensorias Públicas que podem prestar valiosa contribuição, não só na seara cível, em razão dos danos causados pela infração, mas também com a possibilidade de habilitação como assistentes de acusação, além do amparo médico, com encaminhamento para o tratamento das consequências ocasionadas pela conduta criminosa” (p. 708)
Lanço uma humilde indagação: será crime de “violência institucional” uma autoridade pública “submeter” a vítima a uma acareação ? Vejamos o que diz o texto da Lei:
Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.
Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.
Nobres Doutores e Doutoras, será que uma autoridade pública estará cometendo o crime de “violência institucional” se no decorrer das investigações ela solicitar que a ofendida ou a testemunha possa novamente esclarecer algo de algum fato que gerou uma dúvida ou uma divergência? Ou se caso uma autoridade pública com base no CPP solicitar novamente a presença dos acareados para fazer novas perguntas, essa autoridade atingirá os verbos – núcleos do artigo 15-A da Lei do Abuso de Autoridade “procedimentos desnecessários” ou “repetitivos ou invasivos” ou que a “leve a reviver sem estrita necessidade”?
Sabemos, novamente o quanto é tormentoso uma investigação criminal, no entanto sabemos também que uma investigação malfeita gera injustiças e esse novo dispositivo previsto no artigo 15-A da Lei do Abuso de Autoridade, ao meu humilde sentir limitará a atuação das autoridades públicas nas investigações criminais, já que os termos em questão: procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos ou sem estrita necessidade acabam que limitando e dando uma certa insegurança as autoridades policiais e judiciais seja na investigação criminal, seja no decorrer do processo.
Adotando todo o acato e a educação e acima de tudo respeitando as opiniões, mas a Lei da “violência institucional” possui fortes resquícios do que a criminologia chama de “direito penal simbólico” que num conceito de fácil compreensão nada mais é do que utilizar o direito penal como instrumento demagógico por meio de certas leis que acontecem após um determinado fato que culminou numa comoção generalizada e com a ajuda de certos meios midiáticos do tipo imprensa e redes sociais a novel lei apareceu no ordenamento jurídico, sendo que tal previsão já tem no ordenamento jurídico pátrio.
Por fim, reiteramos que a breve e sucinta exposição tem um condão de não criticar a referida lei, e sim olhar que os conceitos abertos que a lei traz poderá ter por parte do poder judiciário uma certa dificuldade na hora de implementá-la e sempre advogando para que vítimas de crimes violentos tenham uma proteção ainda maior e principalmente melhor.