Ninguém discorda que a pandemia acabou acelerando um processo consideravelmente atrasado no Brasil --- o do trabalho remoto. E que o home-office se encontra restrito aos cargos cuja presença do profissional seja desnecessária ou não essencial. Inobstante, desde a virtualização do mundo do trabalho e, especialmente a dos processos judiciais, as profissões jurídicas inevitavelmente se inseriram entre as mais assimiláves pela modalidade não presencial de labor.
Milhares de trabalhadores se adaptaram bem ao sistema, inclusive aumentando a produtividade pela economia de tempo no trânsito e com distrações em assuntos paralelos. Até a redução de conflitos emocionais indesejados pôde ser detectada na interação de funcionários por escrito. A flexibilidade e autonomia do home-office também propiciou melhoria no convívio familiar, notadamente de pais com filhos pequenos.
É claro que alguns profissionais não se sentiram confortáveis no ofício virtual. Parte deles devido a uma personalidade ainda muito arraigada na relação pessoal do contexto laborativo. Também onde subsistem gestões que, independentemente do mais complexo porte institucional e potencialidade laborativa virtual, sustentam anacrônico preconceito, insistindo na receita presencial.
Aspectos psicológicos emergem em todo sistema de gestão, pública ou privada. Um chefe seguro de si e de atuacão equilibrada, que tenha conquistado o respeito de seus subordinados não apenas pela posição hierárquica, terá facilidade para instituir um sistema de cumprimento de metas a distância. É preciso refletir se a insegurança sobre o trabalho remoto não representa na verdade uma falsa confiança no trabalho presencial, escorada na ausência de um mecanismo de supervisão individual de metas de desempenho.
Ninguém se importa (ou deveria) com oscilações da produção unitária de cada integrante de um grupo de trabalho, em uma média bem traçada no histórico institucional. A atuação processual na advocacia, por exemplo, contempla variáveis que escapam a uma previsibilidade absoluta de rotinas e tempo de atuação. O âmbito de discricionariedade nas opções técnicas de algumas situações específicas também deve ser respeitado, salvo se houver diretriz prévia sobre linha de atuação. Sem embargo, a produtividade pode perfeitamente ser medida e os pontos "muito fora da curva" detectados a partir da transparência online das rotinas de cada advogado ou procurador.
Aliás, divisam-se duas opções gerenciais no particular: uma justamente conferindo transparência total à produção de cada integrante de órgão ou entidade. Isto serve de parâmetro de supervisão, mas também para um saudável auto-controle de cada um pelas tarefas e prioridades por resolver.
Outra opção administrativa, mais tradicional e ainda paradoxalmente reinante no mundo da advocacia pública e corporativa, controla a produção unitária de modo superficial, privilegiando o sigilo da performance. Embora a prática permita preservar gerências de críticas (geralmente dirigida a quem produz pouco ou se encontra privilegiado por distribuição anti-isonômica de processos), constitui a receita ideal para a debandada dos melhores profissionais.
Particularmente na advocacia contenciosa, a preferência por determinadas matérias ou áreas afins merece atenção do gestor. Embora a especialização acadêmica e a experiência prática possam ser levadas em conta como critério estratégico na distribuição, não se deve convolá-la no desestímulo ao enfrentamento de novas teses que requereiram estudo e planejamento antecipado do tempo pessoal.
Certo é que a emissão de relatórios, medidas corretivas e fluxos gerenciais, acabam facilitados pelo home-office, justamente devido ao registro escrito, colaborando à eficiência e prestação de contas.
Uma concepção individualmente livre e assimétrica do home-office pode significar uma receita de sucesso adaptada à personalidade de cada integrante do departamento jurídico e circunstancialidade das demandas, colaborando a ampliação dos serviços executados sem recurso à contratação, desde que combinada à transparência antes mencionada.
Na área consultiva, o home-office também pode ser utilizado com boa margem de resolutividade, desde que a cultura gerencial dos setores que interagem com o jurídico esteja consolidada em reuniões e uso de aplicativos online.
Inevitavelmente, um setor administrativo de suporte local atuante deverá secundar a atividade da representação judicial, atentando para que seus cronogramas de cobrança de documentos, recibos, pagamentos e peças de informação, considerem o tempo necessário à confecção das petições pelos advogados e procuradores, encaminhando-lhes as respostas com antecedência. O home-office destes setores de apoio logístico também se perfaz possível, mas uma avaliação minuciosa da rotatividade entre o labor presencial e virtual terá que tomar corpo.
A análise da manutenção de uma identidade coletiva institucional também deve pautar a decisão gerencial sobre a abrangência do trabalho virtual, parecendo razoável concluir que a advocacia pública, menos pessoal do que a exercida na iniciativa privada (compromissada com clientes), naturalmente alcance maiores índices de trabalho virtual.
A atividade administrativa e jurídica exercida no Poder Judiciário, por sua vez, devido ao atendimento pessoal obrigatório ao usuário, acaba tendo que rotacionar escalas de trabalho presencial e virtual, portanto sem livre opção ao trabalhador.
Certo é que, se bem aplicado como instrumento de gestão, o home-office propicia aumento de produtividade, economia de energia, otimização no uso de equipamentos do posto, bem estar psicológico aos adaptados, e uma maior tranquilidade para quem prefere ou precisa atuar sozinho, em silêncio, sem audiências e discussões se entre-cruzando na repartição.
Ao fim e a cabo, o trabalho remoto desmistifica preconceitos arraigados sobre as modalidades intelectuais de labor humano, que nunca dependeram da presença física. A advocacia pública é inegavelmente uma delas.