- Óh, e agora, quem poderá nos defender???


25/07/2025 às 14h17
Por Alexandre Rocha Pintal

Antes da revolução digital, advogados tinham que se deslocar ao fórum, pegar uma senha e aguardar. Era este o inconveniente para poder ter acesso aos autos de um processo, com ou sem procuração. O Estatuto da OAB, Lei Federal n.º 8.906/94 sempre foi bastante claro a respeito do direito de vista:

Art.7º, inc. XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos

Pois bem. Adveio a digitalização dos processos, trazendo a indubitável liberdade de acesso remoto dos autos, agora eletrônicos. Um advogado do Acre poderia (já explico o futuro do pretérito), sem muito esforço senão o de possuir um computador com acesso à internet, proceder a uma simples consulta ou peticionanento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apenas digitando o número da ação no site respectivo. 

Tal período foi demarcado por grande festejo das instituições de representação da advocacia — Conselho Federal, Seções, Seccionais, Institutos e Associações em geral. Um novo horizonte para os escritórios e órgãos públicos de representação judicial traria, como trouxe, a redução de despesas e a otimização do tempo de trabalho. Por conseguinte, o aumento da produtividade e, convenhamos, uma maior eficácia de atuação, sem folhas faltando que não foram fotocopiadas ou ficaram ilegíveis porque "queimada" a chapa. Sem reservas de hotel e custos de passagem de ônibus, avião ou combustível para viagens entre municípios para fazer carga ou participar de audiências. Uma melhoria significativa no exercício da profissão de advogado. 

Todavia, como soi acontecer num país onde algumas autoridades judiciárias fazem o que bem entendem, mesmo que não tenham sido eleitas para tanto, durou pouco a facilidade (e felicidade). Já não bastava um instrumento de mandato outorgando poderes. Era preciso contratar uma certificação digital para provar que "você é voce". A desconfiança e a presunção de má-fé a regra; a honestidade, a boa-fé, e mais que isto o texto de lei, pormenores.

Ao expediente da certificação, os advogados mais jovens até se adaptaram surpreendentemente rápido, fruto da necessidade emergente, em meio às transformações de mundo. Como a OAB concordou — sabe-se lá o argumento, mas evidentemente desacordado da legislação especial —, um contingente considerável de profissionais mais antigos foi simplesmente exilado de poder trabalhar, dependendo de jovens estagiários que nem todos podiam custear. O sagrado direito de representação lhes foi tirado da noite para o dia, sem direito a recurso e sob o estúpido viés autoritário e preconceituoso que adorna quem pensa evolução como sinônimo de complexização e não simplificação. E não havia o que fazer... considerados inaptos para o trabalho, sorte dos que puderam se aposentar sem ter que mudar de profissão! Nem os rábulas (praxistas que não eram bacharéis) foram tão maltratados, podendo advogar até o óbito num período de transição. 

O que está por trás da universalização de uma certificação que deveria ser opcional? Que interesses foram e estão sendo privilegiados neste esquema? Seria incorreto invocar o "criar dificuldade para vender facilidade"? "Segurança dos processos" contra quem cara-pálida?

Seria demais supor que o país dos cartórios que já não podiam ser transferidos para filhos sem concurso público deu aquele "jeitinho brasileiro" de empregar filhos de autoridades sem caracterizar nepotismo? Os transformou em "empresários" da tecnologia da informação — os tabeliões da era digital?

Parece que tais empresas, antes circunspectas a vender a certificação para contadores (o sigilo do contribuinte o justifica), e escritórios de advocacia de maior porte que trabalham com contratações de vulto, receberam um "presentinho" de um mercado milionário de todos os advogados do país.

Atenção! Não estou condenando a iniciativa privada mas muito pelo contrário, todos devem poder vender serviços úteis. Condeno a obrigatoriedade de, para além da procuração e do dever de publicidade dos processos judiciais (o sigilo é a exceção e deve ser pontualmente decretado), todo advogado precisar de um certificado digital para poder peticionar nos autos.

As desculpas (esfarrapadas e paranóicas) vão de "jornalistas que divulgam acusações criminais antes de vereditos", a "furto de dados pessoais para práticas criminosas". Estes episódios existem, mas convenhamos, nem precisa estatística em papel para flagrar o engodo. São poucos casos, e que já tem o aparelho repressor competente da indenização, direito de resposta e acusação criminal para resolvê-los.

O país dos interesses minoritários conseguiu mais uma vez enterrar o interesse majoritário, o público, esse tão ignorado e vilipendiado de uma suposta democracia.

O princípio por excelência da democracia é o de que a maioria, ou as maiorias, decidem. Ponto. Simples assim. E quem não gostar deve mudar de país, mas aqui, são as maiorias que vivem perdendo. A cidadania enquanto foco político central — e que na economia deveria ser representado pela classe média, real e potencial — é deixada de lado. Preferem "Vossas Excelências" o voto fácil do pobre que deseja ser pobre por toda a existência, sustentado pelo Estado; e do rico que concorda propinar agentes públicos, ou deseja beneces setoriais tributárias sem qualquer interesse público. 

Calma caro leitor — ainda não terminei. Após conseguirem nos impor o certificado digital, surgiram outros procedimentos para evitar os mesmos problemas que o certificado evitaria, ou deveria evitar.

Além de um certificado válido e funcional que as vezes exige a contratação de um técnico em informática para resolver problemas, ou ligações (aquelas ligações para servidores de Varas ou Tribunal frequentemente indispostos ou lhe considerando um idiota pressuposto que não deve ter observado algum requisito óbvio de acesso), deve o advogado instalar um aplicativo que fornece uma senha rotativa. Começou na justiça federal comum, se estendeu para a do trabalho e depois para as estaduais. Aquele tipo de ação "na calada da noite", com algum tempo de "adaptação" mas ninguém para representar o interesse majoritário da advocacia e até do cidadão brasileiro (ou estrangeiro) que precise consultar e peticionar no seu processo.

Como se já não bastasse toda a estultice centralista burocrática de Brasília que jamais facilita e sempre dificulta nossas vidas, eis que o CNJ impõe um portal intermediário de acesso — obrigando a uma senha (mais uma) recebida no e-mail, a cada acesso, lembrando que cada log in possui uma contagem regressiva para evitar que o conteúdo dos processos possa ser espiado por um "malévolo bandido mal intencionado". Afinal, esse pessoal de T.I. é nosso "anjo da guarda" contemporâneo. Eles já conseguiram até "evitar" que dados de Tribunais como o de Justiça do Rio Grande do Sul fossem apagados por hackers... piada pronta. 

Resumindo, um advogado hoje, para atender a um prazo precisa de procuração, um certificado válido (há um prazo e a renovação custa), funcional (problemas serão resolvidos por custos, alguns "corrompem" e é preciso revalidar, alguns dispositivos físicos estragam e é preciso trocar), a senha rotativa do aplicativo (este por hora gratuito), e outra senha enviada para um e-mail pessoal. Se este email lotar, já era. Se bloquear, você terá que ligar no Tribunal para solicitar a sua substituição por outro.

O tempo para o acesso de um processo virtual já começa a se aproximar da velha ida ao fórum. Pelo menos a ida a atuação presencial permitia se distrair conversando com colegas e até paqueras (quantos casamentos não surgiram nesses corredores?).

O problema de mais rotinas é a estatística. Aumenta a probabilidade de que um problema em alguma delas comprometa o todo — ou seja o acesso ao processo e o peticionamento. À agravante do prazo judicial ou legal, este sempre imperioso dever por cumprir em tempo não raro diminuto. Pedir restituição de prazo hoje em dia significa provar que a inviabilidade de acesso não se deu por "incúria" do email estar cheio, não se prevenir ao vencimento da validade do certificado, o serviço de internet falhar, esquecer uma senha.

Ou seja, a OAB ao longo dos anos veio permitindo que os advogados assumissem ônus de rotinas ilegais criadas por integrantes do Judiciário. Elas sequer deveriam existir, são exageradas e vilipendiam as garantias da profissão de advogado e por consequência do Estado Democrático (leia-se do interesse majoritário) de Direito. 

Havia um seriado mexicano no SBT em que as vítimas de um assalto, para convocar o herói, sempre diziam: "— Óh, e agora, quem poderá nos defender???"

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Alexandre Rocha Pintal

Advogado - Curitiba, PR


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