I. Introdução.
Este artigo trata das disposições normativas, tendências jurisprudenciais e algumas cogitações doutrinárias sobre o trabalho realizado pela internet, a partir das Leis Federais n.ºs 13.467/2017 e 14.442/2022, esta última surgida da conversão da Medida Provisória n.º 1.108/2022. [1]
II. Conceito.
A reforma trabalhista, na verdade a última de uma série de revisões do texto celetista desde a sua promulgação em 1943, foi implementada pela Lei Federal n.º 13.467/2017. Entre outras questões, regulamentou o teletrabalho, que já vinha sendo utilizado em larga escala no país desde o advento da pandemia de coronavírus, "como forma de manter o isolamento social dos trabalhadores", segundo a exposição de motivos da MP n.º 1.108/22.
A doutrina traz algumas observações interessantes a respeito, como o rompimento da centralidade da empresa como local da prestação do serviço. Uma descentralização demarcada pela flexibilidade espacial e temporal da jornada, e responsabilidade autônoma do empregado pela produtividade, sem que isto dissolva a subordinação jurídica e os demais elementos essenciais da relação de emprego, mantendo-se inclusive a comunicação periódica com o empregador [2].
O capítulo correspondente ao teletrabalho foi inserido na CLT a partir do art. 75-A, conceituando-o 75-B como "a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo." O parágrafo único previu que o comparecimento do empregado às dependências do empregador para a realização de atividades específicas não descaracterizaria o regime de teletrabalho.
Pode-se observar portanto a preponderância do ofício a distância como delimitador inicial do regime jurídico contratual de que se trata. Com o advento da Lei 14.442/22, todavia, o fator deixou de constituir elemento essencial da fatispécie, à seguinte redação (destaco):
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante "ou não", com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo.
A explicação de governo foi a de que a mudança facilitaria o ajuste de regimes híbridos de trabalho, inclusive com prevalência presencial sobre o remoto.
Na verdade, buscou-se reforçar a segurança jurídica do modelo, evitando que a realização intercalada do trabalho presencial pudesse ser invocada para descaracterizar o teletrabalho, redundando no pagamento de horas-extras ou do 1/3 em sobreaviso, sobre a jornada remota. Por isto o §1º também foi alterado (destaco):
§1º O comparecimento, "ainda que de modo habitual", às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto.
A lei acrescentou que o regime de teletrabalho não se confunde nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento (§4º). E realmente, estas atividades possuem peculiaridades de atribuições e são normalmente prestadas dentro de um estabelecimento do empregador, ainda que de forma descentralizada.
Restou portanto delineada a definição legal residual de que o tele-trabalho é o ofício remoto virtual, declarado na minuta de contrato ou aditivo, independentemente de preponderância de dias ou horas sobre a jornada presencial, preferencialmente definindo as atribuições desenvolvidas à distância.
III. Forma escrita.
O legislador pretendeu instituir a forma escrita como um requisito de validade do contrato de teletrabalho, conforme se nota do caput do art. 75-C da CLT (destaco):
Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho "deverá" constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
Doravante, por se tratar de um típico contrato de emprego, não por acaso cunhado de "contrato-realidade", diverso tão somente quanto ao local de prestação e meio virtual de produção e interlocução com o empregador; e não propriamente uma "exceção" à heteronomia celetista geral de ordem pública que exija forma escrita (caso do estágio e da menor aprendizagem), pode-se afirmar que o labor em home office provado por outros meios, que não o escrito, se sustenta validamente perante o art. 442 da CLT combinado ao art. 7º, inc. XXXII da CF (destaco):
Art. 442 Contrato individual de trabalho é o acordo "tácito" ou expresso, correspondente à relação de emprego.
Art.7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e "intelectual" ou entre os profissionais respectivos.
Note-se que, ao contrário do que possa parecer, o interesse na caracterização do teletrabalho tácito pode não assistir apenas ao empregador que deseja afastar pretensões de horas-extras ou sobreaviso, mas ao empregado que pretenda reverter justa causa imputada em razão de circunstâncias afetas ao trabalho remoto, como um atraso ou ausência a reunião importante ou programa de capacitação presencial obrigatório, devido ao trânsito no trajeto, p.ex.
Cabe a ressalva de que o § 6º do art. 75-C da CLT permitiu o teletrabalho aos estagiários e menores-aprendizes, mas neste caso a inafastabilidade da forma escrita já constitui uma característica destes tipos de contrato excludentes do regime geral de emprego.
De qualquer modo, a jurisprudência da especializada, quando ausente a estipulação formal do teletrabalho, seja para considerar irregular a pactuação tácita ou lhe reconhecer a validade, pende à interpretação mais favorável ao empregado quanto às pretensões remuneratórias:
TRABALHO REMOTO. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO ESCRITA. VIOLAÇÃO AO ART. 75-C DA CLT. IMPOSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR NA EXCEÇÃO AO CONTROLE DE JORNADA DO ART. 62, III, DA CLT. De acordo com o art. 75-C da CLT, somente é possível a classificação dos empregados como trabalhadores remotos quando tal circunstância constar expressamente no instrumento de contrato individual de trabalho. No caso, observa-se que o vínculo de emprego entre as partes foi reconhecida apenas em juízo, e não há nos autos notícia de que o autor e as rés pactuaram, por escrito, a adoção do regime de teletrabalho durante o período de prestação de serviços. Por conseguinte, não há como se reconhecer que o reclamante era um teletrabalhador, motivo pelo qual é incabível sua classificação na exceção ao controle de jornada do art. 62, III, da CLT. Recurso ordinário do autor provido. [TRT9ª, 3ªT., 0000006-68.2024.5.09.0655. Rel. Des. Eduardo Milleo Bacarat.]
AJUDA DE CUSTO - PERÍODO DE TELETRABALHO - Restou incontroverso que o reclamante trabalhou em casa, de modo que faz jus ao pagamento da ajuda de custo prevista na norma coletiva para os empregados em regime de teletrabalho. [TRT9ª, 6ªT., 0000626-18.2022.5.09.0084, Rel. Des. Sergio Murilo Rodrigues Lemos.]
Assim, a forma escrita remanesce como o método mais indicado para conferir segurança jurídica ao teletrabalho, no interesse do empregador. Acresce que, tanto para a implementação do teletrabalho, quanto para a elaboração das cláusulas do contrato ou aditivo, deve-se procurar identificar a inviabilidade do controle de jornada, único fator inequívoco de afastamento do regime de horas-extras:
Teletrabalho. Horas extras. Inocorrência. Não sendo trazidos aos autos quaisquer elementos a demonstrar a possibilidade de controle de jornada do reclamante e diante das peculiaridades inerentes ao teletrabalho, em que o trabalhador possui autonomia e liberdade para gerir os seus horários de trabalho, não sendo possível, no caso concreto, que a reclamada fixasse horários ou os controles, não há que se falar em horas extras ou supressão do intervalo para repouso e refeição. Recurso do reclamante, a que se nega provimento. [TRT2ª, 6ªT., 1000418-41.2024.5.02.0084; Rel. Des. Wilson Fernandes]
ART. 62, III, DA CLT. TELETRABALHO.IMPOSSIBILIDADE DO CONTROLE DE JORNADA. A Lei nº 13.467/2017 introduziu o inciso III ao art. 62 da CLT, o qual excepcionou o teletrabalho do controle de horário pela sua impossibilidade. Com efeito, o enquadramento do Trabalhador na hipótese do art. 62, III, da CLT vincula-se ao cumprimento de teletrabalho incompatível, de fato, com a fixação de horário. Nesse sentido, como regra, a Constituição Federal fixou limite da jornada de trabalho e, portanto, a exceção não decorre da mera previsão legal, sob pena de descompasso com a previsão constitucional. Assim, o que que importa é a impossibilidade de controle de horário, e não a inexistência de controle. Recurso da Autora conhecido e provido no particular.[TRT9ª, 5ªT., 0000806-34.2023.5.09.0008. Rel. Des. Sergio Guimaraes Sampaio]
Vale a propósito lembrar do inciso I do art.62 da Consolidação, determinando que a condição de tarefa externa incompatível com a fixação de horário de trabalho seja anotada na CTPS e no registro do empregado.
IV. Prerrogativa patronal.
Tanto a autorização do teletrabalho a requerimento do empregado, quanto o retorno à modalidade presencial, constituem prerrogativas patronais inerentes ao poder diretivo. O empregado deve ser notificado para o trabalho presencial pelo empregador com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias (§§1º e 2º). Note-se:
TELETRABALHO. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. FACULDADE DA EMPRESA. ... A autorização para o teletrabalho enquadra-se no poder diretivo do empregador, que consiste na faculdade de direção da prestação de serviços de seus empregados, tendo em vista as circunstâncias, condições ou perigos que possam surgir na realidade fática. Assim, não compete à obreira decidir acerca da forma de prestação de serviços, se presencial ou remoto, mas sim à empresa e, conforme bem explicitado na origem, não cabe ao Poder Judiciário interferir nessa avaliação, exceto em situações pontuais. Sentença mantida. [TRT9ª, 7ªT, 0000148-86.2023.5.09.0015, Relª Desª Janete do Amarante]
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA ÉGIDE DA LEI N.º13.015/2014. TRABALHO REMOTO. DETERMINAÇÃO DE RETORNO AO TRABALHO PRESENCIAL DOS EMPREGADOS DO GRUPO DE RISCO PARA COVID-19. ... Entende-se que, passado mais de quatro anos do início da pandemia, com a retomada das atividades cotidianas e a implementação das medidas sanitárias apropriadas para o controle e prevenção do vírus, não se justifica mais, no tempo atual, a manutenção obrigatória em teletrabalho, ainda mais em se tratando de atividade essencial. Desde que tomada às devidas precauções, como na hipótese dos autos, a concessão do benefício se insere no poder diretivo do empregador, nos termos do art. 2º, caput , da CLT... não há norma garantidora do trabalho remoto no ordenamento jurídico atual. Assim, a intervenção do Poder Judiciário nesta seara é absolutamente excepcional e admissível somente para evitar abuso de direito da empregadora, o que não se constata no presente caso. Agravo de instrumento a que se nega provimento. [TST, 2ªT., AIRR-470-67.2020.5.12.0035, Relª Minª Maria Helena Mallmann.]
É claro que alguns contextos específicos podem justificar um temperamento do poder diretivo por influxo constitucional:
TELETRABALHO. REVERSÃO PARA O REGIME PRESENCIAL. PERÍODO PÓS PANDÊMICO. EMPREGADA COM COMORBIDADES GRAVES E ESTADO DE PRECARIEDADE DE SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE. O preceito insculpido no art. 75-C, §2º, da CLT, que reforça o poder diretivo do empregador para alterar o regime de teletrabalho para o presencial, não é absoluto e deve ser sopesado com as normas relativas à proteção do direito à vida e à saúde dos empregados (arts. 5º, 7º, XXII e 196 da CF). Nesse contexto, verificado o frágil estado de saúde da parte autora, bem como a ausência de prejuízo ao empregador com a manutenção do regime de teletrabalho, entendo não haver justificativa para a negativa de manutenção da Reclamante em teletrabalho. Sentença modificada. [TRT5ª, 3ªT., 0000513-16.2022.5.05.0039. Desª Relª Vânia Jacira Tanajura Chaves]
RECURSO ADMINISTRATIVO. TELETRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS POR MOTIVO DE SAÚDE DE DEPENDENTE. MEDIDA EXCEPCIONAL. OFICIAL DE JUSTIÇA. CONCESSÃO. RESOLUÇÃO CNJ Nº 343/2020. Preenchidos os requisitos previstos na Resolução CNJ 343/2020, é possível, excepcionalmente, o deferimento do teletrabalho ao ocupante do cargo de Oficial de Justiça Avaliador Federal (OJAF), considerando que suas atividades não são exclusivamente externas, a teor do Provimento 01/24. [TRT14ª, Pleno, 0001936-11.2024.5.14.0000. Relª Desª Maria Cesarineide de Souza Lima]
EMPREGADA PÚBLICA. AUTORIZAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO REGIME DE TELETRABALHO. FILHO MENOR DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). COMPATIBILIDADE DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO COM O TRABALHO À DISTÂNCIA. LEI 14.457/2022, ARTIGO 7º, II. A autora, mãe de criança diagnosticada com transtorno de espectro autista, possui prioridade para desenvolver sua função, por meio de teletrabalho, quando comprovado que a empresa empregadora aloca vagas de trabalho para essa modalidade de prestação de serviços. Aplicação do art. 7º, II da Lei n 24.457/2022.
[TRT9ª, 3ªT, 0000936-79.2022.5.09.0001. Rel. Des. Eduardo Milleo Bacarat]
TRANSFERÊNCIA. TELETRABALHO. TUTELA PROVISÓRIA. Demonstrada a possibilidade da manutenção do regime de teletrabalho, sem prejuízo para a empresa, cabe, em juízo precário, assegurar ao trabalhador a permanência neste regime quando demonstrado que sua alteração possa prejudicar a convivência familiar diante da precariedade da saúde do cônjuge e do maior interesse de filho impúbere ser criado e educado no seio de sua família. [TRT5ª, SDI-II, 0001581-21.2022.5.05.0000, Rel. Des. Edilton Meireles de Oliveira Santos]
TELETRABALHO. SERVIDOR ESTUDANTE. Nos termos do art. 98 da Lei 8.112/90 será concedido horário especial de trabalho ao servidor estudante que, pode, em razão do disposto na Instrução Normativa TR5 01/2023, ser cumprido no regime de teletrabalho integral, mormente quando no caso concreto evidencia-se a presença de requisitos e situações fáticas que autorizam a adoção do regime. [TRT5ª, OE,
0001070-86.2023.5.05.0000. Relª Desª Dalila Nascimento Andrade.]
PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. TELETRABALHO. COMPARECIMENTO PRESENCIAL NA FILIAL. .... Demonstrado que o autor desempenhava suas atividades laborais durante a pandemia na modalidade remota, sem a necessidade de se apresentar junto à Unidade gerencial, situação que se consolidou ao longo do contrato de trabalho diante do trabalho na forma híbrida mediante o comparecimento na filial de Londrina, sem prejuízo de produtividade e bom andamento do serviço prestado, trata-se de cláusula contratual que se incorporou ao seu patrimônio jurídico, indene de alteração em prejuízo (artigo 468 da CLT). Sentença parcialmente reformada. [TRT9ª, 2ªT., 0000816-23.2023.5.09.0673. Relª Desª Rosemarie Diedrichs Pimpão.]
A questão de "obrigar" um empregado que sempre laborou presencialmente, ao teletrabalho, recebe tratamento jurídico diverso, merecendo alguns apontamentos.
O art.75-C, § 1o da CLT, com redação da Lei n.º 13.467/17, previu apenas o "mútuo acordo" como passível de alterar o contrato de trabalho para o modelo telepresencial, seja ele integral ou híbrido.
Ocorre que algumas circunstâncias podem apontar para a legitimidade da medida imposta unilateralmente pelo empregador. Por exemplo, a realização de obras ou reformas no estabelecimento de trabalho, ou uma crise sanitária que recomende isolamento social. Até mesmo uma epidemia de alto contágio entre funcionários de um mesmo estabelecimento comercial ou órgão público. Vale registrar que, nestes casos, a diretriz será via de regra impessoal, não restringida a um determinado indivíduo, amparando a segurança dos próprios empregados.
Algumas crises econômicas ou financeiras também podem justificar o home-office como método legítimo de redução de custos operacionais, desativação ou aglutinação de setor ou unidade. Nestes casos, a continuidade da relação de emprego pelo teletrabalho poderá prevalecer como valor constitucional maior ante o princípio da não transferência do risco empresarial. Afinal, não se pode afirmar a intangibilidade das condições de trabalho quando a própria manutenção do emprego está em jogo.
Via de regra, não se deve enxergar o home-office com maus olhos. Nas últimas décadas esteve incluído em muitas políticas de bem estar de funcionários em países desenvolvidos como Alemanha e Japão, com comprovados índices de sucesso. Num contexto de horas no trânsito de grandes capitais, o trabalho virtual reduz o estresse e amplia o convívio familiar. No setor público, já pôde até amenizar lotações distantes do domicílio familiar de candidatos aprovados em concursos.
Noutro vértice por refletir, autoridades judiciárias, ministeriais e de fiscalização, podem se deparar com o home office imposto com intuito de provocar exílio social do empregado e forçá-lo ao pedido de demissão. Pretensões neste sentido em juízo devem ser avaliadas numa extensão probatória mais ampla do que a mera concordância escrita pretérita do empregado.
O rompimento das rotinas presenciais e do diálogo com colegas de profissão tende a conduzir à insustentabilidade do vínculo num contexto de assédio moral. Trata-se de prática infelizmente ainda corriqueira em algumas empresas e órgãos públicos pelo país. O que presencialmente pode ser constatado pela alocação do empregado em salas isoladas ou departamentos sem relação com as atribuições descritas no contrato de trabalho, pode assumir a forma de um "inofensivo" home office, a merecer atenção.
No mais, o teletrabalho se sujeita à legislação local (estadual e municipal) aplicável (em matéria de piso regional p.ex.), e às convenções e acordos coletivos da base territorial onde lotado o empregado (art. 75-B, § 7º, id. CLT).
A lotação não se confunde com o local de execução do teletrabalho.[3] Trata-se da designação formal no contrato que vincula o empregado a determinado estabelecimento do empregador. Tanto que o subsequente § 8º prevê a extraterritorialidade da legislação pátria ao teletrabalhador contratado no Brasil, que realize o labor virtual em outro país, excetuadas disposições da Lei nº 7.064/82 que não forem afastadas por disposição em contrário das partes.
O §9º estabelece a possibilidade de que o contrato preveja horários e meios de comunicação entre empregado e empregador, sem prejuízo do respeito aos repousos legais.
Por fim, entre as disposições gerais do regime, a previsão do art. 75-F de que o empregador deverá dar prioridade aos empregados com deficiência e àqueles com filhos ou criança sob guarda judicial até 4 (quatro) anos de idade na alocação das vagas de teletrabalho.
V. Infra-estrutura.
O art. 75-D da CLT estipula que "a aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito."
O §2º do art. 458 da CLT já estabelecia expressamente a "exclusão dos equipamentos ... para a prestação do serviço" do conceito de salário, constituindo portanto uma obrigação patronal acessória do contrato de trabalho, inerente à exploração e risco do negócio (art. 2º id.). Neste sentido:
ABANDONO DE EMPREGO. TELETRABALHO. AUSÊNCIA DE FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS TECNOLÓGICOS ADEQUADOS. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO. SÚMULA 32 DO TST. ARTIGOS 2º E 75-D DA CLT. ... No caso, a reclamante deixou de prestar serviços por meio de teletrabalho à reclamada pela ausência de fornecimento de equipamentos tecnológicos adequados à realização do trabalho. A previsão contratual atribuindo exclusivamente ao trabalhador ônus para aquisição de equipamento e custeio de sua atividade por meio de teletrabalho é manifestamente ilegal, por contrariar expressamente a parte final do art. 75-D e o art. 2º da CLT. A lei não transfere o ônus da atividade econômica ao teletrabalhador, limitando-se, apenas, a delegar para a livre negociação entre as partes a forma como as despesas realizadas pelo empregado serão reembolsadas pela empregadora. Essa interpretação é a que melhor atende aos métodos de interpretação teleológico e sistemático, mormente a necessidade de compatibilização entre os arts. 2º e 75-D da CLT. Justa causa por abandono de emprego julgada insubsistente. [TRT9ª, 3ªT., 0000744-62.2022.5.09.0029, Rel. Des. Eduardo Milleo Bacarat]
... 3. TRABALHO À DISTÂNCIA BASEADO NA UTILIZAÇÃO DE MEIOS TELEMÁTICOS. ERGONOMIA. DEVER DE ORIENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DO EMPREGADOR - O labor prestado em domicílio, a exemplo do teletrabalho, não exime o empregador da fiscalização das condições laborais, especialmente quanto à ergonomia (art. 750-E da Lei Consolidada - CLT, pois a redução dos riscos inerentes ao trabalho constitui garantia constitucional do empregado e dever do empregador (inciso XXII do art. 7º da Carta Suprema e nas normas constantes da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho, incorporada ao ordenamento jurídico nacional e, portanto, integrante do bloco de constitucionalidade, pois diz respeito ao direito fundamental à saúde e à segurança do trabalhador, integrando o dever geral de proteção do empregador, pois ao criar, organizar e dirigir a empresa, o empresário ou empregador gera não apenas riscos econômicos do negócio, mas também para a segurança das pessoas que laboram em benefício da organização. Recursos parcialmente providos. [TRT24ª, 2ªT., 0024280-79.2016.5.24.0002. Rel.ª Des.ª Francisca das Chagas Lima Filho.]
Deste modo, para se preservar de potenciais indenizações pela depreciação de equipamentos de propriedade do teletrabalhador, deverá o empregador fornecer e descrever minuciosamente o hardware e software que serão utilizados, mediante contra-recibo de entrega, cobrindo ainda de algum modo as despesas de internet pelo tempo necessário dispendido.
Alguns instrumentos coletivos já têm previsto uma ajuda de custo para remunerar a utilização do equipamento do próprio empregado no home-office:
AJUDA DE CUSTO - PERÍODO DE TELETRABALHO - Restou incontroverso que o reclamante trabalhou em casa, de modo que faz jus ao pagamento da ajuda de custo prevista na norma coletiva para os empregados em regime de teletrabalho. [TRT9ª, 6ªT., Sérgio Murilo Rodrigues Lemos]
TELETRABRALHO. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO REGIME. AJUDA DE CUSTO - HOME-OFFICE. Para término ou suspensão unilateral do regime instituído de teletrabalho, o texto consolidado exige a concomitância de duas exigências: prazo de transição mínimo de quinze dias e correspondente registro em aditivo contratual (art. 75-C, § 2º). Não observadas, pela ré, as especificidades previstas para alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação unilateral do empregador, permanece o direito obreiro à ajuda de custo prevista no acordo coletivo. Recurso da reclamada conhecido e não provido no particular. [TRT9ª, 5ªT., 0000002-42.2022.5.09.0965. Relª Fesª Odete Grasselli]
O empregador fica tão somente dispensado de indenizar o retorno do empregado ao trabalho presencial, quando o teletrabalho se der fora da localidade prevista no contrato, mas ainda assim se poderá dispor no contrato individual de forma diversa (§3º do art. 75-C), não havendo razão para duvidar de que também se possa pactuá-lo mediante negociação coletiva.
VI. Dispensa de ponto nas categorias hipersuficientes.
Embora se possa conceber tecnicamente o controle eletrônico da jornada linear em home office, a dispensa de marcação de ponto constitui uma tendência natural da modalidade quando o empregado é hipersuficiente.
Tanto o teletrabalhador, quanto o empregado que realiza serviço externo, ou aquele que exerce cargo de gestão, podem se enquadrar no conceito de hipersuficiência do art. 444 da CLT. Em sendo o caso, gozam de um mais alto grau de autonomia administrativa, não conferido aos demais trabalhadores, entendendo-se que, para bem executarem as suas tarefas cotidianas, devem poder gerenciar a própria jornada, pelo menos de forma concomitante, organizando as rotinas a serem empreendidas, ainda que se possa auditá-las a posteriori.
Esses profissionais também detém um liame mais tênue de subordinação vertical devido às incumbências técnico-científicas de sua profissão. É o caso dos advogados, médicos e engenheiros.[3]
VII. Controle de jornada e horas-extras.
O art.6º da Lei n.º 14.442 inseriu o inciso III no art. 62 da CLT, com a seguinte redação:
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: ...
III - os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa.
O caput se refere às jornadas lineares previstas nos arts. 57 a 59 e §§ da CLT (oito horas diárias prorrogáveis por mais duas remuneradas extraordinariamente, ressalvada a hipótese de compensação); e art. 59-A e B id. (doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso).
Consequentemente, o teletrabalhador que receber por produção ou tarefa se encontra legalmente dispensado do registro de entrada, do intervalo intrajornada do art. 71 e §§ (de uma hora ou quinze minutos), e da saída.
Sem embargo, a pactuação por produção ou tarefa ainda exige o respeito dos limites legais e constitucionais para a proteção de saúde do trabalhador:
HORAS EXTRAS. NÃO OBRIGAÇÃO DE TER CARTÃO DE PONTO. OBRIGAÇÃO DE CONTROLAR OS LIMITES DA JORNADA. O fato de o empregador não estar obrigado a manter controle de ponto não o isenta de fixar a jornada do trabalhador e zelar pela observância dos limites legais. A impugnação genérica da jornada importa em ausência de contestação específica da jornada alegada na petição inicial. [TRT24ª, 2ªT., 0024042-48.2023.5.24.0056, Rel. Des. Marco Antonio de Freitas.]
A existência de um aplicativo online registrador de horários de trabalho não se confunde com o controle de jornada linear ou unidade de jornada:
TELETRABALHO - TUTOR ELETRÔNICO - ENQUADRAMENTO NO ART. 62 DA CLT - NÃO CONFIGURAÇÃO. ... No teletrabalho é possível o controle de jornada, dispondo a empregadora de um sistema informatizado que deve necessariamente ser acessado pelo trabalhador para a realização de suas atividades laborais, sem o que o trabalho não poderia ser executado. Sobressaindo da prova oral dos autos que as tarefas exercidas pelo reclamante, de tutor eletrônico, em regime de teletrabalho, eram incompatíveis com a fixação e controle do horário de trabalho, ante a dinâmica do serviço prestado, de maneira que a estipulação de horários a serem estritamente observados pelo demandante se demonstrava, na prática, inviável. Nesta linha, sobressaindo que os tutores eletrônicos tinham plena liberdade de horários, podendo acessar o sistema a qualquer hora do dia, bem como podendo optar por trabalhar um pouco mais em determinado dia e compensar tais excessos em outra ocasião, exsurge comprovada a impossibilidade de se estabelecer um horário de trabalho fixo para o empregado em teletrabalho, sendo indevido o pagamento de horas extras, inclusive por suposta inobservância dos intervalos intrajornada e daquele estabelecido no art. 384 da CLT. Sentença mantida. [TRT9ª, 7ªT., 0000513-73.2019.5.09.0018. Relª Desª Rosemarie Diedrichs Pimpão]
O teletrabalhador contratado por jornada, por sua vez, está legalmente obrigado ao controle de ponto, sem prejuízo de pactuação diversa por escrito.
Quando exigidas, as marcações também acabam retratando o intervalo interjornada, que deve ser minimamente de 11h (onze horas) conforme o art. 66; e o intersemanal, de pelo menos 35h (trinta e cinco horas) consecutivas, o que corresponde ao somatório do último interjornada da semana acrescido das 24h de repouso semanal remunerado, preferencialmente gozado aos domingos (arts. 66 c/c. 67 da CLT).
As marcações, sejam elas manuais ou eletrônicas e desde que fidedignas, com variações em minutos, geram a presunção de quitação de interesse do empregador no cruzamento com os holerites. Também podem, inobstante, caracterizar o direito ao recebimento de horas-extras pelo empregado, quando atestarem supressões intervalares ou jornadas extraordinárias impagas ou não compensadas superiores aos limites diário, semanal ou mensal.
A jurisprudência vêm asseverando que o teletrabalho com dispensa de ponto não implica por si só na exclusão do regime de horas-extras:
TELETRABALHO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE JORNADA. HORAS EXTRAS DEVIDAS. O fato de se trabalhar em regime de teletrabalho, por si só, não exclui o empregado do capítulo da CLT que trata da duração do trabalho, pois para afastar tal direito deve restar provada a impossibilidade do controle de jornada e sua fiscalização, conforme inteligência que se extrai do art. 62 da CLT. Provado que o empregado estava sujeito a jornada de trabalho estabelecida pela e controlada pela empresa, impõe-se o reconhecimento do direito ao recebimento das horas extras por ele prestadas. [TRT18ª, 3ªT., ROT n.º 0010260-67.2024.5.18.0003, Rel. Des. Euvecio Moura dos Santos]
RECURSO ORDINÁRIO PATRONAL. TRABALHO EXTERNO. TELETRABALHO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA JORNADA. NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA DISPOSTA NO ARTIGO 62, INCISOS I E III, DA CLT. O simples fato do trabalhador exercer suas atividades externamente ou na modalidade teletrabalho, por si só, não induz ao enquadramento das hipóteses previstas na regra do artigo 62, I e III, da CLT. Comprovada a irregularidade na formalização exigida pela norma em questão, bem como a possibilidade do empregador em controlar a jornada praticada pela empregada, correta a sentença que condenou os recorrentes ao pagamento de horas extras. Recurso improvido. [TRT 14ª, 1ªT., 0001924-90.2021.5.14.0003, Rel. Des. Shikou Sadahiro.]
HORAS EXTRAS. TELETRABALHO. O teletrabalho deve ser alcançado pelo regime de horas extras quando possível o controle patronal da jornada de trabalho. Recurso da reclamada a que se nega provimento, nesse ponto. [TRT2ª, 11ªT.,1000181-63.2024.5.02.0712; Rel. Des. Flávio Villano Macedo.]
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO ... Cumpre destacar que a adoção do teletrabalho passou a ser permitida nos termos da MP nº 927, de 22/03/2020, (artigo 3º, inciso I). Nesse tom, incumbia à ré demonstrar, após a entrada em vigor da MP nº 1.108, de 25 de março de 2022, que a reclamante prestava serviços por produção ou tarefa, ônus do qual não se desincumbiu, de sorte que, excluída a autora do regime do teletrabalho, a partir de então, emergem devidas horas extras, face à jornada de trabalho reconhecida na Origem, em observância ao artigo 912 da CLT. De outra parte, certo é que o artigo 75-C, da CLT, foi inserido somente pela MP nº 1.108, de 25 de março de 2022, de sorte que a exigência nele prevista de que o teletrabalho ou trabalho remoto conste expressamente no contrato individual de trabalho somente passou a vigorar a partir de então, não se aplicando, pois, ao período reconhecido na Origem. Outrossim, inexiste qualquer elemento de prova nos autos acerca do controle da jornada quando do teletrabalho, em abono à tese da defesa, não fazendo jus, portanto, a autora às horas extras no período de 15/03/2020 a 25/03/2022. Nego provimento aos recursos... Mantida a jornada diária de seis horas, de rigor a observância do divisor 180. Outrossim, não houve condenação no pagamento de reflexos das horas extras em DSRs e destes nas demais verbas, não havendo falar em afronta à OJ 394, do C. TST. E, em relação aos reflexos do sobrelabor em DSRs, o artigo 7º, alíneas "a" e "b", da Lei nº 605/1949, autoriza a integração das horas extras nos DSRs, ainda que o empregado seja mensalista, isso porque a interpretação adequada a ser feita é a de que o salário mensal remunera os DSRs das horas normais trabalhadas, já previstas no contrato de trabalho e que balizam a fórmula de cálculo a ser utilizada. Logo, eventual sobrelabor não se encontra incluído nesse cálculo e, portanto, não pode ser considerado como já pago. Nesse sentido, aliás, é o entendimento jurisprudencial cristalizado na Súmula nº 172, do C. TST. Nego provimento. [TRT2ª, 2ªT., 1000686-37.2023.5.02.0050; 13-11-2024; Relª Desª Marta Casadei Momezzo.]
Obviamente que, na dispensa de ponto, se ocorrer do trabalhador virtual ter sido obrigado a jornadas muito extenuantes que impliquem em supressões intervalares ou extrapolamentos habituais das limitações de jornada -- o que geralmente se dá por déficits de contratação de empregados para o volume de tarefas ---, a pretensão de horas-extras dependerá de outras espécies probatórias como a testemunhal, o que se revela mais dificultoso devido ao contexto normalmente solitário do home office.
Algumas empresas e órgãos públicos instituem monitoramento da jornada do teletrabalhador pela câmara de vídeo do computador, ou por aplicativo de geolocalização, mas parcela considerável da jurisprudência as tem compreendido como afrontosa do direito de intimidade e mesmo incoerente à flexibilidade do labor em domicílio. A seguinte ementa elucida o assunto no âmbito do C.TST (destaco):
... RECURSO DE REVISTA - DANOS MORAIS - NORMA COLETIVA QUE AUTORIZA O MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DO EMPREGADO EM HOME OFFICE COM DETECÇÃO DO USO DE CELULAR E DA PRESENÇA DE TERCEIROS NO RECINTO - VALIDADE DA NORMA COLETIVA - CONTRARIEDADE À TESE VINCULANTE FIXADA PELO STF NO TEMA 1.046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL - TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA - VIOLAÇÃO DO ART. 7º, XXVI, DA CF - PROVIMENTO. ... o Regional, ao afastar a aplicação da norma coletiva, decidiu a controvérsia em contrariedade à tese vinculante fixada pelo STF no Tema 1.046 de sua Tabela de Repercussão Geral. Ademais, a simples detecção de uso de objetos ou do trânsito de pessoas no recinto de trabalho obreiro pelo programa utilizado pela Reclamada com autorização em norma coletiva, "sem a gravação e/ou divulgação de imagens", por si só, não tem o condão de atingir o direito à intimidade da Empregada, mas garante a concentração no trabalho durante o período a que o empregado deve dedicar-se a ele. [TST, 4ªT., RR-AIRR - 1001558-23.2022.5.02.0071, Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho.]
A auditagem das tarefas realizadas em home-office pode ser feita a partir de relatórios periódicos ou lançamento concomitante de registro por aplicativo. No caso da advocacia, por exemplo, costuma-se utilizar softwares com acesso online mediante uso de senha que replicam as peças produzidas nos processos, contratos, pareceres e outros documentos jurídicos elaborados.
Os advogados, públicos ou privados, podem ser enquadrados no trabalho externo do inciso I do art. 62 da CLT para a dispensa de ponto, porque a atuação nos fóruns, tribunais e serventias extrajudiciais lhes é ínsita à profissão, sendo irrelevante o fato de uma remuneração mensal ou por tarefa, cargo de gestão, trabalho presencial ou em home office.[4]
Algumas outras profissões cujo escopo não exige a presença física também comportam o trabalho virtual em domicílio e a dispensa de marcação de ponto. Na área de saúde p.ex., os médicos radiologistas, cuja atribuição consiste em analisar sumariamente as chapas de exames tiradas por técnicos (apontando eventuais diagnósticos que mereçam atenção do médico particular do paciente), subscrevendo (por assinatura digital) a responsabilidade técnica dos laudos.[5]
VIII. Competência.
Um último aspecto televante do teletrabalho diz respeito à competência territorial para a propositura da reclamatória trabalhista.
O art. 661 da CLT estipula que a distribuição deva se dar na "localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.'
O §1º prescreve que as ações envolvendo viajantes (representantes) comerciais devem tramitar no local da agência ou filial (estabelecimento) a que o empregado esteja subordinado (lotado), ou na sua falta no domicílio do empregado ou localidade mais próxima (onde houver vara do trabalho ou cível delegada).
Sendo o empregado subordinado à agência ou filial no estrangeiro, desde que brasileiro e não havendo convenção internacional dispondo em contrário, o dissídio deverá será julgado no Brasil (§2º).
Pode ainda o trabalhador que realizar atividades fora do lugar do contrato de trabalho aforar a reclamação no local de celebração do contrato ou no da prestação do serviço. (§3º)
O emprego da conjunção alternativa "ou" reflete a preocupação do ramo justrabalhista com o acesso à justiça do trabalhador, franqueando-lhe algumas opções mais cômodas para a propositura da ação funcional, sem que precise se deslocar em viagem.
No caso do teletrabalho, dúvidas não surgem quando o local dos serviços prestados remotamente corresponde à mesma circunscrição municipal da sede do empregador ou estabelecimento ao qual subordinado o empregado. A questão assume contorno mais complexo quando se está diante de um teletrabalhador que presta o serviço em infraestrutura virtual localizada em outro município, ou em território estrangeiro.
No teletrabalho realizado no exterior a competência é fixada em regra pela lotação a estabelecimento do empregador localizado no Brasil, conforme explicado anteriormente. A jurisdição do distrito federal (TRT10ª) atrairá a competência para o julgamento das ações em que o Estado brasileiro (da União) figurar como empregador, s.m.j.
Quanto a município distinto, a rigor se pode tanto interpretar que o local de prestação do teletrabalho corresponda ao da infraestrutura virtual que o empregado utiliza na consecução do serviço, o que atrairia a jurisdição do município correspondente, como o de que o local é indeterminado, resolvendo-se a competência pelo município ao qual lotado/subordinado o empregado.
No caso dos processos físicos, a preferência da distribuição normalmente atendia à localidade da sede ou filial onde o advogado do empregado poderia mais facilmente arrolar testemunhas que colaborassem às afirmações de seu cliente e teses jurídicas por defender. Com a migração das lides trabalhistas para o processo virtual (PJE), praticamente concluída no território brasileiro, a distribuição da reclamatória no domicílio do empregado, onde normalmente exerce o home office, volta à pauta das discussões sobre competência.
O advogado do teletrabalhador, desde que dispense na petição inicial a audiência na forma presencial, optando pela coleta virtual de depoimentos (juízo 100% digital), pode assim sustentar a competência territorial do foro do domicílio do empregado, valendo registrar que ela se prorroga pela ausência de exceção arguida pelo empregador no prazo de 5 (cinco) dias contados da notificação, conforme previsto no art. 800 da CLT.
A prova pericial também não deve implicar em óbice apriorístico à competência territorial do juízo do local do home office, podendo ser realizada mediante carta precatória.
Vem se decidindo nos Regionais:
TELETRABALHO. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA. ACESSO À JUSTIÇA. A interpretação conferida às regras infraconstitucionais de competência territorial, especialmente ao art. 651 da CLT, deve ser feita em consonância com o princípio da proteção ao hipossuficiente, assim como com o princípio constitucional de acesso à Justiça, consagrado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição. Nesse contexto, se o trabalhador prestou serviços em regime de teletrabalho, fora do local de contrato do trabalho e na localidade da sua residência, deve lhe ser assegurada a opção de ajuizamento da ação trabalhista no local de seu domicílio, até porque, no caso em análise, esse também foi o local da prestação de serviços. [TRT9ª, 2ªT., 0000436-14.2024.5.09.0657, Rel. Des. Luiz Alves.]
AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO DOMICÍLIO DO TRABALHADOR. EXEGESE DA NORMA CONTIDA NO ART. 651, § 3º, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, CONFORME E EM HARMONIA COM A GARANTIA CONSTANTE DO INCISO XXXV DO ART. 5º DO TEXTO MAIOR - A norma do art. 651 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, editada na década de 40 do século passado, ao estabelecer o local da prestação laboral como o foro competente para o ajuizamento da ação trabalhista, visou facilitar o acesso à justiça, o que pressupõe residir o empregado no local da prestação laboral, fato que atualmente não mais acontece face à migração internacional e interna de trabalhadores à procura de emprego e de trabalho e ainda do reconhecimento de novas formas de trabalho, como o teletrabalho em que o prestador pode cumprir as obrigações contratuais de qualquer localidade. Por conseguinte, referida norma deve ser interpretada de acordo com a sua vocação institucional de facilitar o acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV da Carta de 1988). Tendo o trabalhador ajuizado a ação no local em que reside, o deslocamento da competência pode, na prática, inviabilizar o próprio fundamental direito de acesso à justiça garantido constitucionalmente e que, portanto, prevalece sobre a norma ordinária contida no art. 651 da CLT, ainda mais quando comprovado que a empresa exercitou de forma ampla o direito à ampla defesa. O deslocamento do processo nessa hipótese para Vara do Trabalho em que notoriamente tem um volume de trabalho muito superior àquela em a ação foi processada, apenas teria o condão de encarecer os custos do processo e atrasar a entrega da prestação jurisdicional, em manifesta violação às garantias da celeridade e da razoável duração do processo previstas nos arts. 5º, inciso LXXVII, do Texto Maior, 1º e 4º do Código de Processo Civil. ... Recurso não provido.
[TRT24ª, 2ªT., 0024749-37.2016.5.24.0096., Rel. Des. Francisco das Chagas Lima Filho.]
Também o C.TST já decidiu conflito pertinente no tema:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. FORO DO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. TRABALHO REMOTO. EMPRESA DE ÂMBITO NACIONAL. FLEXIBILIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DO ART. 651 DA CLT. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO FORO DO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. 1. O Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Americana/SP acolheu a exceção de incompetência apresentada pela Reclamada e determinou a remessa dos autos para a cidade de São Paulo, por se tratar do local da prestação de serviços. O Juízo da 73ª Vara do Trabalho de São Paulo suscitou conflito negativo de competência, registrando a possibilidade de prejuízo ao trabalhador, uma vez que ele reside em Americana/SP e é hipossuficiente, sendo que a empresa possui capacidade econômica para contratar advogado e disponibilizar preposto fora de sua sede, devendo ser relativizada a aplicação do art. 651 da CLT. 2. O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que prevê a garantia de amplo acesso à Justiça, encerra direito fundamental da cidadania, gravado com eficácia imediata (CF, art. 5º, § 1º), o que impõe deveres ao Estado, nos âmbitos legislativo, executivo e judiciário. No caso concreto, discute-se a aparente colisão de direitos fundamentais: de um lado, a garantia outorgada ao trabalhador de amplo acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV); de outro, o direito assegurado aos réus ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos que lhe são inerentes (CF, art. 5º, LV), em consonância com o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). 3. Buscando superar as situações em que a aplicação objetiva dos critérios fixados no art. 651 da CLT imponha o sacrifício de um dos princípios acima indicados, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem evoluído, buscando alcançar a teleologia das normas que fixam os critérios de competência no âmbito da Justiça do Trabalho. Nesse sentido, em face da necessidade de assegurar ao trabalhador o acesso à jurisdição, também garantindo ao reclamado o amplo exercício das faculdades de defesa, esta Corte assumiu a compreensão de que, em determinados casos, quando envolvida na disputa empresa com atuação nacional, será razoável admitir o trânsito da ação no foro do domicílio do Autor, afastando-se a prevalência objetiva dos critérios estatuídos no art. 651 da CLT. 4. No caso, o exame dos autos revela que o contrato de trabalho foi celebrado em Chapecó/SC, o Reclamante reside em Americana e a prestação de serviços ocorreu na modalidade de teletrabalho. Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito da SbDI-1 do TST, tratando-se a Reclamada de empresa que atuam em vários Estados do território nacional (e em outros países), não há razão que justifique a retificação do foro eleito pelo trabalhador, sobretudo por se tratar de trabalho remoto. Conflito de competência admitido para declarar a competência do MM. Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Americana/SP, suscitado" [TST, SDI-II CCCiv-1000142-25.2024.5.00.0000, Min. Rel. Douglas Alencar Rodrigues.]
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[1] O enfoque administrativo do trabalho virtual à distância pode ser conferido em "O home office como instrumento de gestão na atividade jurídica." [ https://juridicocerto.com/p/alexandrerochapintal/artigos/o-home-office-como-instrumento-de-gestao-na-atividade-juridica-6883]
[2] In Delgado, Maurício Godinho. Curso de Direito de Trabalho. 21ª ed. São Paulo: LTr, 2023; Barros, Alice Monteiro de. Curso ... 22ª ed. São Paulo: LTr., 2022.; Leite, Carlos Henrique Bezerra. Curso ... 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.; Rodrigues, Douglas Alencar. Trabalho no Direito Brasileiro. 2ªed. São Paulo: LTr, 2021.; Garcia, Gustavo Felipe Barbosa. Direito do Trabalho. 15ªed. São Paulo: Método, 2023.; Cassar, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho.19ªed. Forense, 2022. Teixeira Filho, Manoel Antônio. Teletrabalho e Direito do Trabalho Brasileiro. 2ªed. São Paulo: RT, 2020.
[3] Nos órgãos de recursos humanos costuma-se designar a lotação por "centro de custo".
[4] O advogado público, p.ex., teve a dispensa de ponto reconhecida pelo Conselho Federal da OAB na edição da Súmula n.º 09: “O controle de ponto é incompatível com as atividade do advogado público, cuja atividade intelectual exige flexibilidade de horário.” O STF ratificou o entendimento no Recurso Extraordinário n.º 1400161, afetado em repercussão geral. A falta de flexibilidade e o rigor tradicional do controle de jornada aplicado a advogados, geralmente em escritórios privados, pequenas prefeituras e algumas estatais, constitui um dos fatores mais influentes de estresse e burn out da categoria. Alguns magistrados (juízes e promotores de justiça ou procuradores da república), no exercício do controle externo do Poder Executivo, se esquecem do velho e sábio adágio da escolha da profissão jurídica, quando instados a proteger a autogestão de jornada do advogado: "- Se buscas poder, persegue a judicatura. Ninguém te importunará por tuas deliberações, que serão objeto de recurso. Como membro do parquet, deterá sozinho o monopólio da persecução de interesse público. Se deseja liberdade, todavia, torna-se advogado. Só terá a força dos argumentos a teu favor, mas poderá transitar livremente para além dos cancelos que separam poderosos do povo." (aut.des.) A postulação de direitos e a plenitude da defesa dependem do mais alto grau de liberdade ambulatória e de palavra (indenidade) que se possa conferir ao representante de interesses de terceiros, ou não se estará tratando de um Estado Democrático de Direito.
[5] Lamentavelmente, a dispensa do ponto ainda tem sido explorada na justiça do trabalho para subsidiar condenações judiciais em horas-extras. Ignora-se que o trabalhador que assume a gestão da própria jornada, inclusive dos intervalos e ativações extraordinárias, não deveria poder pleitear horas-extras com base no próprio comportamento contraditório. Pelo menos, não sem a comprovação cabal de déficits de escala e elevações significativas de demanda de serviço por um período longo o suficiente para denotar negligência diretiva patronal. Um considerável contingente de fraudes na justiça do trabalho está umbilicalmente ligado a tal dinâmica, ofendendo o subprincípio do venire contra factum proprium, contido implicitamente no art 422 Código Civil: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. A contrariedade de comportamento se caracteriza por atos que, isoladamente analisados, não infringiram as regras da legislação, mas avaliados em conjunto e entre si, ofendem a principiologia contratual, violando o dever de confiança mútua entre as partes contratantes.