Cela especial para ensino superior: entenda como funciona


02/02/2017 às 13h15
Por André Arnaldo Pereira

O caso de Eike Batista, que até pouco tempo ostentava o título de brasileiro mais rico e considerado entre os 10 mais ricos homens no mundo todo, despertou a atenção para uma discrepância existente na legislação penal brasileira.

Acusado de envolvimento num esquema de corrupção que atinge também o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, Eike foi preso no último dia 30 de janeiro, depois de seu retorno dos Estados Unidos. Sua prisão foi em caráter preventivo, decretado pela Operação Eficiência, mais um desdobramento da Operação Lava-jato.

Em virtude de não possuir curso superior, Eike Batista deve aguardar seu julgamento em cela comum, junto com outros detentos e essa deliberação trouxe uma série de dúvidas sobre o sistema penal brasileiro e sobre os direitos à prisão especial.

Como funciona a cela especial?

A cela especial é separada de outras, tendo um banheiro, sendo instalada fora do presídio comum, como nos quartéis, podendo ser individual ou coletiva, desde que mantenha apenas presos especiais. Um prisioneiro em cela especial também tem direito a transporte separado de presos comuns.

Segundo o Código de Processo Penal, de 1942, o direito à cela especial é garantido a ministros de Estado e do Tribunal de Contas; a governadores, prefeitos, chefes de polícia; a integrantes do parlamento e de assembleias legislativas; a oficiais das Forças Armadas e militares; a magistrados e a diplomados por quaisquer das faculdades de nível superior.

Embora o artigo 5° da Constituição Federal estabeleça que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, a prática não tem a mesma regra. A legislação brasileira concede o privilégio de não permanecer em cela comum para os grupos destacados acima até o trânsito em julgado de uma decisão penal condenatória.

Existem casos em que a situação faz sentido, como no caso de juízes e delegados de polícia. No entanto, como no caso de pessoas com diploma de nível superior, não apresenta qualquer sentido razoável.

Considerado sob esse ponto de vista, quem teve acesso à educação de nível superior pode desfrutar de mais direitos sobre quem não teve a mesma oportunidade, tendo sido obrigado a escolher entre estudar ou trabalhar.

Funciona da mesma maneira para quem, por vontade própria, escolheu não fazer uma faculdade. Ou seja, torna-se um pensamento limitado de juízo, estabelecendo que uma pessoa de nível superior o é apenas por ter um bacharelado ou uma licenciatura, enquanto que uma pessoa que não fez faculdade é considerada de nível inferior.

O Senado Federal já havia derrubado essa excrescência do Código de Processo Penal, mas a Câmara dos Deputados não aceitou a mudança.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também chegou a ajuizar no Supremo Tribunal Federal uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental tendo como objetivo o mesmo inciso.

Segundo Janto, o item estabelecido pelo Código de Processo Penal “viola a conformação constitucional e os objetivos fundamentais da República, o princípio da dignidade humana e o da isonomia”.

De acordo com o pensamento de Janto, a separação não deve ocorrer em razão do nível educacional, mas sim da natureza do delito, da idade e do sexo, situações que foram também defendidas por alguns juristas depois das rebeliões ocorridas nos presídios.

Cela especial somente em caso de prisão temporária e preventiva

O direito à cela especial só pode ser concedido nos casos de prisões provisórias, como em prisão temporária ou preventiva, não valendo para condenações em definitivo. No entanto, quem ocupa um cargo público ou trabalha diretamente no combate ao crime, como membros do Ministério Público e do Judiciário, tem o direito à cela especial, mesmo após a condenação.

No caso do empresário Eike Batista, que não concluiu ensino de nível superior e que não se enquadra em qualquer outra categoria privilegiada com o uso da cela especial, foi necessário obedecer às regras do sistema prisional comum. O empresário foi conduzido à Cadeia Pública Stampa, popularmente conhecida como Bangu 9, uma prisão que não está dominada por qualquer facção criminosa.

Após sua prisão, Eike Batista foi encaminhado para a penitenciária Ary Franco, que recebe detentos federais e membros do Comando Vermelho e a mudança tornou-se uma necessidade para garantir a integridade física do empresário.

Outros incriminados nas operações Calicute e Eficiência, como o ex-governador Sérgio Cabral e pessoas com ensino superior, por sua vez, foram encaminhados para Bangu 8, prisão considerada mais segura.

Para muitos juristas, a situação deveria ser revista, defendendo eles que o direito ao recolhimento em separado deveria ser estendido a todos os investigados e ainda não condenados, seguindo o conceito de presunção de inocência e evitando que sejam colocados em presídios onde possam ser cooptados pelas facções criminosas.

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André Arnaldo Pereira

Advogado - Santa Rosa, RS


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