Desacato à autoridade foi descriminalizado


20/12/2016 às 12h16
Por André Arnaldo Pereira

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu no último dia 15 de dezembro, que o ato de desacato à autoridade não é crime, considerando que a legislação sobre o tema tem como objetivo silenciar ideias e opiniões.

Os ministros da 5ª Turma também entenderam que a tipificação de crime de desacato é incompatível com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Segundo a decisão, considerar desacato como crime é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica.

Ribeiro Dantas, ministro relator, ratificou os argumentos apresentados pelo Ministério Público Federal de que os funcionários públicos estão mais sujeitos ao escrutínio da sociedade e que, no Brasil, as chamadas “leis de desacato” existentes atentam contra a liberdade de expressão e ao direito à informação.

Para a turma, o Supremo Tribunal Federal já havia firmado entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm natureza supralegal e que, portanto, a condenação por desacato, baseada em lei federal, é incompatível com o tratado do qual o Brasil é um dos signatários.

Leis de desacato são antidemocráticas

Na apresentação do seu voto, o ministro Ribeiro Dantas destaca que a decisão não invade o controle de constitucionalidade reservado ao STF, uma vez que se trata de adequação de norma legal brasileira a um tratado internacional, o que pode ser feito através de análise de um recurso especial, conforme ocorreu no julgamento da quinta turma.

O ministro também lembrou que o objetivo das leis de desacato é criar uma proteção maior aos agentes públicos diante de críticas, em comparação com os demais cidadãos, um fato que vai contra os princípios democráticos e igualitários que regem nosso país.

Conforme sua decisão, “a criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”.

O magistrado também apontou que a descriminalização da conduta não significa liberdade para agressões verbais ilimitadas, uma vez que o agente pode ser responsabilizado de outras formas por qualquer tipo de agressão. O que a decisão alterou foi a impossibilidade de condenar alguém, em âmbito de ação penal, por desacato à autoridade.

O caso submetido a julgamento que motivou a decisão foi de um homem que havia sido condenado a 5 anos e 5 meses de reclusão pelo roubo de uma garrafa de bebida avaliada em 9 reais, por desacatar os policiais que o prenderam e por ter resistido à prisão.

A sentença promulgada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou o homem a 8 meses e 5 dias de reclusão pelo desacato que, somado às outras acusações, lhe renderiam os 5 anos e 5 meses. Os ministros eliminaram pena por desacato. A decisão do STJ vale apenas para este caso, embora o entendimento aplicado pela corte possa ser seguido em outras instâncias.

A decisão não é inédita. O juiz Alexandre Morais da Rosa, da 4ª Vara Criminal de Florianópolis já havia absolvido um homem denunciado por desacato e resistência à prisão durante uma briga.

O ministro também levou em conta a prevalência do Pacto de San José em relação ao Código Penal, que estabelece que “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela é crime, com pena prevista de 6 meses a 2 anos”. “Cumpre ao julgador afastar a aplicação de normas jurídicas de caráter legal que contrariem tratados internacionais versando sobre Direitos Humanos”, registrou ele.

Para o ministro, o Direito Penal deve cuidar apenas das situações que violam bens jurídicos fundamentais que não possam ser protegidos por outro ramo do Direito, o que não é o caso de uma crítica dirigida à autoridade, ainda que indecorosa.

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André Arnaldo Pereira

Advogado - Santa Rosa, RS


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