O artigo 52 da Constituição Federal brasileira é bastante claro ao tratar sobre impeachment do presidente da República: o presidente poderá ser condenado à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública.
Uma condição, portanto, indissociável, mas que não foi respeitada pelo Senado no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Em função de estar determinado pela Constituição, a Lei da Ficha Limpa só menciona presidentes em casos de renúncia para fugir de cassação, já que a inelegibilidade em caso de impeachment está prevista.
Na destituição de Dilma Rousseff, o Senado decidiu dividir a votação, aplicando apenas a perda do mandato, aprovada por 61 dos 84 senados, mas não lhe tirou a habilitação para o exercício de funções públicas.
Não se tratamento especificamente do caso da ex-presidente, o Senado, ao tomar essa decisão – ou seja, interpretar a Constituição da forma que considerava a mais acertada para o momento – não poderá servir de precedente para outras cassações de parlamentares sem que fiquem inelegíveis.
De acordo com analistas políticos, a condição mantida de habilitação para Dilma Rousseff veio atender interesses políticos de alguns senadores, inclusive para blindar a ex-presidente contra a Operação Lava-Jato. Já se comenta sua nomeação para algum cargo no Governo do Estado de Minas Gerais.
O caso, no entanto, não poderá servir como base para outros, uma vez que a aplicação da Lei da Ficha Limpa não depende da aprovação do Congresso, e sim do TSE. A aplicação da punição prevista pela Lei da Ficha Limpa é automática, e o Legislativo não tem o poder de impedir a aplicação de nenhuma lei.
O impeachment poderá ir para o STF
A condição criada pelo Senado durante o impeachment será levada ao Supremo Tribunal Federal, como já divulgaram alguns senadores. A divisão da votação abriu essa possibilidade, uma vez que se entende que o Senado não tem competência para interpretar a Constituição para votar em separado as penas de perda de cargo e inabilitação.
Trata-se de uma situação polêmica, que deverá ser decidida pelo STF, uma vez que a Constituição estabelece a condição de perda do cargo e inabilitação pelos 8 anos. O Senado, portanto, deveria ter se limitado à condenação como determinado pela Carta Magna, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis, lembrando que o nome de Dilma foi citado em diversas delações premiadas.
O ex-presidente Fernando Collor, que passou por processo de impeachment em 1993 e perdeu o mandato, mesmo tendo renunciado, fez um pronunciamento a respeito, criticando a posição dos colegas parlamentares, lembrando que, em Mandado de Segurança ao STF, recebeu a sentença de que a condenação à perda do mandato é indissociável da inabilitação.
Michel Temer, atual presidente e que foi professor da PUC-SP, tem uma visão semelhante à do STF. Em seu livro “Elementos de Direito Constitucional”, afirma que a pena de inabilitação “não é pena acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal”. Ele escreveu que “assim, porque responsabilizado, o presidente não só perde o cargo como deve afastar-se da vida pública, durante oito anos, para ‘corrigir-se’, e só então deve poder a ela retornar”.