A substituição da prisão preventiva da mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, pela prisão domiciliar trouxe à público uma discussão bastante relevante: uma mulher que tem filhos menores, pode ou não ter prisão domiciliar?
Adriana Ancelmo, ré em diversos processos de corrupção, foi liberada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal Federal na última segunda-feira, depois que a Polícia Federal verificou que o imóvel onde ela deve permanecer atende os requisitos pré-determinados, como não ter linha telefônica e internet.
Adriana havia sido liberada anteriormente, tendo essa decisão sido suspensa e novamente alterada, sendo que a decisão foi tomada porque o juiz resolveu que os filhos menores do casal, com 10 e 14 anos, não podiam ser privados de forma simultânea do convívio com os pais. Sérgio Cabral continua preso em Bangu.
Antes da liberação, os filhos estavam morando com o outro filho de Sérgio Cabral, Marco Antonio, de seu primeiro casamento com Susana Neves, com quem o ex-governador tem outros dois filhos, já maiores. Marco Antonio Cabral é deputado federal pelo PMDB.
Segundo as ordens judiciais, depois de liberada, Adriana deve permanecer no seu apartamento sem meios de comunicação externa. Os visitantes também não podem portar dispositivos de comunicação.
Ainda, segundo as informações, houve demora na liberação de Adriana porque o Tribunal Regional Federal da 2ª Região havia suspendido o pedido e, na decisão liminar, o desembargador federal Abel Fernandes Gomes afirmou que a concessão da custódia domiciliar iria criar “expectativas vãs ou indesejáveis” em outras mulheres presas, também nas mesmas condições, com filhos menores sem a presença de um dos pais.
A decisão de liberdade condicional não é um benefício exclusivo
A decisão concedida a Adriana, embora seja fruto de especulações de benefícios extras, é um direito garantido pelo Marco Legal da Primeira Infância, que estabelece a substituição de prisão preventiva em prisão domiciliar para mulheres gestantes ou mães de menores de 12 anos. No entanto, na realidade, a maior parte das mulheres que se enquadram nessas condições, não possui acesso ao direito.
O Grupo de Pesquisa em Política de Drogas e Direitos Humanos da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro constatou que 80% das mulheres presas que têm filhos com menos de 12 anos continuam encarceradas. Ao mesmo tempo, o levantamento com grávidas ou que tenham dado à luz em 45 dias, mostra que 70% dessas mulheres não possui registros de antecedentes criminais.
Das mulheres que constaram no levantamento, 72% foram presas antes do julgamento, mesmo que haja garantia legal de que possam responder em liberdade. Dessa forma, quem cumpre pena não é só a mulher, mas também sua família. Caso o marido esteja preso, quem mantém a família é a mulher e essa ajuda familiar é bastante importante para todos, inclusive para o marido preso. Quando também a mulher fica presa, a família acaba de desfazendo.
No levantamento apresentado pelo Grupo de pesquisa, 78% das mulheres mães presas são pessoas com até 27 anos de idade, sendo 77% delas negras, 82% são solteiras e 75,6% não possuem ao menos o ensino fundamental. O levantamento foi realizado com 41 mulheres que estavam presas e grávidas no Presídio Talavera Bruce, o principal local para detenção de gestantes no sistema carcerário do Rio de Janeiro, não podendo ser visto como um levantamento pontual, mas como um retrato do que ocorre no sistema carcerário de todo o Brasil.
As denúncias sobre problemas de desrespeito à legislação não terminam por aí: existem presas que dão à luz nos presídios, algemadas, num tratamento que se apresenta como desumano, embora todas as leis estejam contra. As mulheres em condições de pobreza não têm como garantir seus próprios direitos.
Projetos de lei para garantir os direitos das mães presas
Mesmo já havendo determinações na legislação concedendo os direitos às mães presidiárias, novos projetos estão no Congresso Nacional, como o projeto do deputado federal Wadih Damous, que torna possível suspender a execução condicional da pena quando em casos de maternidade. Pelo projeto, a execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderia ser suspensa pelo mesmo tempo da pena imposta, acrescida de um terço, quando a mulher for gestante, lactante ou mãe de criança de até 6 anos de idade ou com deficiência.
A proposta é integrante de um programa com outros 11 projetos de lei que procuram efetivar princípios constitucional, resgatando um patamar mínimo de razoabilidade para o sistema de justiça criminal. Dentro dos atuais padrões, mesmo que a lei permita, pessoas sem condições financeiras não têm acesso aos seus próprios direitos, enquanto que pessoas com maior poder aquisitivo, mesmo que tenham cometido crimes piores, conseguem o que é visto pela maior parte da sociedade como privilégio.