Rebelião nos presídios: uma visão jurídica


09/01/2017 às 13h57
Por André Arnaldo Pereira

A rebelião e o massacre que ocorreram no presídio de Manaus e de Roraima na última semana, resultando na morte de 99 presos, não podem ser vistas como um caso isolado. É o resultado de uma política errônea de considerar que o encarceramento é a melhor forma de enfrentar a criminalidade.

Embora até mesmo as facções criminosas tenham se declarado em guerra, devemos considerar que a responsabilidade também pertence ao Estado pela forma como o sistema penitenciário tem se apresentado nas últimas décadas. E aqui, devemos lembrar que foi o próprio Estado que permitiu às facções criminosas o controle dos presídios, sem qualquer preocupação com a reunião de criminosos de mesmos lados ou com a superlotação dos presídios.

A Associação Juízes para a Democracia considera o episódio como “tragédia anunciada do punitivismo”, considerando que ela somente ocorreu em consequência de uma histórica política de Estado que consiste no tratamento de problemas sociais como um caso de polícia, aplicando essa política num dos países que apresentam os maiores índices de desigualdade no mundo.

Para Gilmar Mendes, que comandou uma série de ações com relação aos presídios durante o tempo em que presidiu o Conselho Nacional de Justiça, os órgãos de controle da magistratura e do Ministério Público devem assumir a responsabilidade pelo caos que reina no sistema penitenciário brasileiro.

Segundo Mendes, o “CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público passaram por um processo de desmobilização planejada. É uma ironia: Estado desorganizado, crime organizado. Talvez seja chegada a hora de se pensar em organização de forças-tarefa e buscar a federalização desses casos. É preciso encerrar a lenga-lenga de que a questão é de competência estadual. É hora de atuação coordenada dos diversos organismos incumbidos de alguma forma do combate à criminalidade”.

O Brasil e sua população carcerária

O Brasil possui atualmente a quarta maior população carcerária do mundo, em números que ultrapassam os 620 mil presos. Entre esse total, ainda há que se considerar que 40% é de prisioneiros provisórios, que nem chegaram a ser julgados por seus crimes.

O Supremo Tribunal Federal definiu, em 2016, que os réus podem ser presos antes do trânsito em julgado de suas condenações, mas isso deve ser considerado na condenação em segunda instância. Para os presos comuns provisórios, não houve sequer a condenação em primeira instância.

Para o ministro Marco Aurélio, do STF, que é um crítico dessa posição, “o Estado deve atentar para a obrigação constitucional de preservar a integridade física e moral do preso que um dia voltará ao convívio social. É dele a responsabilidade pelo estado de coisas inconstitucional existente”.

O Estado, no entanto, precisou de um fato que provocasse repercussão mundial para tentar alguma atitude em favor de um sistema penitenciário mais humano.

A opinião pública, pelo contrário, somente em poucos casos manifestou sua opinião com relação às atitudes governamentais tomadas até agora. A maior parte das manifestações apontavam a descrença com relação à impunidade, argumentando que, com a morte das vítimas, a sociedade ficava livre de quase uma centena de pessoas dispostas a roubar, violentar e levar pânico à população.

Para o juiz Luís Carlos Valois, de Manaus, contudo, a situação deve ser vista de outra maneira: “Os que morreram eram bucha de canhão, os menores, os frágeis do sistema. O problema são os que mataram, que ficaram mais violentos, psicopatas, e um dia voltam para a rua”.

O sistema penitenciário brasileiro precisa mudar

Márcio Sotelo Felippe, ex-procurador geral de São Paulo, afirma que “a premissa do punitivismo é a ideia tosca e fascista que contra a violência o Estado deve responder com a barbárie. O sistema prisional brasileiro funciona com essa mentalidade, que está na cabeça dos juízes, promotores, do Executivo e de parte da opinião público. Esse círculo sem virtude alguma produz acontecimentos como o de Manaus”.

A sociedade deve voltar os olhos não só para Manaus ou Roraima, mas para o massacre diário no sistema prisional brasileiro, criando a consciência de que é preciso deixar de ser cúmplice desse massacre. Uma das grandes responsáveis por essa situação é a prisão antecipada, com a vulgarização da prisão preventiva alimentando um estado de coisas que se mostra inconstitucional.

Prestar atenção no massacre ocorrido, agora, é muito simples, principalmente vendo vídeos que circulam nas redes sociais, mostrando presos decapitando corpos, fazendo piadas com as cabeças de mortos e empilhando partes de corpos em poças de sangue.

Essa é a realidade do sistema penitenciário e um retrato fiel do Direito Penal em que vivemos, onde a sociedade está dividida em duas partes praticamente estanques: aquela é possui uma tendência natural para o crime e aquela que constitui um lado considerado sadio, de pessoas que se proclamam como cidadãos de bem.

Para os considerados “cidadãos de bem” prevalece a mentalidade de que “bandido bom é bandido morto”, pouco se importando com as condições degradantes das penitenciárias e se esquecendo que cabe à sociedade criar condições para que uma pessoa não seja levada a praticar qualquer tipo de crime para sobreviver.

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André Arnaldo Pereira

Advogado - Santa Rosa, RS


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