Preliminarmente, antes de sugerir o método consensual de solução de conflito que reputo mais adequado para a harmonização social em tempos pandêmicos, faz-se necessário inteirar-se do tema, mesmo que sinteticamente.
Bom, para buscar a presença da “harmonia social” nos dispositivos legais em vigência, não é necessário ir longe. O instituto está presente no próprio preâmbulo constitucional, onde descreve a constituinte como instituidora de um Estado Democrático, fundada na harmonia social.
Assim, vislumbra-se a harmonia social pelo exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade plena, a segurança de fato (e não apenas a sensação de segurança), o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraternal, pluralista e sem preconceitos.
Ocorre que, como seria possível garantir o exercício de nossas garantias fundamentais com uma crise sanitária que ameaça toda a população do Planeta Terra?
Até o presente momento, a crise pandêmica já provocou danos econômicos imensuráveis e incalculáveis, e nem mesmo as ciências exatas poderão responder com exatidão quais serão os danos e reflexos desencadeados, direta e indiretamente, pela crise sanitária.
Destarte, qual a melhor maneira de enfrentar os desafios que advirão deste tão delicado momento?
Este é um dos momentos mais adequados (se não, o mais adequado) para a reflexão dos métodos que temos para as soluções dos conflitos que já são visíveis, assim como os que, já sabemos que virão. Se antes da existência da pandemia, já verificávemos que o Direito e Tecnologia não avançavam juntos, esta constatação se torna ainda mais sólida neste momento.
A expressão “Tribunal Multiportas” foi criada pelo professor Frank Sander, da Harvard Law School, e ilustra perfeitamente o conceito de resolução de diferentes conflitos. Os métodos consensuais para a solução de tais conflitos tem como base o diálogo e colaboração, ampliando os mecanismos de autocomposição, sendo facilitados por um terceiro neutro, especialmente no que pertine a mediação e a conciliação.
Se anteriormente, as cortes já não atendiam as expectativas dos cidadãos, como poderia tornar-se mais eficiente agora? Quando as pessoas pensam em futuro, imaginam carros e barcos voadores. Mas por que não tornar o aparelho celular e/ou computador que tem-se na palma das mãos em um ponto de Acesso à Justiça?
As plataformas de inteligência artificial estão à disposição, mas será que as pessoas que apresentam certa resistência à utilizar-se destes mecanismos ou sequer sabem da possibilidade de diminuição de burocracias, rapidez na solução, redução de custos e diminui-se até os deslocamentos necessários (que são muito mais pertinentes, na atual condição global).
Vislumbra-se que todos os métodos existentes, tanto a mediação, como a arbitragem, a conciliação e também a negociação, possuem mecanismos que tratam os conflitos por uma sistema “não adversarial”, mirando a preservação de um relacionamento menos conflituoso entre as partes, sem rivalidade, refletindo na harmonização social como um todo.
Creio que a negociação poderá vir em primeiro lugar, com o primeiro método consensual de solução de conflitos sem o acionamento do Judiciário. Isto porque, ora, a negociação existe desde que o mundo é mundo.
Na verdade, a negociação vem, muitas vezes, antes mesmo da existência prévia de um conflito, pois várias são as técnicas inerentes à negociação. Na simples constatação de pontos de vistas divergentes, a negociação por si só já se inicia no questionamento.
Equivoca-se quem associa a palavra “negociação” apenas aos vendedores, uma vez que os executivos podem vir à ganhar muito mais se estiverem dispostos a negociar detalhes e pontos de qualquer negócio. É necessário uma ampla visão para a negociação, deixar as discussões dos aspectos jurídicos para um outro momento.
Um ponto a se enaltecer para uma negociação acontecer é quando descobre-se qual é o mínimo aceitável pela outra parte, desta forma, ninguém sairá com uma sensação de injustiça se estiverem nivelados os “mínimos” extremos de cada um. Assim, a disseminação do vírus é a atual preocupação na rotina das pessoas, restringindo a mobilidade e contato, que jamais foram exigidas para a resolução de conflitos através da negociação.
Sem mesmo a necessidade de um terceiro para intervir, a solidariedade de quem será afetado pelo Covid-19 (uma vez que ninguém está inerte para escapar do mesmo), será a chave para o início de inúmeras negociações.
Por derradeiro, conforme fundamentadamente demonstrado, evidencia-se a tese de que buscar por um método consensual de solução de conflito refletirá na harmonização social, retardando assim o avanço do vírus, e optando pela medida funcional, à palma das mãos, que apresenta uma garantia de uma resposta equilibrada para os problemas do nosso tempo.
Autoria de Beatriz Cristina Barbieri Büerger.