O caso em análise, evidenciado pelo Acórdão número 1403694, de relatoria do Desembargador Alvaro Ciarlini da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, oferece uma perspectiva fascinante sobre os processos legais envolvidos no registro de propriedades rurais, destacando a importância de uma interpretação precisa das leis aplicáveis e o papel essencial do sistema judiciário na garantia da segurança jurídica.
A controvérsia teve início com a suscitação de dúvida pelo oficial do 5º Ofício do Registro de Imóveis do Distrito Federal, em resposta ao requerimento de registro de uma escritura pública de compra e venda de um imóvel rural. O oficial argumentou que a copropriedade presumiria em um fracionamento do imóvel, o que violava as normas de registro, uma vez que era inferior ao módulo rural mínimo estabelecido pela legislação local (dois hectares).
A fundamentação para a suscitação da dúvida baseou-se no artigo 171, inciso VII, do Provimento da Corregedoria aplicado aos Serviços Notariais e de Registro do Distrito Federal. Este dispositivo veda o registro de títulos relativos a propriedades rurais com área inferior ao módulo rural estabelecido. No Distrito Federal, o módulo rural é de dois hectares, conforme estipulado pelo artigo 83 da Lei Complementar nº 803/2009.
O oficial do cartório de registro de imóveis alegou que, embora a área total do imóvel rural em questão superasse o módulo rural mínimo exigido, a divisão do terreno entre as adquirentes não respeitava esse critério. Segundo ele, a fração atribuída a cada adquirente era inferior ao módulo rural mínimo, o que caracterizava uma violação das normas de registro.
Entretanto, a defesa argumentou que a escritura pública em questão não previa a divisão de frações entre as adquirentes, mas sim estabelecia um condomínio voluntário de um bem indivisível, conforme preconizado nos artigos 1314 e seguintes do Código Civil.
Ao examinar a legislação aplicável e os dispositivos legais pertinentes, a defesa sustentou que a formação do condomínio entre as adquirentes não apenas era permitida, mas também adequada à situação. Ressaltou-se que a área total do imóvel rural superava o módulo rural mínimo exigido e que não havia evidências de parcelamento irregular do terreno, o que tornava a operação de compra e venda compatível com as normas de registro.
Além disso, ressaltou-se a importância de uma interpretação abrangente e contextualizada das leis aplicáveis, levando em consideração não apenas os aspectos formais do registro, mas também as circunstâncias específicas do negócio jurídico em questão.
Diante dos argumentos apresentados, o brilhante voto do Desembargador Alvaro Ciarlini, foi acompanhado pelos seus pares de forma unânime, o tribunal decidiu de forma favorável ao Recurso, reconhecendo a legalidade da formação do condomínio e permitindo o registro da escritura pública de compra e venda do imóvel rural, afastando a presunção de fracionamento realizada pelo cartório de registros de imóveis.
Essa resolução exemplifica o papel essencial do sistema judiciário na garantia da segurança jurídica e na proteção dos direitos dos cidadãos. Ao interpretar as leis de forma precisa e equilibrada, o tribunal assegurou que as partes envolvidas no caso tivessem seus direitos protegidos e seus interesses respeitados, promovendo assim a justiça e a ordem jurídica.
É fundamental reconhecer o trabalho árduo e a dedicação dos profissionais envolvidos neste caso, incluindo o advogado David Vinicius do Nascimento Maranhão, cuja expertise jurídica e habilidades de argumentação contribuíram significativamente para o desfecho favorável.
Em última análise, a decisão ressalta a importância do devido processo legal e da aplicação imparcial da lei como pilares fundamentais de um sistema jurídico democrático e justo. Ao garantir o cumprimento das normas legais e proteger os direitos dos cidadãos, o sistema judiciário desempenha um papel vital na promoção da justiça e na manutenção da ordem social.
Íntegra do acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL. REGISTROS PÚBLICOS. DÚVIDA REGISTRÁRIA. NEGÓCIO JURÍDICO. COMPRA E VENDA. IMÓVEL RURAL. MÓDULO RURAL. FRAÇÃO IDEAL. CONDOMÍNIO INDIVISO. SENTENÇA REFORMADA. 1. A presente hipótese consiste em deliberar a respeito da possibilidade de registro da escritura pública de compra e venda de imóvel rural, ainda que as adquirentes passem a ser proprietárias de fração ideal correspondente a área inferior ao módulo rural mínimo exigido no Distrito Federal. 2. A dúvida em questão consiste em procedimento de natureza administrativa instaurado pelo titular do respectivo Cartório do Registro de Imóveis, a requerimento do interessado, com o intuito de que o Juízo de Registros Públicos examine a licitude de exigências ou óbices formulados em relação ao título apresentado para o devido registro imobiliário. 3. No caso o bem imóvel foi vendido a duas pessoas sem divisão da respectiva fração que seria atribuída a cada uma das adquirentes. 3.1. Com efeito a área total do imóvel rural em questão é de 2,66,50 ha, superior ao módulo rural mínimo de dois hectares vigente no Distrito Federal. 3.2. A aquisição conjunta do bem aludido pelas compradoras, no entanto, importaria na atribuição da fração ideal, a cada uma, de 1,33,25 hectares da propriedade do imóvel rural em questão, em virtude da presunção estabelecida no art. 1315, parágrafo único, do Código Civil. 4. No entanto, não é vedada, em regra, a aquisição de bem imóvel por duas ou mais pessoas. 4.1. O referido estado de indivisão tem por consequência a formação de condomínio voluntário entre as adquirentes, de acordo com o art. 1314, e seguintes, do Código Civil. 5. O art. 171, inc. VII, do Provimento da Corregedoria aplicado aos Serviços Notariais e de Registro do Distrito Federal veda apenas a registro de título relativo a propriedade rural com área inferior ao módulo rural, o que não é o caso em exame nos autos, uma vez que a área total do imóvel rural objeto da escritura pública em questão obedece ao módulo rural mínimo respectivo. 5.1. Essa vedação, aliás, tem por objetivo coibir o fracionamento de imóvel rural para finalidade urbana, mas na presente hipótese não há sequer indícios de parcelamento irregular do imóvel rural em questão. Nada obsta, aliás, que no futuro sejam indeferidas eventuais iniciativas de parcelamento do referido imóvel. 6. Apelação conhecida e provida. (Acórdão 1403694, 07127634320218070015, Relator: ALVARO CIARLINI, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 23/2/2022, publicado no PJe: 23/3/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
O Advogado que representou as proprietárias do imóvel foi David Vinicius do Nascimento Maranhão, OAB-DF 60.672.
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