A presença da subjetividade no processo de heteroidentificação em cotas de acesso a serviços públicos e vestibulares e o risco de decisões discrepantes que ameaçam à estabilidade jurídica.


17/08/2023 às 20h36
Por David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto

Este texto focaliza os parâmetros utilizados na heteroidentificação para a implementação de cotas raciais em concursos públicos, com especial atenção à ADC 41 do Supremo Tribunal Federal (STF). Examina a presença da subjetividade nas avaliações, sublinhando a importância da apresentação de argumentos opostos e da justificação das decisões. Aborda as incongruências observadas nas determinações relativas aos candidatos e realça a importância de estabelecer critérios transparentes e a aderência aos princípios estabelecidos. Conclui ao enfatizar a viabilidade e a necessidade de supervisão judiciária para salvaguardar os direitos das pessoas que efetivamente reúnem as condições para usufruir desse benefício.

 

Introdução

 

A consideração de critérios de heteroidentificação em concursos públicos como um suplemento à autodeclaração é uma temática de considerável relevância e complexidade no âmbito das políticas de ações afirmativas para cotas raciais. A ADC 41, examinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), firmou o entendimento da admissibilidade constitucional da reserva de vagas destinada a indivíduos de ascendência negra em concursos públicos, permitindo a incorporação de critérios suplementares à autodeclaração.

A introdução de políticas de cotas em concursos públicos direcionados ao serviço público desempenha um papel de destaque ao fomentar a paridade de oportunidades e mitigar desigualdades históricas. Não obstante, um dos principais desafios inerentes a esse processo reside na influência da subjetividade presente no procedimento de heteroidentificação, que engloba a análise das autodeclarações étnico-raciais dos candidatos.

A inclusão da subjetividade introduz elementos de incerteza e discrepância no procedimento, suscitando questionamentos a respeito da validade e equidade das resoluções emitidas pelas comissões avaliadoras, particularmente em situações em que a subjetividade se torna evidente em casos nos quais os candidatos já obtiveram êxito em processos anteriores de maneira justa e se submeteram a processos análogos.

Nesse contexto, é crucial ter em mente que a configuração da identidade étnico-racial se estabelece como uma construção intrincada, influenciada por um leque diversificado de elementos, como origem geográfica, contexto cultural, vivências individuais e interpretações pessoais. Tal situação contribui para uma dinâmica na qual a avaliação da filiação étnico-racial não se revela uma tarefa simples e objetiva. A emergência da subjetividade provém da multiplicidade de concepções acerca dos critérios que configuram uma específica identidade étnica ou racial.

 

Critérios de Heteroidentificação e a ADC 41

 

A Lei número 12.990/2014 introduziu a reserva de posições destinadas a indivíduos de ascendência negra em concursos públicos, tendo como instrumento de identificação racial o princípio da autodeclaração. A ADC 41 reforçou a legalidade desta medida, preservando o reconhecimento pessoal dos postulantes. Além disso, a deliberação proferida pelo Supremo Tribunal Federal ratificou a possibilidade de incorporar critérios suplementares de heteroidentificação à autodeclaração.

Contudo, a aplicação destes critérios complementares demanda uma abordagem cuidadosa, em conformidade com pilares basilares, como a dignidade intrínseca do indivíduo e o princípio da proporcionalidade. A determinação do STF realçou a importância de assegurar o devido processo contraditório e a plenitude do direito de defesa ao longo do escrutínio avaliativo.

 

Subjetividade e Contradições

 

A presença da subjetividade é uma característica inerente ao procedimento de heteroidentificação, uma vez que a composição da identidade racial é influenciada por uma amalgama de fatores sociais, culturais e individuais. Isso, por sua vez, pode originar interpretações discrepantes por parte dos avaliadores, culminando em determinações conflitantes, mesmo quando a banca examinadora e o candidato são os mesmos.

A situação em que um concorrente conquista aprovação em um concurso e, por outro lado, é desaprovado em um contexto similar pela mesma comissão atesta a intricância envolvida na avaliação da identidade racial. Essas disparidades suscitam interrogações sobre a consistência procedimental e a imparcialidade das sentenças, acentuando, assim, a necessidade imperativa de diretrizes nítidas e instruções minuciosas.

Inúmeros elementos contribuem para a inserção da subjetividade no processo de heteroidentificação. A falta de critérios tangíveis e objetivos para a avaliação ergue-se como um dos principais fatores que induzem à variedade de interpretações. Sem a orientação explícita acerca do que deve ser encarado como prova de afiliação étnico-racial, os avaliadores podem se apoiar nas próprias percepções individuais, o que, por sua vez, conduz a desfechos díspares.

Ademais, a pressão para discernir candidatos potencialmente fraudulentos, que almejam se aproveitar das cotas, pode incitar a comissão avaliadora a adotar uma abordagem mais meticulosa. Isto, no entanto, pode ensejar avaliações excessivamente restritivas, intensificando a probabilidade de equívocos e injustiças.

 

Contraditório Material e Motivação

 

Assegurar o contraditório material constitui um elemento de extrema importância, visto que é necessário garantir que os postulantes tenham a ocasião de apresentar evidências e argumentos que respaldem suas autodeclarações. Outro aspecto crítico é a adequada fundamentação das determinações, uma vez que essa ação demonstra tanto a base jurídica quanto factual que resultaram na avaliação de um dado concorrente.

A resolução emitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no contexto da ADC 41 sublinha que os critérios auxiliares de heteroidentificação devem estar alinhados com o princípio da dignidade da pessoa humana e garantir a oportunidade para o devido processo contraditório e a ampla defesa. O princípio de justificar as resoluções, elucidando os preceitos tanto de cunho factual quanto legal que as embasaram, representa um princípio que precisa ser acatado pelo aparato governamental.

Os desafios intricados estão presentes na possibilidade de adotar critérios suplementares de heteroidentificação além da autodeclaração em concursos públicos. Esses desafios se relacionam à presença de subjetividade, resoluções discrepantes e a preservação do contraditório material. O processo de implementação desses critérios precisa ser regido por premissas claras e tangíveis, em consonância com os preceitos constitucionais e os direitos dos aspirantes.

A salvaguarda do contraditório, a correta fundamentação das resoluções e a clareza no curso da avaliação se manifestam como elementos fundamentais a fim de evitar injustiças e estabelecer a equidade nas políticas de cotas. A edificação de um processo justo e transparente configura um desafio em contínua evolução, requisitando a colaboração de todos os atores envolvidos, desde os avaliadores até os próprios candidatos, a fim de efetivamente alcançar o ideal de igualdade de oportunidades.

 

Decisões Contraditórias: O Mesmo Candidato, Diferentes Resultados

 

Um exemplo que exemplifica a presença da subjetividade no procedimento de heteroidentificação é evidenciado nos cenários em que um candidato obtém resultados distintos em concursos organizados pela mesma comissão examinadora. Ao ser aprovado em um concurso e, em contrapartida, não lograr êxito em outro, o candidato se depara com interpretações discrepantes relacionadas à sua autodeclaração. Tais discrepâncias evidenciam a incongruência subjacente ao processo e provocam indagações acerca da equidade e neutralidade das determinações.

 

Controle judicial

 

A essência do tema reside na situação em que, em caso de ambiguidade plausível a respeito do fenótipo do concorrente, a autodeclaração deve ser considerada como predominante. Tal entendimento, que foi inclusive consignado no voto do relator durante a avaliação da ADC 41, enfatiza a importância de cautela ao vincular a autodeclaração a mecanismos de heteroidentificação, visando resguardar a dignidade dos candidatos, bem como assegurar o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Importa destacar que não se está advogando em prol da inviabilidade da adoção dos critérios de heteroidentificação. O argumento central reside no fato de que tais procedimentos não devem ser empregados de maneira a justificar a adoção de atitudes contraditórias por parte do Estado, especialmente em situações análogas que envolvam o mesmo candidato. Afinal, a tonalidade da pele ou o fenótipo de um indivíduo não constituem atributos mutáveis; ao contrário, são traços permanentes que subsistem ao longo da vida e em todos os contextos sociais.

Nesse contexto, suscita-se perguntas de relevância: "Como é possível um indivíduo ser categorizado como negro (pardo) em uma seleção e, pouco depois, em outra avaliação conduzida pela mesma comissão, ser designado como branco?" ou ainda "Como pode um sujeito frequentar um curso superior em uma instituição pública após ter sido aprovado como cotista e, posteriormente, ao tentar ingressar no mercado de trabalho, ser reprovado no procedimento de heteroidentificação?"

Tais questionamentos, sem dúvida, devem ser encarados de maneira séria pelo Poder Judiciário, sob pena de uma medida de política pública concebida para mitigar desigualdades sociais ser transformada em um mecanismo para perpetuar injustiças, o que, inegavelmente, pode acentuar estigmas sociais e impactar a integridade das pessoas.

Há situações nas quais a incoerência das determinações da comissão examinadora em relação aos candidatos é patente e pode ser contestada com base em documentos oficiais, que englobam registros funcionais e deliberações anteriores da mesma comissão, corroborando a autodeclaração do candidato como pardo. Nestes casos, a exclusão do rol especial de concorrentes cotistas definitivamente carecerá de uma fundamentação sólida e violará princípios como segurança jurídica, legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.

Vale ressaltar que a ausência de critérios concretos para avaliar o fenótipo do candidato, aliada à insuficiência de justificação para as determinações, incute insegurança e enfraquece a legitimidade do processo. É irracional que uma comissão examinadora (efetivamente, o Estado), sem justificação apropriada, comprometa a segurança jurídica e a confiança legítima dos aspirantes.

É precisamente esse tipo de deliberação que reitera a complexidade e os desafios inerentes à aplicação dos critérios de heteroidentificação em concursos públicos. A subjetividade na avaliação do fenótipo do candidato, aliada à falta de critérios tangíveis e à insuficiência de justificação adequada, culmina em determinações opostas e incoerentes.

Para assegurar a justiça e a equidade nas políticas de cotas raciais, são primordiais a garantia do contraditório material, uma justificação adequada e a coerência nas decisões. A necessidade de respeitar a identidade dos candidatos, promover a igualdade de oportunidades e evitar atitudes contraditórias deve guiar as ações da administração pública.

A invalidez desse tipo de ato administrativo baseia-se na ausência de justificação e na afronta aos princípios essenciais do arcabouço jurídico. Isso porque, vale repetir, a identidade racial é um atributo inalterável, e negar isso equivale a apagar a personalidade e a trajetória de um indivíduo que busca aprimorar sua condição de vida.

A busca por um processo transparente, equitativo e imparcial exige constante vigilância na aplicação adequada dos critérios de heteroidentificação, sempre respeitando os direitos e a dignidade dos concorrentes, em consideração à boa-fé que impõe o dever de consistência no comportamento, consistindo na necessidade de observar, no futuro, a conduta que os atos anteriores prefiguravam, conforme preconiza a teoria do ato próprio.

Trata-se de controle legítimo da legalidade do ato administrativo, ante a opção legislativa de considerar negros para fins de reserva de vagas os que se declaram pretos e pardos, impondo-se sua invalidação, sob pena de caracterização, isso sim, de indevida desvirtuação do critério escolhido pelo legislador (pretos e pardos).  

 

Implicações e Soluções Potenciais

 

A presença de subjetividade na heteroidentificação acarreta implicações profundas. Indivíduos que são indevidamente rejeitados podem ser privados de oportunidades, enquanto outros que não preenchem os requisitos das cotas podem ser beneficiados indevidamente. Esse cenário prejudica a confiabilidade do sistema de cotas e pode dar origem a litígios legais.

Para abordar essas questões, é de suma importância adotar medidas que minimizem a subjetividade no processo. Isso poderia envolver a formulação precisa de critérios de avaliação, fornecendo diretrizes pormenorizadas para os avaliadores e oferecendo uma formação adequada em torno de questões de identidade étnico-racial. A implementação de comitês de revisão independentes pode servir para atenuar inclinações pessoais e garantir decisões mais imparciais.

 

Conclusão

 

A subjetividade inerente ao procedimento de heteroidentificação em relação às cotas de acesso a cargos públicos constitui um desafio intrincado que requer abordagem decidida para assegurar a eficácia e a imparcialidade das políticas de cotas. A natureza da identidade étnico-racial é, por natureza, subjetiva, porém, é possível adotar medidas para reduzir as interpretações discrepantes e fomentar um processo mais equitativo e transparente. A busca por critérios transparentes, diretrizes precisas e avaliações independentes pode contribuir para edificar um sistema que cumpra o propósito de corrigir desigualdades históricas, mantendo simultaneamente a equidade e a confiabilidade.

Por último, sublinha-se a importância dos advogados especializados em questões de heteroidentificação em concursos públicos, os quais desempenham um papel vital ao salvaguardar os direitos dos concorrentes. Seu profundo entendimento das leis, regulamentos e jurisprudência relacionados às cotas raciais viabiliza uma interpretação precisa dos critérios de avaliação fenotípica, com o objetivo de retificar decisões injustas emitidas pelas bancas examinadoras. Notavelmente, ao abordarem as nuances das questões de identidade racial com sensibilidade e integridade, esses advogados contribuem para a proteção dos direitos humanos e a promoção da igualdade.

A chave para reverter essa situação é agir. Preencha o formulário: https://forms.office.com/r/SfJh16ZPnW

 

Por David Vinicius do Nascimento Maranhão

Advogado OAB-DF 60.672.

Advogado com atuação em fraudes bancárias e golpes no mercado financeiro.

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