O Mandado de Segurança de número 07305506220238070000, recentemente analisado pelo Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), revela uma problemática recorrente na concessão de licença remunerada a servidores em estágio probatório. O caso envolve um servidor público federal que, estando nessa fase inicial de avaliação, buscou afastamento remunerado de suas funções para participar de um curso de formação destinado ao cargo de Delegado de Polícia Substituto da PCGO.
A complexidade da situação reside na ausência de previsão legislativa específica para a concessão de afastamento remunerado durante o estágio probatório. A Lei n. 8.112/90, que regulamenta o regime jurídico dos servidores públicos federais, estabelece licenças nos artigos 81, 94, 95 e 96, mas não contempla de maneira expressa o afastamento remunerado para cursos em esferas administrativas distintas.
A negativa inicial por parte do Presidente do TJDFT, por delegação, fundamentou-se na interpretação restritiva da legislação vigente. No entanto, o Conselho Especial, ao analisar o caso, enfrentou o desafio de harmonizar as normas existentes com a necessidade de garantir a isonomia e proporcionalidade aos servidores em estágio probatório.
A problemática central reside na tensão entre a avaliação do servidor durante o estágio probatório e a busca por seu aprimoramento profissional. A legislação não oferece uma resposta clara quanto à possibilidade de afastamento remunerado para cursos de formação em esferas administrativas diversas. Essa lacuna normativa cria um ambiente propenso a interpretações divergentes e, consequentemente, à necessidade de uma atuação mais abrangente do Poder Judiciário para equacionar os interesses em jogo.
Em seu brilhante voto o desembargador relator do caso, Dr. Sandoval Oliveira, destacou a legislação pertinente as licenças e reforçou o entendimento adotado pela corte, in verbis:
- Sabe-se que ao servidor em estágio probatório são admitidas apenas as licenças previstas nos artigos 81, 94, 95 e 96 da Lei n. 8.112/90, além do afastamento para participar de curso de formação para outro cargo na Administração Pública Federal. É o que dispõe o art. 20, §4º, da Lei n. 8.112/90, in verbis: Art. 20. [...] §4o Ao servidor em estágio probatório somente poderão ser concedidas as licenças e os afastamentos previstos nos arts. 81, incisos I a IV, 94, 95 e 96, bem assim afastamento para participar de curso de formação decorrente de aprovação em concurso para outro cargo na Administração Pública Federal. O art. 14, §1º, da Lei n. 9.624/98, ao tratar dos programas de formação de concursos públicos, também faz referência à possibilidade de afastamento do servidor, facultada a opção pelo vencimento e pelas vantagens do cargo efetivo, desde que para curso de formação concernente a outro cargo da Administração Pública Federal.
- Confira-se:
- Art. 14. Os candidatos preliminarmente aprovados em concurso público para provimento de cargos na Administração Pública Federal, durante o programa de formação, farão jus, a título de auxílio financeiro, a cinquenta por cento da remuneração da classe inicial do cargo a que estiver concorrendo §1º No caso de o candidato ser servidor da Administração Pública Federal, ser-lhe-á facultado optar pela percepção do vencimento e das vantagens de seu cargo efetivo. Entretanto, é firme o entendimento deste Conselho Especial no sentido de que – a despeito da inexistência de previsão legislativa específica – deve ser admitido o afastamento do servidor para participar do curso de formação para cargos integrantes das demais esferas da administração (Estadual, Distrital ou Municipal).
- Entende-se que a interpretação literal do dispositivo em evidência não se coaduna com o processo de filtragem constitucional, de especial relevância em questões afetas à Administração Pública.
- Ou seja, sopesado o princípio da legalidade em cotejo com os princípios da isonomia e da proporcionalidade, estes últimos devem se sobrepor àquele. O raciocínio se escora nos elementos fundantes da igualdade em sentido material; para que a distinção de determinadas situações concretas seja válida, é preciso que exista correlação lógica entre o critério de diferenciação, o comando ou regra de distinção e os interesses extraídos do sistema constitucional.
- Sobre o tema: [...] 2. Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões:
- a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;
- b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;
- c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.
- Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional.
- A dizer: se guarda ou não harmonia com cies. Em suma: importa que exista mais que uma correlação lógica abstrata entre o fator diferencial e a diferenciação consequente.
- Exige-se, ainda, haja uma correlação lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição. (In BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. 8ª tir. Malheiros).
A decisão do Conselho Especial, ao admitir o Mandado de Segurança e conceder a segurança ao impetrante, revela a importância da jurisprudência na resolução desses impasses. A flexibilidade interpretativa adotada, ancorada nos princípios constitucionais, destaca a necessidade de repensar a legislação para abranger situações específicas como a discutida no caso.
Portanto, a problemática exposta no julgado evidencia a urgência de uma revisão normativa que contemple situações peculiares como a do servidor em estágio probatório que busca aprimoramento profissional, respeitando os princípios basilares da Administração Pública e garantindo tratamento equitativo aos servidores em diferentes fases de suas carreiras.
Por David Vinicius do Nascimento Maranhão.
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