O modus operandi destas empresas se inicia com aliciamento de servidores públicos, ativos ou aposentados, por funcionários da empresa fraudaria, que de posse de todos as informações das vítimas (nome, CPF, empréstimos anteriores, margem consignável e etc...), que lhe são repassados através de verdadeiras redes de tráfico de informações pessoais, oferecem a portabilidade de dívidas anteriores, com a redução da parcela de empréstimos consignados e muitas vezes, como forma de atrair mais vítimas, ofereciam lucro imediato de 10% sobre o valor depositado na conta dos servidores.
Vale frisar que, o motivo do público-alvo serem servidores públicos deve- se ao fato de que estes possuem a facilidade da contratação de empréstimos consignados em folha de pagamento, sendo que, a intermediação destes empréstimos também ficava a cargo de correspondentes bancários autorizados por Instituições Financeiras.
O contrato ofertado pelas empresas, variam de acordo com o golpe, mas muitas vezes são denominado Cessão de Crédito ou "Instrumento Particular", que consistem em prometer ao cliente a portabilidade de um empréstimo consignado, com condições mais favoráveis, induzindo a vítima liberar sua margem consignável para que a empresa criminosa busque junto aos bancos parceiros, uma operação de empréstimo consignado em folha de pagamento.
A princípio há uma impressão de que os contratos de empréstimo consignados são realizados de forma independente pelas vítimas, por meio de um instrumento particular realizado com a empresa falsária, e em tese sem anuência ou participação da instituição financeira.
Porém, no curso das investigações, inclusive de outros Estados, além do DF, restou claro que para aplicação do golpe é necessário a participação ativa de um correspondente bancário, que, em suposto conluio com a organização criminosa, se encarregada de duas funções primordiais.
A primeira função do correspondente bancário é a de repassar informações sigilosas de clientes que possuem empréstimos consignados e margem disponível para realizar a contratação de empréstimos consignados, através de sistemas de informações clandestinos.
Neste sentido são as informações obtidas nas investigações realizadas e em trecho de um dos relatórios do Ministério Público fica demonstrada, de forma elucidativa, a participação de um correspondente bancário autorizado no repasse de informações.
Assim, o repasse dessas informações permite que a organização criminosa tenha acesso aos dados sigilosos de clientes, utilizando desta vantagem para passar credibilidade no contato inicial, visto que quando procuram as pretensas vítimas têm em mãos todas as informações necessárias para ganhar a confiança necessária para aplicação do golpe, muitas vezes, estas empresas fraudadoras até mesmo acabam se passando por intuições financeiras para que as vítimas não desconfiem da empreitada criminosa.
Uma vez que os criminosos conseguem ludibriar os servidores públicos, estes prometem a portabilidade ou redução da parcela de eventual empréstimo consignado através do instrumento particular de Cessão de Crédito com um reconhecimento de firma em cartório (muitas vítimas ao se depararem com o selo de autenticidade do cartório acreditam se tratar de uma legítima operação financeira), e para que as vítimas não percebam o golpe, muitas vezes, de posse de contratos bancários e documentos pertencentes à instituição financeira, recolhem a assinatura de Cédulas de Crédito Bancário em branco e sem a parte descritiva do crédito, ou até mesmo fraudam a assinatura da vítima.
A Cédula de Crédito Bancário utilizada pelos criminosos, às vezes é confeccionada com uma lacuna em branco para que seja inserida uma tabela descritiva do crédito, sem a anuência das vítimas, tal empreitada é realizada desta forma para que estas não percebam que se trata da contração de um novo empréstimo consignados, ao invés da portabilidade.
Assim, novamente entra em ação a atuação do correspondente bancário autorizado.
As organizações criminosas atuam por intermédio de uma empresa denominada de consultoria financeira ou de soluções financeiras registrada como EIRELI, com atividade registrada como "consultoria financeira" e com capital social de apenas R$100.000. Por não ser um correspondente bancário autorizado pelas instituições financeiras, estas empresas não deveriam possuir acesso a contratos e documentos bancários pertencentes a instituições financeiras credenciadas pelo BACEN, os conseguindo por intermédio de correspondentes bancários autorizados, que acabam se corrompendo e de certa forma participam do golpe.
Após realizada a captação de vítimas pela empresa, o correspondente bancário, que possui uma boa relação com a instituição financeira, fica também responsável por intermediar a contratação de novos empréstimos consignados, sem a anuência da vítima, que apenas concorda com a portabilidade da dívida.
Após o dinheiro ser depositado na conta da vítima, os criminosos a procuram novamente e solicitam que o dinheiro seja transferido para uma conta bancária vinculada ao CNPJ da empresa criminosa, sobre a justificativa de que está sendo realizado uma espécie de estorno e que o valor será utilizado para concluir a portabilidade da dívida, reduzindo o valor das parcelas, ou quitar o empréstimo antigo.
Visando não levantar suspeitas, a empresa criminosa realiza o depósito de algumas parcelas do empréstimo e sempre tenta manter uma boa relação com consumidor, atendendo-os em canais de ouvidoria e sempre dando uma desculpa para justificar a inadimplência ou atrasos.
Apenas quando a empresa deixa de depositar o valor que seria referente a diferença da redução da parcela é que as vítimas se dão conta de que foi contraído um novo empréstimo de forma fraudulenta em seu nome, e que o valor que transferiu para a empresa seria referente a este empréstimo consignado.
O referido golpe varia de diversas formas, pois quando a vítima não possui empréstimo consignado anterior, que justificaria a proposta de portabilidade, ou não concorda com os termos genéricos, lhe é prometido uma bonificação de 10% do valor do empréstimo.
Desta forma, é possível notar que a participação dos correspondentes bancários autorizados no repasse de informações sigilosas de clientes e na facilitação da contratação do empréstimo são essenciais para que a organização criminosa obtenha êxito em aplicar o golpe.
A operação policial de Busca e Apreensão realizada nos Estado do Rio de Janeiro, que foi filmada e postada na plataforma de vídeos YouTube, visando combater esta espécie de golpe, trouxe mais provas da participação do correspondente bancário autorizados por instituições financeiras, visto que foi levantada a informação de que as empresas promotoras, são responsáveis por redigir os contratos e repassarem para o banco ( Vídeo aos 25 minutos e 10 segundos).
Uma vez esclarecido como se dá a atuação dos criminosos, ressalta-se que o caso mais grave até então conhecido foi realizado por um grupo de empresas com filiais em Brasília-DF, Rio de Janeiro-RJ, Curitiba-PR, Belo Horizonte-BH e São Paulo- SP .
Assim, essas empresas agem como verdadeiros correspondentes bancários autorizados, visto que se apresentam desta forma ou em nome da instituição financeira, em posse de todas as informações das vítimas e de posse dos contratos bancários, circunstâncias que facilitam a aplicação do golpe.
Parte dos envolvidos foram denunciados pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - MPDFT- acusados da suposta prática do crime de organização criminosa e contra as relações de consumo, por 39 vezes. A denúncia oferecida consta com 16 pessoas envolvidas ( Ação Penal de nº 0722404-34.2020.8.07.0001, que tramita perante o TJDFT).
Em paralelo, existem ações no judiciário de todo o país sendo deflagradas contra as demais empresas requeridas, todas no mesmo sentido, apenas aqui no Distrito Federal p número de processos ultrapassam mais de duzentas demandas.
Portanto, essas empresas são criadas com o único intuito de aplicar golpes em servidores públicos, os levando a erro sobre o negócio jurídico contratado e realizando sem o consentimento das vítimas a contratação fraudulenta de empréstimos consignados.
Desse modo, não resta outra alternativa às vítimas além da de buscar a tutela jurisdicional do Estado, a fim de que tenham seus prejuízos reparados.
A responsabilidade civil dos falsários e das instituições financeiras, já vem sendo reconhecida pelo TJDFT ao aplicar a Súmula nº 479 do STJ, in verbis:
PROCESSO CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. APLICAÇÃO CDC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C ANULAÇÃO DE CONTRATO POR VÍCIO DE CONSENTIMENTO (FRAUDE) E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.BANCO OLÉ BONSUCESSO CONSIGNADOS.A.E BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. FRAUDE EM CONTRATO DE PORTABILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE.DANOS MORAIS CONFIGURADOS. SENTENÇA MANTIDA. LEGITIMIDADE PASSIVA BANCO ITAÚ UNIBANCO S.A. 1. Os fatos devem ser apreciados segundo os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, porquanto o autor, tendo firmado contrato com suposto representante do Banco Santander S.A. para portabilidade de dívida e transferido os valores para conta corrente do Banco Itaú Unibanco S.A., é tido como consumidor. 2. Depreende-se dos autos que os réus, mesmo instados a comprovar a regularidade da contratação da portabilidade de crédito, deixaram de fazê-lo e não se desincumbiram do ônus que lhes cabia. 3. Malgrado o contrato de portabilidade fraudulento ter sido firmado sem qualquer ingerência do Banco Itaú Unibanco S.A., este deve ser responsabilizado. Por integrarem a mesma cadeia de fornecimento, todas as instituições financeiras demandadas são solidariamente responsáveis pelos prejuízos decorrente de fraude na portabilidade de empréstimo consignado.Os bancos que atuam como intermediárias na portabilidade de mútuos, como no caso presente, respondem objetivamente pelo risco empresarial que envolve a prestação de seus serviços (art. 14 do CDC). 4.Segundo lição de Sérgio Cavalieri Filho, "Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente da culpa."[1] 5. O Enunciado 479 da Súmula do STJ orienta que"as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." 6. A intenção do legislador, ao inserir a modalidade de indenização por danos morais no ordenamento jurídico, foi trazer ao ofendido algum alento no seu sofrimento e repreender a conduta do seu ofensor. 7. Só o fato de o autor ter sido vítima do golpe da portabilidade de crédito consignado, criando a falsa expectativa de que iria adimplir dívida anteriormente contraída, já lhe gera imensa aflição. 8. O valor da indenização por danos morais tem por função compensar o sofrimento suportado pelavítima e punir o causador do dano, coibindo-se novas condutas abusivas. 9. Apelações conhecidas e não providas. Preliminar de ilegitimidade passiva do Banco Itaú Unibanco S.A. rejeitada. Unânime. [1] (Programa de responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014 p. 544) (Acórdão 1381074, 07122347720198070020 0).
Por fim, se você foi vítima de qualquer uma destas fraudes envie um e-mail para nascimentopeixotoadvogados@gmail.com ou entre em contato através do WhatsApp (61) 99426-7511.
Autor: David Vinicius do Nascimento Maranhão, Advogado com atuação em fraudes bancárias e golpes no mercado financeiro, sócio do escritório Nascimento & Peixoto Advogados Associados.