Tratamento Oncológico: Saiba as obrigações dos Planos de Saúde e quais medidas devem ser adotadas diante de negativas injustificadas


23/09/2023 às 00h53
Por David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto

 

Após receber o diagnóstico de câncer, uma série de preocupações inundam a mente do paciente, e uma das principais é sobre o tratamento que será necessário. Para aqueles que possuem um plano de saúde, surge a questão crucial: o meu plano cobre todos os procedimentos necessários para o tratamento do câncer?

 

De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), até abril de 2022, cerca de 49,4 milhões de brasileiros tinham planos de saúde, o que representa aproximadamente 25% da população dependendo desses serviços para exames, procedimentos cirúrgicos, consultas e medicamentos.

 

Vale mencionar ainda que, as administradoras de planos de saúde costumam negar esses tratamentos devido ao seu alto custo, optando por resguardar interesses patrimoniais e econômicos, em detrimento da saúde e do bem-estar das pessoas já abaladas psicologicamente devido ao estado de saúde gerado por essa doença grave. Essa situação também é agravada pelo fator tempo, uma vez que a probabilidade de sucesso do tratamento é determinada também pela celeridade do tratamento, tendo em vista que se trata de uma doença que evolui rapidamente.

 

Portanto, é fundamental compreender o que os planos de saúde oferecem em termos de cobertura para o tratamento oncológico, e quais são suas obrigações.

 

Cobertura Abrangente do Tratamento Oncológico

 

Em relação ao tratamento do câncer, a maioria dos planos de saúde oferece uma cobertura abrangente, incluindo consultas médicas, internações, exames e medicamentos. Essa abrangência abarca até mesmo medicamentos orais e tratamentos medicamentosos domiciliares, como quimioterapia oral.

 

No entanto, é importante ressaltar que a extensão dessa cobertura é delimitada pelo Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde da ANS, que varia de acordo com o tipo de plano de saúde contratado, como ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia, referência ou odontológico. Esse rol é aplicável aos planos contratados a partir de janeiro de 1999, conhecidos como planos novos.

 

Portanto, embora os planos de saúde sejam obrigados a cobrir grande parte das despesas relacionadas ao tratamento oncológico, como quimioterapia, radioterapia e cirurgia, a cobertura real depende das condições e do tipo de plano escolhido pelo beneficiário.

 

Em caso de câncer, quais exames e tratamentos o plano é obrigado a cobrir?

 

Quanto a cobertura de exames e tratamento, a obrigação dos planos de saúde é ampla, na medida que, conforme será visto adiante, cabe ao médico que acompanha o paciente a responsabilidade de determinar os exames e tratamentos indicados, não podendo a seguradora intervir nesse assunto. Assim, o rol de procedimentos da ANS previstos como obrigatórios nesses casos é irrelevante.

 

Nesse contexto, alguns exames e procedimentos cirúrgicos podem variar de acordo com o tipo de câncer do paciente e o estágio da doença. Por exemplo, a tomografia Pet Scan, um exame de diagnóstico por imagem, não está prevista para todos os casos, mas, em situações de urgência, pode ser incluída na cobertura.

 

O exame denominado PET-CT ou PET-SCAN, tomografia por emissão de pósitrons, é uma nova técnica de medicina nuclear que tem sido utilizada na oncologia como ferramenta de diagnóstico e estadiamento da doença (classificação do nível de impacto), podendo registrar, também, a resposta de um determinado tumor aos tratamentos cirúrgico ou quimio-radioterápico.

 

O Rol da ANS especifica casos em que procedimentos de alta complexidade, como o Pet Scan, são obrigatórios. Isso inclui pacientes com câncer pulmonar de células não pequenas, linfoma, câncer colorretal, câncer de cabeça e pescoço, melanoma, câncer de esôfago localmente avançado, tumores neuroendócrinos e para o diagnóstico do câncer de mama metastático em casos de achados inconclusivos em exames de imagem convencionais.

 

Ocorre que, dentro do âmbito da cobertura do plano de saúde, a conformidade do exame com as diretrizes de utilização da ANS é uma questão irrelevante quando há uma prescrição médica, pois a responsabilidade de determinar os exames e tratamentos mais apropriados ao paciente recai sobre o especialista, não sobre a operadora ou seguradora.

 

Inclusive, esse entendimento encontra amparo na Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, determina em seu art. 12, I, ‘b’ que:

 

‘Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

I - quando incluir atendimento ambulatorial:

b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente;’ [grifo na transcrição].

 

Confira a posição adotada pelo TJDFT e pelo STJ frente a negativa de planos de saúdes em cobrir exames e procedimentos solicitados pelos médicos, os quais revelam que os pacientes que sofrem esse tipo de negativa também fazem jus à indenização por danos morais:

 

Autorização do exame PET-SCAN – tutela de urgência – probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo

“1. Nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, devem estar presentes cumulativamente para a concessão da tutela de urgência a probabilidade do direito invocado na Inicial e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. 2. Embora a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça tenha modificado seu entendimento, a Terceira Turma mantém a orientação há muito firmada naquela Corte de que cabe às operadoras de saúde delimitar as doenças passíveis de cobertura, mas não restringir os procedimentos e técnicas a serem utilizadas no tratamento da enfermidade prevista. 3. Descabe à agravante criar embaraços capazes de desvirtuar a finalidade do contrato de plano de saúde, negando o exame PET-SCAN necessário para o tratamento indicado pelo profissional responsável pelo acompanhamento da paciente.”

Acórdão 1389485, 07281270320218070000, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 25/11/2021, publicado no PJe: 3/12/2021. Brasília, DF.

Negativa de custeio do exame PET-CT – dano moral 

 

“1. A operadora de plano de saúde não pode limitar os meios necessários, a critério do médico assistente, para o diagnóstico e/ou tratamento de patologia inserta no âmbito da cobertura do plano. O rol da ANS não é exaustivo, limitando-se a indicar o mínimo a ser assegurado pelos planos de saúde. 2. A recusa injustificada de cobertura causou dano moral, cuja compensado foi assegurada em valor - R$ 10.000,00 - que não comporta redução, sob pena de ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.” 

Acórdão 1358290, 07196658820208070001, Relator Designado: FERNANDO HABIBE, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 22/7/2021. Brasília, DF.

STJ: Recusa de cobertura para a realização de exame pet-scan – abusividade contratual

 

“1. Conforme entendimento desta Corte de Justiça, "o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura. Desse modo, entende-se ser abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento, medicamento ou procedimento imprescindível, prescrito para garantir a saúde ou a vida do beneficiário" (AgInt no REsp 1.453.763/ES, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 1º/6/2020, DJE 15/6/2020). 

2. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, o descumprimento contratual por parte da operadora de saúde, que culmina em negativa de cobertura para procedimento de saúde, somente enseja reparação a título de danos morais quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico ou prejuízos à saúde já debilitada do paciente, o que foi constatado pela Corte de origem no caso concreto.” AgInt no AREsp 1781959 / MG

 

O plano de saúde é obrigado a custear medicamentos orais e de Apoio no Tratamento Oncológico?

 

Uma característica importante da cobertura de tratamento oncológico pelos planos de saúde é que o câncer é a única doença que tem direito a tratamentos medicamentosos de uso domiciliar, de modo que é pacífico que, em outros tipos de doenças, o plano de saúde não deve cobrir o tratamento ministrado em domicílio, mediante tratamento oral.

 

Assim, devido ao alto custo desses medicamentos, desde janeiro de 2014, os planos de saúde contratados em 1999 ou depois dessa data são obrigados a cobrir o tratamento antineoplásico com medicamentos orais (quimioterapia) administrados em casa.

 

No entanto, assim como exames e procedimentos mais complexos, a ANS estabeleceu uma lista de medicamentos orais de uso domiciliar cuja cobertura é obrigatória. Essa lista varia de acordo com o tipo e o estágio da doença. Além disso, medicamentos para controle dos efeitos adversos relacionados aos tratamentos oncológicos, como controle de dor e anemia, também estão garantidos pela ANS.

 

Para saber se um procedimento ou medicamento específico está incluído na cobertura do plano de saúde, os pacientes podem consultar o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde da ANS, que está disponível no site da agência. Além disso, muitas operadoras de planos de saúde também disponibilizam ferramentas online para verificar a cobertura de procedimentos e medicamentos diretamente no portal do beneficiário.

 

Portanto, é fundamental que os pacientes tenham conhecimento sobre essa cobertura para evitar gastos desnecessários com medicamentos de suporte que o plano de saúde deve cobrir.

 

O que fazer se o plano de saúde negar a cobertura de um tratamento oncológico? 

 

Quando um plano de saúde se recusa a cobrir procedimentos ou medicamentos oncológicos previstos na obrigatoriedade, o beneficiário tem diversas opções de recurso.

 

Primeiramente, é recomendável entrar em contato com a ouvidoria do plano de saúde para tentar resolver a situação. A ouvidoria é um canal de comunicação que pode ajudar a esclarecer os motivos da negativa e buscar uma solução.

 

Caso a ouvidoria não resolva o problema, o beneficiário pode registrar uma reclamação junto à ANS, que é a agência reguladora responsável por fiscalizar os planos de saúde no Brasil. A ANS pode mediar a situação entre o paciente e a operadora do plano e, se necessário, aplicar penalidades à operadora por negativas injustificadas.

 

No entanto, é importante mencionar que, em casos de negativas de cobertura, as decisões judiciais recentes têm tendido a favorecer o Rol da ANS, a menos que existam circunstâncias excepcionais. Isso significa que o paciente pode enfrentar desafios ao buscar a cobertura por meio do sistema judicial.

 

Todavia, nesse tipo de caso, é possível conseguir decisões judiciais em caráter urgente e liminar, o que, a depender do tipo de negativa e da importância do exame, é possível de maneira mais rápida do que recorrendo a vias administrativas acima indicadas.

 

Vale reforçar que, além de conseguir com que o plano custei o tratamento, a recusa injustificada de operadoras de planos de saúde em fornecer medicamentos ou cobrir procedimentos médicos essenciais, mesmo quando prescritos por médicos e necessários para a recuperação dos pacientes, configura violação dos direitos pessoais dos segurados e, consequentemente, uma causa de danos morais.

 

Assim, em casos excepcionais em que a recusa da operadora de plano de saúde em cobrir tratamentos médicos prescritos por médicos especializados representa um risco iminente para a vida do paciente, tal como ocorre em relação a pessoas com câncer, a jurisprudência tem reconhecido a existência do dano moral. Essa decisão se baseia na ideia de que a recusa vai além do mero descumprimento contratual, atingindo a boa-fé e causando constrangimento, medo e indignação ao segurado. Confira:

 

“2. A recusa injustificada da operadora de plano de saúde quanto ao fornecimento de medicamentos nos casos de recomendação médica e quando indispensável ao restabelecimento clínico do paciente, causa abalo moral ao consumidor, porquanto viola os direitos da personalidade do segurado."

Acórdão 1161216, 07402636820178070001, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 27/3/2019, publicado no DJe: 04/04/2019, Brasília, DF).

 

Em resumo, a recusa injustificada das operadoras de planos de saúde em cobrir tratamentos médicos essenciais, quando prescritos por médicos e necessários para a saúde do paciente, pode ser revertida por decisões judiciais em caráter urgente e por essa negativa também resultar em danos morais, já que essa conduta configura risco de vida ao segurado, o paciente também tem direito a uma indenização por danos morais.

 

Conclusão

 

Em resumo, os planos de saúde no Brasil oferecem uma cobertura ampla para o tratamento do câncer, abrangendo consultas, exames, cirurgias e medicamentos. No entanto, essa cobertura está sujeita às regras estabelecidas pela ANS e pode variar de acordo com o tipo e o estágio da doença, bem como o tipo de plano de saúde contratado.

 

Por isso, mostra-se imprescindível que os pacientes conheçam seus direitos e saibam como proceder em caso de negativas de cobertura, seja através da ouvidoria do plano, da ANS ou, em último caso, do sistema judicial, para garantir o acesso ao tratamento necessário em um momento tão crítico como o enfrentamento do câncer. Por último, recomenda-se que não se aguarde muito tempo esperando respostas ou soluções por parte do plano de saúde, sobretudo quando o paciente tiver a convicções de que os procedimentos do qual necessita, são negados com frequência pela seguradora, pois a luta contra o câncer é também uma luta contra o tempo.

 

Por David Vinicius do Nascimento Maranhão.

 

 

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Referências

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