O artigo aborda a ilegalidade da recusa de planos de saúde em custear materiais cirúrgicos indicados para tratar uma complexa condição vertebral, consistindo o tratamento em uma corpectomia C5, colocação de cage e estabilização posterior. A recusa da operadora, baseada na alegação de que o procedimento não está no Rol da ANS, constitui prática abusiva, sendo a eficácia do tratamento determinante para a cobertura, notadamente em razão da responsabilidade pela escolha do tratamento ser do médico que acompanha o paciente e não da operadora de saúde.
Introdução
No presente artigo, trataremos sobre a ilegalidade da negativa do plano de saúde em custear os materiais cirúrgicos indicados para tratar uma complexa condição vertebral que demanda intervenção cirúrgica, especificamente uma corpectomia C5, colocação de cage e estabilização posterior com parafusos de massa lateral.
No relatório médico fornecido ao paciente foi enfatizado a importância do procedimento diante de uma luxação, estenose do canal e mieloipatia incipiente, resultantes de um trauma na coluna vertebral.
O paciente apresenta uma grave compressão medular no segmento cervical C5-C6, decorrente de uma fratura em luxação (CID S12.2) causada por um traumatismo craniano durante um treino de jiu-jitsu, após receber um golpe em "bate-estaca". Além da compressão descrita no segmento C5-C6, o traumatismo cervical resultou em uma alteração na anatomia fisiológica da coluna cervical, levando à inversão da lordose e à formação de uma cifose cervical. As alterações anatômicas da coluna cervical, especialmente a cifotização, comprometem a medula nervosa a longo prazo (mielopatia), devido à pressão exercida pelas vértebras em sua face anterior e requerem, necessariamente, correção cirúrgica.
Contudo, a operadora do plano de Saúde recusou a cobertura parcial do procedimento, alegando a desnecessidade da monitorização neurológica intraoperatória e desautorizando materiais essenciais para a realização da cirurgia, argumentando que o procedimento foge aos que estão previstos no Rol da ANS, como sendo de cobertura obrigatória.
Situações como essas acontecem frequentemente e acabam colocando o consumidor em situação de extrema vulnerabilidade, quando mais precisam do plano de saúde que vem sendo adimplido de maneira regular durante anos.
Desse modo, este artigo irá explorar as razões por trás da negativa de cobertura para cirurgias e da autorização dos materiais necessários e indicados pelos médicos, fornecendo orientações sobre as medidas a serem tomadas diante dessa situação desafiadora.
Nessa situação, agiu correto a operadora do plano de saúde ao negar o custeio dos materiais para realização do procedimento indicado pelo médico?
Não, essa situação configura prática abusiva. Entenda os motivos.
Em casos como este, os planos de saúde ignoram as reais necessidades de tratamentos dos assegurados e se apegam ao rol estrito da ANS para negar os procedimentos adequados e devidamente prescritos pelos médicos que acompanham os pacientes.
Vale ressaltar que, nesse tipo de hipótese é possível obter decisões judiciais impondo ao plano de saúde o custeio do tratamento, mas ainda existe uma infinidade de outras situações nas quais é possível reverter a situação judicialmente, sobretudo quando presentes os requisitos abaixo citados.
Salutar mencionar que essa postura por parte das operadoras dos planos de saúde é voltada ao seu intento de lucro, o qual acaba deixando de lado dois dos bens mais preciosos para os seres humanos, a saúde e a vida.
Desse modo, em que pese a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) seja responsável por definir o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que lista os procedimentos, exames e tratamentos com cobertura obrigatória pelos planos de saúde, é crucial compreender que esse rol possui caráter meramente exemplificativo. Ele estabelece o mínimo que deve ser coberto pelos planos, mas não pode limitar direitos já previstos em lei.
Em outras palavras, se um tratamento não está expressamente excluído das coberturas obrigatórias pela lei, a ausência desse tratamento no Rol da ANS não autoriza a operadora de planos de saúde a negar a cobertura. A regulamentação não pode criar restrições não previstas na legislação, e a garantia do direito à saúde e à vida dos beneficiários deve prevalecer.
Vale acrescentar que o Congresso Nacional promulgou a Lei nº 14.454/2022, que buscou modificar o entendimento estabelecido pelo STJ. A Lei nº 14.454/2022 alterou o artigo 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), introduzindo o § 12, que estabelece que o rol da ANS tem caráter exemplificativo:
Art. 10 (...)
§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
No entanto, para que um plano de saúde seja obrigado a cobrir um tratamento ou procedimento não listado no rol da ANS, é necessário que a eficácia desse tratamento ou procedimento seja comprovada, conforme estabelecido pelo § 13, também acrescentado:
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
Atualmente o caráter do rol da ANS é exemplificativo, desde que fique configurado as hipóteses acima mencionadas, de modo que o plano de saúde não pode negar a cobertura de uma cirurgia, simplesmente em razão da ausência de inclusão nessa lista, sobretudo quando a realização do procedimento é imprescindível para o tratamento de alguma comorbidade específica.
Considerando os argumentos acima mencionados, quando os materiais são essenciais para o sucesso dos procedimentos cirúrgicos, atendendo aos requisitos médicos e sendo fundamentais para a eficácia do tratamento, o plano de saúde deve cobrir esses materiais, mesmo que não estejam previstos no rol de procedimentos da ANS. O § 13 do Art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) estabelece que a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde se houver comprovação da eficácia à luz das ciências da saúde e um plano terapêutico adequado.
Portanto, a negativa do plano de saúde com base exclusivamente na ausência dos materiais no rol da ANS não é justificável se esses materiais são necessários para o sucesso de um procedimento cirúrgico e se a eficácia é comprovada. A legislação busca assegurar que os pacientes tenham acesso aos tratamentos necessários, levando em consideração a eficácia clínica, e não apenas a lista da ANS.
O plano de saúde pode definir o melhor tratamento ou quais materiais devem ser utilizados no procedimento cirúrgico?
Como visto acima, a mera falta de previsão no rol de procedimentos obrigatórios da ANS não constitui fundamento idôneo para negativa em custear materiais essenciais para a realização do procedimento cirúrgico.
Se não bastasse, vale acrescentar que a responsabilidade na definição do melhor tratamento a ser adotado é dos médicos encarregados pelo acompanhamento do paciente, os quais, após a conclusão de um diagnóstico completo, são aptos a definir a gravidade de uma determinada doença e indicar o tratamento adequado, o que inclui a definição da lista de materiais a serem utilizados no procedimento a ser realizado.
Neste contexto, é importante ressaltar que apenas o profissional de saúde que monitora o paciente, com um conhecimento abrangente de seu estado de saúde, bem como quaisquer contraindicações relevantes para qualquer procedimento, está qualificado para determinar a abordagem terapêutica mais apropriada.
Desse modo, não cabe à operadora de saúde a tarefa de prescrever ou escolher a terapia mais adequada; essa responsabilidade é única e exclusivamente do médico responsável pelo tratamento do paciente, em coordenação com o entendimento do paciente e seus familiares.
Adicionalmente, é fundamental destacar que o contrato do plano de saúde pode estipular a cobertura das doenças, mas não deve interferir na determinação do tratamento específico para cada condição médica previamente estabelecida. Qualquer tentativa de fazê-lo representa um sério risco à saúde e bem-estar dos pacientes.
Frisa-se, compete ao médico responsável e não ao plano/seguradora determinar qual o procedimento ou medicamento mais adequado para o tratamento da doença que acomete o paciente. A propósito, tem-se as Súmulas 95, 96 e 102 do TJSP:
Súmula 95: "Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura de custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico".
Súmula 96: "Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento".
Súmula n. 102: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”
Assim, a definição do que constitui um tratamento adequado e quais materiais devem ser utilizados em um determinado procedimento cirúrgico é de competência do médico que acompanha o paciente e não do plano de saúde.
O que fazer caso o plano de saúde recuse o custeio de uma cirurgia alegando que o procedimento ou os materiais não constam no rol da ANS?
Caso o plano de saúde se recuse a cobrir uma cirurgia alegando que o procedimento não está no rol da ANS, primeiramente, confirme com seu médico a necessidade do procedimento. Reúna documentação médica que sustente a urgência e importância da cirurgia. Consulte o contrato do plano para verificar possíveis cláusulas ou exclusões. Comunique-se oficialmente com o plano, solicitando por escrito a justificativa da recusa e fornecendo toda a documentação necessária. Caso a negativa persista, registre uma reclamação na ANS e, se necessário, consulte um advogado especializado para orientações legais e considere a possibilidade de entrar com uma ação judicial. Esteja atento aos prazos legais e certifique-se de proteger-se documentalmente durante todo o processo.
Assim, caso você tenha recebido uma negativa e como justificativa a operadora do plano de saúde tenha informado que a negativa de cobertura se dá em razão da não inclusão do procedimento no rol da ANS, não se desespere, tratando-se de procedimento imprescindível a manutenção da saúde e comprovada a eficácia do tratamento, é possível reverter a negativa judicialmente.
Conclusão
A recusa de planos de saúde em cobrir materiais ou cirurgias com base na não inclusão no rol da ANS é uma prática que demanda atenção. Embora o rol seja exemplificativo, a Lei 14.454/2022 esclarece que procedimentos não listados podem ser cobertos com comprovação de eficácia. Pacientes que enfrentam negativas devem buscar respaldo médico, documentar a necessidade do procedimento e, se necessário, recorrer à ANS e considerar a via judicial. A proteção da saúde e dos direitos dos beneficiários deve prevalecer sobre interpretações restritivas das operadoras de planos de saúde.
Portanto, é fundamental que os pacientes estejam cientes de seus direitos e busquem amparo jurídico caso enfrentem recusas injustificadas por parte dos planos de saúde. A saúde e a vida dos beneficiários devem ser preservadas, e o acesso a tratamentos adequados não pode ser negado de forma arbitrária.
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Por David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto.