A Lei em Antígona: Uma Análise Crítica


11/01/2017 às 12h07
Por Eloísa Canedo

Resumo

O presente trabalho dedica-se a discorrer sobre a tragédia sófoclidiana Antígona e pretende construir uma leitura capaz de pensar em outros termos a grande polêmica que a peça coloca em questão no que diz respeito às relações entre Direito e Moral. Para tanto, a leitura toma como ponto de partida as características das personagens principais, relacionando suas características pessoais com a realidade vivenciada na época clássica.

Palavras chave: Direito e moral, religião, Antígona, Pólis.

Abstract

This work is dedicated to discuss the tragedy Antigone and intends to build a reading able to think in other terms the great controversy about relations between law and morals. The reading takes as a starting point the characteristics of the main characters, relating their personal characteristics to the reality experienced in the classical period.

Keywords: Law, moral, religion, Antigone, Polis

1. Síntese da obra

Antígona, datada por alguns estudiosos 442 a. C, traz uma tragédia dramática, que compõe a terceira parte da Trilogia de Tebas de Sófocles juntamente com Édipo Rei e Édipo em Colosso. A obra é marcada pelo confronto entre Antígona, que reclama para si um direito transcendente e Creonte, quem positiva uma lei contrária ao direito natural invocado por Antígona e relata o final da família dos Labdácias.

Polinice, Etéocles, Ismênia e Antígona são os filhos de Édipo e sua mãe, Jocasta. Polinice entra em confronto com a cidade de Tebas, ao reclamar seu direito de sucessão ao trono ocupado por Etéocles, o que culmina um confronto que resulta na morte dos dois irmãos, feridos um pelo outro. A tragédia inicia-se com o diálogo entre Antígona e Ismênia, onde aquela se queixa com sua irmã sobre um édito expedido pelo então rei Creonte (irmão de Jocasta) que concede todas as honras fúnebres à Etéocles por ter morrido em defesa à Tebe, enquanto que Polinice deverá permanecer insepulto devido sua traição, perecendo às intempéries e aos animais, e quem ousasse desafiar tal lei, seria executado.

Antígona - que nutre profunda admiração por seu irmão morto Polinice, inconformada então decide ir contra as leis da cidade e pede ajuda à Ismênia para sepultar dignamente seu outro irmão, pois acredita que a lei dos homens não é superior as leis eternas pelas quais se guia. Ismênia recusa-se a participar de tal plano e desencoraja Antígona que ignora seus avisos e procede com o funeral.

Ao ser informado do ocorrido, Creonte – que considera-se competente para impor qualquer lei que o convenha, mesmo que essa entre em desacordo com as crenças religiosas do povo, condena Antígona a ser sepultada viva, por ter contrariado as leis de Tebe. Em meio a seu julgamento, surge Hémon, noivo de Antígona e filho de Creonte, que tenta convencer seu pai a voltar atrás em sua decisão apelando para a razão e alerta seu pai que o povo apoia Antígona e vê sua ação como gloriosa pois honrou aquele que veio do mesmo ventre materno que ela, e destaca que o povo silencia por medo de ofender o Rei e não por apoiá-lo. Hémon vê em seu pai a figura de um ditador, que não age com prudência e Creonte reafirma seu lugar de governante dizendo que a ele cabe o dever de promulgar leis e a ele pertence Tebas, e acusa seu filho de ceder aos interesses de uma mulher, que por sua vez, responde dizendo que defende a justiça e a obediência aos Deuses Imortais e faz uma ameaça final: que morreria não somente uma pessoa, mais duas.

Surge Tirésias, um adivinho que alerta Creonte sobre as más escolhas que fez em nome da soberba, e conta que os Deuses já não respondiam mais aos sacrifícios que oferecera por conta de Creonte ter profanado o corpo do filho de Édipo. Tirésias prevê que deverá Creonte pagar com a morte de um de seus descendentes o resgate de outra morte, pois pôs sob a terra uma criatura que vivia na superfície e manteve longe dos deuses subterrâneos um cadáver insepulto. Creonte então manda concederem as honras fúnebres à Polinice e libertarem Antígona em obediência às leis do mundo.

Eis que o mal já havia ocorrido, Hémon ao adentrar o túmulo de pedra de Antígona a encontra sem vida, tendo se enforcado e, não suportando tal sofrimento, disfere um golpe de espada contra si mesmo. Ao saber da notícia, Eurídice, mãe de Hémon, não suportando a perda de dois filhos, se apunhá-la e antes de morrer, pede que todas as desgraças recaiam sobre seu marido Creonte.

2. A lei para Antígona e para Creonte

Ao analisar a obra de Sófocles percebe-se a discrepância entre a lei para Antígona e para Creonte. Para a primeira haveria uma lei eterna e superior que se sobrepões a vontade dos homens. Já para o segundo, a lei seria a lei positivada, posta, a lei vigente. Ocorre então uma clara oposição entre um Direito Natural x Direito positivo. Antes de adentrarmos no que compele a essas duas escolas do Direito, faz por bem esmiuçarmos as personagens Creonte e Antígona.

Antígona, heroína da obra, revela uma personalidade inquisidora que persegue seus ideais de justiça. Perpassando esta noção amplamente percebida, temos a posição de Antígona no direito sucessório de sua linhagem, apontada na obra pelo Corifeu: “Com seu caráter indomável, esta jovem revela que descende de um pai igualmente inflexível; ela não se deixa dominar pela desgraça!” contrapondo-se com a personalidade de sua irmã, Ismênia, que segue com os padrões de mulher da pólis clássica: recatada, submissa, frágil e suspeita. Antígona parece considerar-se superior a Creonte, por este não descender de uma linhagem de reis. “Nesta altivez, há um misto sutil de superioridade moral, dinástica e pessoal (egocêntrica) que expressa a tranquila convicção de ser uma personagem distinta e de ocupar um lugar à parte dos outros” (ROSENFIELD, 2002, p. 14).

Creonte irmão de Jocasta, descende de conselheiros reais e regentes, que só assumiram o trono em situações emergenciais. Creonte é referido como tirano, inflexível e egoísta, mas quando insiste nesta postura na condenação de Antígona, ao ler nas entrelinhas, percebemos que há uma preocupação além da aplicação da lei de Tebas. Na época clássica existira uma instituição jurídica que resguardava a sucessão ao trono ao filho da princesa de um líder morto. Por este estatuto, Creonte teria a obrigação de casar Antígona com o seu mais próximo parente – Hémon, seu filho. Assim, os filhos deste casamento seriam uma sucessão de Édipo, e não da linhagem de Creonte. Como ele não possuía outros filhos, sua linhagem se extinguiria em Hémon. Na perspectiva de Édipo, no entanto, Antígona, fruto de um casamento incestuoso, irmã dos fraticidas, representava a continuação de uma maldição que recaíra sobre Tebas. Sendo ela “a última raiz”, personagem que carrega consigo a estirpe altiva de seu pai, para Creonte atrairia com sua linhagem dos Labdácias a ira dos deuses. Este fato explica a antipatia de Creonte para com Antígona.

A posição sustentada por Creonte fora que o casamento de seu filho Hémon com Antígona estaria condenado ao fracasso. Primeiro no que se refere à maldição recaída sobre os Labdácias e segundo, no que compele à personalidade intransigente e ‘insubmissível’ de Antígona, o que ameaçaria a ‘boa ordem viril’, comprometendo a instauração da nova linhagem de Creonte. Seu filho no entanto, possui outra visão dos fatos.

Hémon. em seu discurso perante o corifeu, não atende ás advertências de seu pai e prossegue com sua posição, em boa parte motivada pela paixão que sente por Antígona. Na discussão entre ele e Creonte percebe-se um impasse entre a democracia e a tirania. De um lado, Hémon sustenta que seu pai não deve ignorar o posicionamento do povo em relação á Antígona, o qual considera seu ato louvável e digno. Para Hémon, o povo constitui a soberania de Tebe, e sendo assim, Creonte deveria representar o posicionamento do povo, como é evidenciado em uma fala de Hémon: “Ouve, meu pai: nenhum Estado pertence a um único homem!”. Creonte por sua vez, insiste que o que é justo é o que está definido na lei como justo.

Quando Antígona defende seu direito eterno assegurado pelos deuses percebe-se a similaridade entre seu discurso e o Direito Natural que consiste em um conjunto de normas jurídicas que derivam da natureza, caracterizado por sua permanência pois deriva de valores que antecedem a criação do Estado, universalidade pois seus preceitos são idênticos a todos os seres humanos, independentemente de suas condições culturais específicas e, seu caráter absoluto pois independe de qualquer autoridade local que o positive e que lhe dê valor.

Já o discurso de Creonte revela uma aspiração positivista do direito onde as normas jurídicas são aquelas positivadas pelo Estado e não dependem de critérios externos a elas, como a moral, o costume, a religião ou o direito natural.

Conclusão

A obra de Sófocles revela-se até hoje atual, por simbolizar o embate entre o direito posto e a subjetividade moral de cada pessoa. Antígona em sua essência então representaria a personificação dos direitos individuais, mesmo que na época clássica tais direitos nem cogitavam existir pois a vontade das pessoas era submissa à vontade do Estado-Cidade. Entretanto, a obra pode ser observada do ponto de vista da evolução do direito perante os conflitos que permeiam a sociedade. Em suas obras, Sófocles propõe uma discussão política onde os meios para a obtenção de justiça seriam através da construção da subjetividade do direito. A busca pelo justo para Creonte e Antígona representou a negação do posicionamento um do outro e culminou a tragédia. Mesmo nas democracias da atualidade, não é raro surgirem normas jurídicas e morais antagônicas revelando que nem sempre os interesses do Estado e dos indivíduos coincidem e reclamando por uma solução que preserve a eficácia exigida do primeiro e as liberdade individuais do segundo — sem a qual a cidadania dá lugar à tirania.

  • Direito e moral
  • religião
  • antígona
  • juspositivismo
  • jusnaturalismo

Referências

SÓFOCLES. Antígona; Tradução: J.B. de Mello e Souza. Versão para eBook, Clássicos Jackson, Vol XXII, 2005. Disponível em: <www.ebooksbrasil.com> Acesso em: dez. 2016.

ROSENFIELD, Katharina Holzermayr. Sófocles & Antígona. Zahar, 2002.

ALVES, Marcelo. Uma leitura crítica de Antígona para o direito. Novos Estudos Jurídicos, v. 10, n. 2, p. 325-376, 2008.


Eloísa Canedo

Estudante de Direito - Rio de Janeiro, RJ


Comentários


Mais artigos do autor